O tema faz parte de uma proposta de Resolução Conjunta com o Conselho Monetário Nacional (CMN). Caso avance, instituições reguladas pelo BC seriam obrigadas a utilizar, em sua denominação, termos que estabeleçam clara referência à sua autorização de funcionamento. Isso significa que só instituições de pagamento poderão usar o termo “pay”, assim como apenas fintechs poderão se apresentar como tal.
A medida propõe mudanças não apenas no nome fantasia – usado para fins comerciais e de marketing –, mas também no nome empresarial, que é a denominação oficial registrada legalmente. Além disso, as instituições teriam que alterar seus endereços eletrônicos e a forma como apresentam sua marca ao público.
Vale lembrar que a proposta ainda não foi aprovada e a Consulta Pública 117/2025 segue aberta. Comentários e sugestões podem ser feitos até 31 de maio pelo site do Banco Central. No sistema, já é possível conferir 400 contribuições.
Nubank, C6 Bank e Banco Inter vão mudar de nome?
Um dos casos mais emblemáticos do mercado é o do Nubank, que atua sem licença de banco, mas já soma mais de 114 milhões de clientes. Ao E-Investidor, a empresa disse que acompanha as discussões a respeito do uso de termos relacionados à palavra “banco” na marca de instituições de pagamento, financeiras e correspondentes bancários.
“Acreditamos que qualquer regulação nesse sentido será estabelecida após ampla discussão e preverá prazo suficiente para que todas as instituições afetadas avaliem diligentemente toda a gama de hipóteses possíveis para seu devido cumprimento”, afirmou o Nubank, destacando que conta com todas as licenças necessárias para oferecer os produtos atualmente disponíveis em sua plataforma.
Entre as instituições que atuam de forma totalmente digital e também são de grande porte, os nomes do C6 Bank e do Banco Inter surgiram em discussões nas redes sociais como possíveis afetados pelas novas regras propostas pelo BC. Ao E-Investidor, no entanto, as empresas explicaram que não seriam impactadas se as medidas fossem aprovadas.
“O Inter possui uma licença emitida pelo Banco Central para atuar como banco desde 2008. A Consulta Pública do BC tem como alvo as fintechs e, por isso, não deve afetar o Inter”, destaca a instituição.
O C6 Bank, por sua vez, informou que entrou em operação em 2019 já com autorização de funcionamento do Banco Central para funcionar como banco múltiplo.
Tanto o Nubank quanto o Inter e o C6 são instituições que operam de forma digital e estão entre as 15 maiores do Brasil em número de clientes, segundo dados mais recentes do Banco Central.
Associação das fintechs acredita que medida é “muito enérgica”
A Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) entende que a regulamentação proposta pelo BC é importante para proporcionar maior clareza ao consumidor, mas enxerga que a medida está sendo tratada de uma forma “muito enérgica”. “Acreditamos que o assunto deveria ser endereçado de outro modo, porque a simples proibição do uso do nome, sem qualquer tipo de contrapartida, pode ser negativa”, ressalta Diego Perez, presidente da ABFintechs.
Ele avalia que as empresas de menor porte seriam as mais afetadas, já que as maiores instituições já estão consolidadas no mercado e conseguiram ganhar espaço entre os grandes bancos. “As fintechs de pequeno ou médio porte, que ainda estão na jornada de investimento e de consolidação das suas atividades, terão uma desvantagem competitiva”, afirma.
O entendimento é de que o uso da palavra “banco” ou de termos similares gera maior segurança entre os consumidores, o que possibilitou que grandes fintechs crescessem no passado usando essa denominação – algo que não seria possível para as novas empresas.
Para Perez, em vez de promover uma alteração nos nomes das instituições, o melhor caminho seria solicitar que essas empresas trouxessem avisos em suas comunicações, explicando quais licenças possuem para operar. “Poderia ser algo semelhante com os avisos que são mostrados em comerciais de bebidas alcoólicas e de plataformas de apostas esportivas”, diz.
Grandes bancos x fintechs
Na visão de Adrian Kemmer Cernev, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), a proposta do BC representa uma demanda dos grandes bancos. “As fintechs ainda não têm o mesmo tamanho dos bancos em termos de ativos financeiros e de exposição de crédito e risco, mas elas já estão incomodando, por isso é natural que o setor bancário agora esteja pressionando o regulador”, afirma.
O professor enxerga que a medida proposta, no entanto, deve ser ajustada. “Mesmo que haja um movimento nesse sentido, eu acredito que haveria uma transição, porque não é de interesse do mercado, exceto dos bancos, que essa proibição aconteça”, opina.
Cernev também observa que hoje o Banco Central tem uma orientação focada não só em controle, como também em eficiência, para estimular maior concorrência de mercado e fomentar a inovação. Segundo ele, as fintechs têm contribuído para esse cenário ao oferecer taxas mais atrativas aos clientes.
Fabiano Jantalia, sócio do Jantalia Advogados e especialista em Direito Bancário, explica que a Consulta Pública aberta sobre o tema estimula o debate sobre o assunto. “Ela é uma exigência da Lei de Liberdade Econômica. Sempre que tiver algum tipo de ato que repercute sobre interesses econômicos, a edição dessa norma precisa ser precedida de Consulta Pública e de uma análise de impacto regulatório”, diz.
O processo de consulta termina no fim de maio. A partir daí, o Banco Central analisará as contribuições recebidas e decidirá se irá incorporá-las ou não. É natural que haja divergências nas manifestações, com opiniões favoráveis e contrárias à proposta. Jantalia ressalta, no entanto, que o BC não está obrigado a submeter o tema a uma espécie de votação.
Como a medida pode impactar o mercado de fintechs
Se a medida for aprovada, as instituições afetadas terão dois caminhos: buscarem uma licença mais robusta para atividades em que a utilização do termo “banco” seja autorizada ou trocarem de denominação. A proposta prevê que as instituições apresentem um plano de adequação no prazo de 180 dias, contados a partir da data da entrada em vigor da Resolução Conjunta. Ainda não está claro, porém, o tempo que as empresas teriam para cumprir esse plano.
“Não acredito, sinceramente, que isso leve as instituições a se converterem em bancos, porque esse não é um caminho trivial”, afirma Jantalia. “O mais provável é um movimento mais intenso de mudança nas denominações. Além de ser mais barato, fica também mais simples de implementar”, destaca.
Para Isac Costa, professor do Insper com experiência em regulação, finanças e tecnologia, as fintechs se esforçaram nos últimos anos para gerar aos usuários uma experiência de banco e a nova proposta pode provocar maior confusão no imaginário da população que consome esses serviços. “Talvez mudar a nomenclatura agora, com o ‘carro andando’, possa gerar mais efeitos negativos para o crescimento do setor. Eu acho que essa intervenção vai causar mais prejuízo reputacional a essas empresas do que efetivamente trazer estabilidade financeira num primeiro momento”, ressalta Costa.
Gustavo Rabello, sócio de mercado de capitais do SouzaOkawa Advogados, acredita que os consumidores devem questionar as mudanças, caso sejam implementadas, o que traria um impacto comercial relevante para as empresas, sobretudo se houver perda de familiaridade com marcas consolidadas. O advogado lembra que há fintechs de grande porte e sucesso que, mesmo sem serem bancos, alcançaram valor de mercado significativo, como o Nubank.
“Transparência é sempre positiva, especialmente quando contribui para decisões mais conscientes por parte do consumidor. No entanto, o processo de readequação pode gerar custos relevantes, com impacto mais severo sobre empresas menores ou em estágio inicial”, afirma.
Mudanças na comunicação com clientes
Segundo Andrea Sano Alencar, sócia do Efcan Advogados, caso a proposta do BC seja aprovada, as instituições afetadas enfrentarão custos significativos de adequação, incluindo alterações em materiais de marketing, aplicativos, sites, cartões e toda a comunicação com clientes. “Campanhas, materiais e comunicações precisariam ser revistas para garantir a conformidade com a nova regulamentação, exigindo um trabalho minucioso de revisão”, destaca.
Se a medida do Banco Central avançar, a advogada destaca que as empresas precisarão elaborar um plano de comunicação claro e transparente, capaz de explicar as mudanças no nome e na marca aos clientes sem gerar insegurança sobre a continuidade dos serviços. Paralelamente, fintechs como o Nubank enfrentarão o desafio de reforçar seu valor sem depender da associação direta com o termo “banco”.