- Após a falência do SVB, startups têm lutado para encontrar uma instituição que atenda às suas necessidades
- Bancos tradicionais não lidam bem com a alta volatilidade das startups
- Quebra do SVB deixa lição para capitalistas de risco, que não devem confiar seu dinheiro a instituições apenas por reputação ou renome no mercado
Startups do Vale do Silício a Londres, Tel Aviv e polos de tecnologia em toda a África dependiam do Silicon Valley Bank (SVB) como um centro de serviços para tudo, desde guardar suas fortunas até hipotecas pessoais. Agora, a falência do banco as obrigou a transitar por um novo mundo bancário e no momento em que os mercados financeiros pendem para o caos.
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Mesmo que o banco continue com um novo nome, os investidores e as empresas de tecnologia enxergam um futuro consideravelmente mais difícil. As negociações que vão desde o financiamento da dívida de risco a rodadas de financiamento são suscetíveis de serem afetadas pela reviravolta dos últimos dias.
E assim como as startups estão tentando movimentar seu dinheiro e procurando por bancos novos e mais seguros, todo o setor financeiro está em crise, com as ações do Credit Suisse despencando para o menor nível já registrado e arrastando para baixo outras grandes instituições com ele – veja tudo o que se sabe sobre o Credit Suisse até agora.
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A sócia comanditária da Race Capital, Edith Yeung, disse que as transações de capital de risco provavelmente serão atrasadas ou até mesmo descartadas em meio à confusão. “Tenho certeza de que há acordos fechados na semana passada que agora não vão se concretizar”, disse, depois da derrocada do SVB – entenda tudo sobre o caso. “Este é um transtorno enorme para a área de investimentos de risco.”
Muitos no setor de tecnologia ainda estão sofrendo pelo fim do SVB e lamentando pela futura dificuldade de trabalhar com bancos maiores não familiarizados com as necessidades únicas das jovens empresas de tecnologia. Mike Moritz, da Sequoia Capital, comparou a falência do banco com a “perda de um familiar” em uma coluna.
E os temores de contágio em todo o sistema bancário apenas pioraram as coisas para o setor. Edith disse que os capitalistas de risco vão precisar fazer mais perguntas aos seus bancos. Ela recomendou que, daqui para frente, os capitalistas de risco não deveriam confiar apenas no boca a boca ao escolher um banco: “Escolhemos este banco pela reputação e a reputação não é suficiente”, afirmou.
Grandes bancos
David Pakman, sócio-gerente da CoinFund, firma de capital de risco de criptomoedas, disse que as empresas de tecnologia e os capitalistas de risco ainda estão se recuperando dos acontecimentos recentes, apesar do apoio do governo. Para as startups, o SVB se diferenciava por ser tolerante com a natureza volátil das empresas. “Você não vai conseguir isso com aqueles bancos maiores”, disse ele.
Em Israel, onde o SVB tinha uma presença descomunal no setor de tecnologia em expansão do país, as empresas estão se preparando para atrasos enquanto abrem contas em outros bancos, disse Avi Eyal, sócio-gerente da Entrée Capital. “Pode levar muito tempo até que as coisas voltem ao normal e as empresas internacionais vão estar no fim da linha”, disse ele.
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Os clientes do SVB no Reino Unido enfrentam menos transtornos depois que o HSBC comprou a unidade local do banco pelo valor simbólico de 1 libra, mas terão de se acostumar com uma mudança de cultura. O HSBC é o maior banco do país e tem uma reputação conservadora, enquanto o SVB atendia a empresas jovens e descontraídas de tecnologia, ciências da vida e criptomoedas.
Para as empresas de risco consagradas nos Estados Unidos, o caminho a seguir talvez seja mais simples. “Os capitalistas de risco não têm problemas em abrir contas bancárias”, disse Pakman.
Muitas startups planejam transferir seu dinheiro para uma grande instituição, onde têm há mais mais condições de garantir que ele estará seguro, mesmo que não recebam um serviço hiperpersonalizado ou enfrentem taxas de juros particularmente altas. Diversos fundadores disseram que farão negócios no futuro com o Bank of America e o JPMorgan.
O seguro do depósito bancário também é uma prioridade e algumas startups planejam colocar seu capital em contas diferentes para ficar abaixo do limite assegurado pela Federal Deposit Insurance (FDIC) de US$ 250 mil. Healy Jones, vice-presidente de estratégia financeira da Kruze Consulting, disse que os clientes estão cada vez mais em busca de opções que lhes permitam conseguir vários milhões assegurados pela FDIC.
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“De repente, as pessoas querem a cobertura da FDIC”, disse Jones. “Ninguém se importava com isso há cinco dias, mas agora todo mundo quer.”
Resfriado
As consequências globais talvez sejam percebidas mesmo em locais onde o SVB não tinha uma grande presença. Embora o banco californiano tenha se relacionado apenas com um número limitado de empresas na África, as startups de lá ainda estão indiretamente expostas, de acordo com Samuel Sul, diretor do grupo de financiamento do Renaissance Capital em Londres.
“Se o setor de tecnologia dos EUA e os capitalistas de risco espirrarem, as empresas de tecnologia africanas pegam um resfriado”, disse Sul. “Haverá menos liquidez no sistema.”
A falência do SVB também foi um sinal de alerta de que alguns CEOs precisam aprender uma nova função: gestão financeira. Quando a NFX, empresa de capital de risco que investe em startups em fase de pré-comercialização, se reuniu com aquelas de sua carteira, metade das perguntas foram sobre gestão financeira, disse Pete Flint, sócio comanditado da NFX.
Os CEOs não estavam apenas preocupados com como proteger o dinheiro, mas também queriam aprender como poderiam tirar proveito do cenário com taxas de juros altas para conseguir retornos significativos, afirmou. Ele tem recomendado que os fundadores se assegurem de ter mais de uma conta bancária.
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“Esta é uma nova habilidade que fundadores e CEOs não precisaram aprender nos últimos oito anos”, disse Flint. “Todo mundo está tentando descobrir a relação de risco e recompensa adequada.”
Ofertas de crédito
Algumas empresas financeiras não tradicionais aproveitaram o momento para aumentar suas próprias ofertas de empréstimos. Nomes como Arc Technologies, Tranch e Brex ofereceram apoio financeiro para startups com pouco dinheiro. E a Brex disse que está registrando um número recorde de negócios.
Quang Hoang, cofundador de uma startup chamada Birdly, passou a segunda-feira atualizando a página do site do Silicon Valley Bank a cada hora. Sua startup de mentoria para engenheiros com sede em São Francisco tinha cerca de US$ 10 milhões depositados na instituição financeira agora falida, apadrinhada por grande parte das empresas de tecnologia mais promissoras do país. No entanto, à medida que a tarde se transformava em noite, ele ainda não tinha conseguido recuperar seu dinheiro.
Hoang disse que a Birdly, conhecida comercialmente como Plato, vai recorrer aos grandes bancos, além da Brex, daqui para frente. Neste momento, sua conta na Brex tem fundos suficientes para cobrir gastos imediatos de sua startup com 25 funcionários durante um mês ou mais, disse Hoang.
Antes da quebra do banco californiano, muitos consultores “nos disseram que a Brex era boa, mas precisávamos de um banco de verdade – um que fosse estável como o SVB”, disse Hoang. “Essa é a parte irônica.”
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Depois de um fim de semana estressante fazendo planos para o pior cenário possível, que incluíam a perspectiva de demissões, Hoang ficou aliviado com a decisão do governo na noite de domingo de reembolsar os depositantes. “Acredito neste país e confio no sistema”, disse Hoang. Por volta das 19h, no horário de São Francisco, ele recuperou seu dinheiro.
TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA