Em junho de 2021, a Associação Brasileira de Investidores (Abradin) descobriu que Eike Batista tinha debêntures avaliadas em R$ 612 milhões “escondidas” debaixo de uma estrutura de três camadas de fundos de investimentos. A revelação chamou a atenção, já que o ativo poderia ajudar a pagar os credores da da MMX, mineradora que fazia parte do grupo EBX, de Batista, e que teve a falência decretada em maio daquele ano.
O E-Investidor tentou procurar a defesa de Eike Batista, mas não obteve sucesso. O espaço está aberto a manifestações.
Os títulos haviam sido adquiridos pelo ex-bilionário em meados de 2008 como parte do pagamento feito pela mineradora britânica Anglo American pelo complexo Minas-Rio, que pertencia à MMX. É considerado o “último bem” valioso na carteira do empresário, condenado por crimes contra o mercado de capitais. Isto porque o detentor dessas debêntures terá direito a pagamentos mensais atreladas ao lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) do Minas-Rio, no período entre março de 2025 a fevereiro de 2050. O processo está sendo discutido no Supremo Tribunal Federal (STF) desde o ano passado.
No dia 17 de dezembro, como citamos em primeira mão nesta reportagem, uma decisão proferida pelo ministro Dias Toffoli concedeu ao fundo Itaipava o “direito de preferência” sobre esses títulos de dívida. O que significa que o veículo teria prioridade na compra do ativo, que chegou a ir a leilão em 2022 e receber ofertas de players como XP e BTG Pactual (BPAC11), mas que não teve as propostas concluídas. Para exercer esse direito, era necessário que o fundo depositasse o valor das debêntures em uma conta judicial no prazo de cinco dias. A decisão não especifica se dias úteis ou corridos – no caso da segunda alternativa, o período teria se esgotado na última segunda-feira (23).
O Itaipava possui como único cotista o executivo Paulo Gouvea, ex-diretor da EBX, de acordo com a Abradin, que tenta reverter a decisão de Toffoli na Justiça. O fundo chegou a publicar uma ata de assembleia em que aprovava a emissão de R$ 613 milhões em cotas logo após a decisão judicial, mas nos documentos do veículo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), não há efetivação deste montante nos registros de patrimônio líquido do produto.
A defesa de Eike Batista vê com preocupação esse movimento. Para o corpo jurídico do ex-magnata da Bolsa, fazer uma emissão de cotas para comprar as debêntures equivale a terceirizar o direito de preferência dado ao fundo Itaipava para o BTG Pactual, administrador do veículo que fará a capitalização. “O BTG capitalizará o fundo para comprar o direito de opção do Itaipava FIM para a compra do ativo. Veja-se: na prática, esta a se realizar um novo leilão da debênture, mas sem ampla concorrência e com valor previamente fixado, para privilegiar-se unicamente um banco privado em prejuízo da economia pública”, dizem os advogados, no documento obtido pelo E-Investidor.
Também há questionamentos sobre o valor atribuído às debêntures, de R$ 612 milhões. O montante foi classificado por Batista, no documento, como “preço de banana” frente ao retorno que o detentor desses títulos terá no longo prazo. “O ativo renderá, apenas nos exercícios de 2025 e 2026, US$ 42.1 milhões por ano. Isto é, US$ 84 milhões de dólares, que corresponde a cerca de meio bilhão de reais – remuneração que vai se elevando até alcançar a cifra US$ 73.7 milhões em 2030, valor anual a ser recebido até 2049. São 25 anos de percepção de bilhões de reais”, afirma a defesa. “Podemos afirmar que o ativo está sendo alienado por menos de um décimo do seu valor total”, diz. A União, sustenta a defesa do empresário, seria a maior prejudicada se as debêntures ficassem nas mãos de entes privados, já que perderia o acesso a tal remuneração.
Um novo personagem no espólio de Eike Batista
De qualquer forma, agora a Orion (antiga corretora Argenta Securities), que ganharia o direito de preferência sobre as debêntures em caso de desistência do fundo Itaipava, solicita na Justiça acesso aos autos do processo. Isto porque a Orion busca confirmar se o Itaipava realizou ou não o depósito judicial, uma vez que a emissão de cotas foi aprovada pelo Itaipava FIM, mas não há a confirmação ainda de que o valor foi levantado ou depositado na conta. Caso, de fato, Gouvea tenha desistido das debêntures, a Orion teria apenas cinco dias a partir do fim do prazo dado ao Itaipava para realizar o depósito de R$ 612 milhões e assegurar a posse dos títulos de dívida.
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Entretanto, até mesmo o fim do prazo dado ao Itaipava é incerto, já que não há especificação, na decisão de Dias Toffolli, se são úteis ou corridos. A reportagem tentou contatar a defesa da Orion e do fundo Itaipava. Até a publicação desta matéria, as solicitações não foram retornadas.
“A Orion vem tomando todas as providências possíveis para garantir que o depósito será realizado, se lhe for oportunizado, nos exatos termos e com a agilidade requerida pela decisão”, diz a Orion na petição, obtida pelo E-Investidor. “O fato é, que (…) a ausência de certeza acerca do início – e, consequentemente, do encerramento – do prazo para depósito tem o condão de ameaçar o exercício do direito concedido à Orion.”
Nos anos 2000, Eike Batista era um dos executivos mais famosos e ricos do País e possuía, sob suas asas, uma série de empresas ligadas a commodities. Entre elas, a mineradora MMX e a petroleira OGX, as companhias mais famosas. Contudo, as promessas de crescimento e sucesso feitas pelo empresário em relação a essas companhias nunca se concretizaram e os escândalos de corrupção abalaram a credibilidade de Batista. Logo, o império EBX se despedaçou, deixando um rastro de prejuízos a investidores e credores.