Negócios

As estratégias de sobrevivência das assets em períodos voláteis e alta concorrência

Uma análise realizada pela TAG Investimentos aponta que quase a metade das assets do Brasil está no "sufoco"

As estratégias de sobrevivência das assets em períodos voláteis e alta concorrência
Há 1005 gestoras com participação na indústria de fundos do Brasil, segundo dados da Anbima (Foto: Envato Elements)
  • Os ciclos macroeconômicos e a expansão dos produtos isentos de imposto de renda tornam o ambiente de sobrevivência das assets brasileiras mais hostil
  • O estudo da TAG mostrou que, diante do cenário, as gestoras brasileiras precisariam pelo menos R$ 400 milhões sob gestão para manter o negócio no "modo de sobrevivência"
  • No entanto, cerca de 48% das gestoras de investimentos no País operam abaixo desse valor

As incertezas macroeconômicas não impõem desafios apenas para os investidores que tentam encontrar boas oportunidades de mercado. As intempéries do mercado afetam também a sobrevivência das gestoras de investimentos que, além de buscar estratégias para superar o benchmark dos seus fundos, tentam equilibrar os custos e o retorno das suas atividades. A conta nem sempre fecha e o resultado dessa equação deixa as empresas no sufoco.

Uma análise da Tag Investimentos mostra bem essa realidade. O relatório, produzido por André Leite, CIO da TAG, estima que quase a metade das gestoras de investimentos no País opera no “modo de sobrevivência”. O estudo levou em consideração a realidade de uma gestora com uma estrutura de um escritório com 150 metros quadrados, localizado na região Berrini, ZonaOeste da capital paulista, e com a presença de 15 pessoas, sendo três funcionários com carteira assinada, três estagiários, três sócios seniores e seis sócios plenos ou juniores.

O especialista assumiu ainda um ROA (return on assets – retorno sobre ativos, em tradução livre para o português) de 1%. O porcentual já inclui impostos e rebates. Com essa realidade, Leite projeta que a gestora precisa de pelo menos R$ 850 milhões sob gestão para que os sócios recebam remunerações compatíveis a suas funções. Para esta situação, apenas 38% do total de gestoras vivem nessas condições.

Já em um cenário em que os sócios seniores abrem mão de qualquer quantia para manter a remuneração de outros sócios e uma estrutura mínima, a gestora precisaria ter pelo menos R$ 400 milhões sob gestão. Com base nos cálculos da TAG Investimentos, 52% das assets vivem acima desse limite. Isso quer dizer que o restante – os 48% – opera abaixo das condições mínimas de funcionamento. Os esforços para atrair mais clientes para mudar essa cifra tornam-se ainda mais desafiadores em momentos de ciclo econômico ruim, como o atual.

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No acumulado de 2024, o Ibovespa apresenta uma desvalorização de 3,74%. O fraco desempenho do principal índice da B3 ao longo do primeiro semestre reflete o aumento da percepção de risco no campo fiscal no Brasil e as perspectivas de juros em patamares elevados por mais tempo nos Estados Unidos. A situação estimula a saída do capital gringo do mercado doméstico.

Até o fim de abril, a Bolsa de Valores brasileira havia perdido R$ 32,5 bilhões de investimento estrangeiro em 2024, segundo os dados da B3. “Em um cenário de taxas de juros mais altos, muitos segmentos tendem a se tornar menos atrativos, especialmente os fundos multimercados e os fundos de ações”, avalia Diego Kashiwakura, ratings manager da Moody’s Local, agência de classificação de risco.

De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), nos últimos 27 meses, de janeiro de 2022 a março de 2024, a indústria de multimercados sofreu R$ 291 bilhões em resgates, como mostramos nesta reportagem. Nestas situações, ter várias linhas de produtos se transforma em um mecanismo de sobrevivência para equilibrar os ciclos de mercado que cada segmento de fundo possui.

A fusão com outras gestoras pode ser um dos caminhos para garantir a sobrevivência do negócio nos períodos de baixa do mercado. A alternativa costuma ser interessante quando uma gestora se une a outra com um expertise diferente à sua. Mesmo assim, a possibilidade deve ser avaliada com cautela. “É um processo bastante difícil e pode até ser traumático porque há muitas redundâncias de funções. Então, em uma fusão, o quadro de funcionários tende cair e a organização dessa transação é bastante difícil”, Cassiano Leme, CEO da constância investimentos, gestora com mais de R$ 2,4 bilhões, segundo dados mais recentes da Anbima.

A outra saída, sugerida por Leme, seria os acionistas abdicarem de suas remunerações para manter o negócio ativo. No entanto, os ciclos de mercado não são os únicos fatores que impões desafios para o dia a dia das gestores. A expansão da oferta de produtos isentos de imposto de renda ajuda também a tornar o ambiente ainda mais competitivo. Leite explica que os ativos costumam ser algum tipo de produto bancário ou emissão de crédito, negociados em mercado secundário. Ou seja, não são produtos que os investidores precisam pagar taxas de administração.

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“Cada real que sai do ambiente de fundos costuma ir para os produtos isentos bancários ou crédito privado”, diz Leite. “Esse dinheiro que foi para essa classe de ativos isentos de IR, na nossa visão, não volta mais, independente de juros altos ou baixos”, complementa o CIO da Tag Investimentos.

As gestoras de recursos

Os desafios não impedem o crescimento do mercado das assets no Brasil. Segundo dados da Anbima, o número de gestoras com participação na indústria de fundos subiu de 710, em dezembro de 2020, para 1005 em março deste ano. A diferença representa um salto de 41,5% em quase quatro anos. A Coinext, corretora de criptoativos do Brasil, faz parte da lista de empresas que decidiu se aventurar nesse ambiente bastante competitivo ao lançar a sua própria Asset, após conseguir a autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Anbima no fim do ano passado.

Veja o crescimento do mercado de Assets no Brasil

Período Nº de gestoras
Dezembro de 2020 710
Dezembro de 2021 824
Dezembro de 2022 921
Dezembro de 2023 993
Março de 2024 1005
Fonte: Anbima

Nos primeiros meses de funcionamento, o foco da nova integrante do mercado de assets do Brasil está na oferta do seu fundo multimercado Coinext Crypto Strategy FIM IE que possui investimento 100% em cripto no exterior e faz uso de derivativos para realizar o hedge da sua carteira. O produto tem como benchmark o índice S&P Cryptocurrency Broad Digital Market (BDM) Index, focado em mercado de ativos digitais.

Ao olhar para toda a indústria, a Coinext Asset é a terceira gestora com o menor patrimônio líquido sob gestão com apenas R$ 890 mil, segundo os dados mais recentes da Anbima, referente a março.

Levando em consideração a métrica sugerida pela TAG Investimentos, a empresa está bem aquém do volume ideal para conseguir manter as suas atividades, mas vale ressaltar que o baixo capital é decorrente da sua estreia no segmento. “No nosso caso, há uma ressalva. Lançamos há pouco um fundo e uma gestora. O produto é absolutamente disruptivo e foi necessário todo um trabalho junto com o administrador para abertura de contas em corretoras fora do país. Isso leva tempo”, diz  José Artur Ribeiro, CEO da Coinext, que mantém boas perspectivas para o novo negócio

Para maio, os esforços da Asset se voltam para a distribuição do fundo, destinado para investidores qualificados e profissionais, e captação de novos recursos. Ou seja, a expectativa é que o tamanho do patrimônio líquido sob gestão da Coinext mude consideravelmente nos próximos meses. Isso porque as projeções positivas para o negócio se ancoram, especialmente, na possibilidade de queda de juros dos Estados Unidos nos meses de setembro e outubro, como o mercado estima.

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Se esse movimento ocorrer, o apetite a risco aumenta entre os investidores e o capital volta a migrar para os ativos de risco, como as criptomoedas. “Deve haver uma migração bastante considerável de recursos para os fundos desse tipo (fundos de criptomoedas) porque qualquer gestor de family office e até os mais tradicionais vão destinar 1% a 5% do capital para os ativos de altíssimo risco”, frisa Ribeiro. É nesse momento que a gestora busca conquistar o seu espaço no mercado.

A Fundamenta Administração de Recursos também se encontra abaixo da linha dos R$ 400 milhões sob gestão em fundos de investimentos necessários para garantir a sua sobrevivência. Segundo os dados da Anbima, até março deste ano, a gestora possui R$ 384,61 milhões de patrimônio líquido sob gestão nesta classe de ativos. Mas se levarmos em consideração as carteiras administradas, outra linha de negócio da gestora, o PL total sob gestão chega a R$ 1,3 bilhão.

Independente do volume desse capital, Valter Bianchi Filho, sócio da Fundamenta Investimentos, explica que o sucesso de um gestora depende principalmente do controle rígido dos custos das operações e de boas estratégias de alocação desse patrimônio. “Gestoras com custo fixo elevado tornam-se frágeis na ponta ruim do ciclo econômico. Então, é fundamental controlar isso. Outro aspecto importante é manter a visão da entrega dos resultados dentro do horizonte adequado”, afirma Bianchi Filho.

O alinhamento entre esses dois pilares, segundo Biachi Filho, é o grande responsável pelo funcionamento do fundo de ações da Fundamenta desde julho de 2010 com uma rentabilidade de 286%, cerca de 100 pontos porcentuais em comparação ao Ibovespa durante o mesmo período.

 

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