- Enquanto a rede social vai à Justiça tentar obrigar o bilionário Elon Musk a cumprir o acordo de compra estabelecido em abril, uma reportagem investigativa apresentou denúncias sérias de lobby contra o aplicativo de mobilidade
- Os dois fatos pressionaram ainda mais as ações das duas companhias, que já vinham em queda junto ao setor de tecnologia dos Estados Unidos
- Com as notícias e o cenário econômico volátil, é melhor ficar de fora dos dois ativos, dizem analistas
O cenário não anda nada fácil para as empresas de tecnologia dos Estados Unidos. Com o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) elevando os juros, as companhias do setor têm sido as grandes penalizadas da bolsa – reflexo disso são as quedas da Nasdaq, que teve em 2022 a pior performance da sua história para um primeiro semestre.
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Mas algumas empresas têm motivos a mais para se preocupar. É o caso de Twitter e Uber, duas gigantes que se viram no centro de polêmicas no início desta semana. Enquanto a rede social vai à Justiça tentar obrigar o bilionário Elon Musk a cumprir o acordo de compra estabelecido em abril, uma reportagem investigativa do jornal The Guardian apresentou denúncias contra o aplicativo de transporte.
Os dois fatos pressionaram ainda mais as ações das companhias. “Com juros altos, o cenário tem sido muito ruim para as techs já há alguns meses. Isso prejudica muito essas empresas, que projetam a rentabilidade no longo prazo e precisam sempre fazer empréstimos ou receber investimentos para continuarem se desenvolvendo”, explica Fabio Louzada, economista, analista CNPI e fundador da Eu me banco. “Além de muitos investidores estarem tirando dinheiro de empresas de tecnologia por conta desse contexto, as notícias e polêmicas envolvendo a Uber e o Twitter contribuem para a saída dos investidores, o que faz as empresas caírem”.
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Para uma tomada de decisão sobre os investimentos nas ações destas duas companhias, o E-Investidor ouviu especialistas para entender melhor o que está acontecendo com cada uma:
Twitter e Musk vão aos tribunais
Na última sexta-feira (8), depois do fechamento das bolsas, o cenário que parte do mercado já esperava finalmente se concretizou: o bilionário e CEO da Tesla Elon Musk anunciou que desistiu de comprar o Twitter.
O negócio entre o executivo e a rede social estava em pauta desde abril, quando Musk ofereceu US$ 44 bilhões pela aquisição total das ações da companhia. Mas o acordo vinha ameaçado há algum tempo, depois que o empresário passou a alegar que o Twitter não estava divulgando, conforme estabelecido em contrato, as informações sobre a quantidade de contas falsas da plataforma.
No comunicado que informou a desistência do acordo, os advogados de Musk afirmaram que o Twitter “ignorou múltiplos pedidos de entrega de informação e algumas vezes os rejeitou por razões que não parecem justificadas”. Como resposta, a companhia foi à Justiça americana processar o empresário, em uma tentativa de obrigá-lo a cumprir o acordo de compra.
Musk, que além de ser o homem mais rico do mundo é conhecido pelo seu humor ácido e polêmico, publicou em sua conta da rede social um “meme” em que aparece rindo ao lado das frases: “Eles disseram que eu não poderia comprar o Twitter, depois não divulgaram as informações sobre bots. Agora, querem me forçar a comprar o Twitter na justiça e vão ter que divulgar essas informações no tribunal”.
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— Elon Musk (@elonmusk) July 11, 2022
A imagem resume bem o conflito de interesses que está minando o acordo de US$ 44 bilhões. Guilherme Zanin, analista da Avenue, ressalta que Musk pode estar utilizando este argumento das contas falsas para até mesmo renegociar o preço da compra. “Faz total sentido o Musk pedir para sair do negócio, porque hoje as ações estão em um valor bem mais baixo e ele poderia fechar esse acordo em um preço menor. É um conflito de interesses”, diz.
A questão econômica também é o que está pressionando o empresário na visão de Andrey Nousi, CFA e fundador da Nousi Finance: “Dá para pensar justamente que não fazia qualquer tipo de sentido econômico ele comprar o Twitter desde o início e obviamente, com o mercado caindo bastante, traria ainda mais riscos de perda exacerbadas para ele”, pontua.
A briga judicial que Musk e o Twitter vão travar a partir de agora vai ser para provar quem está certo e quem terá que pagar a multa de rescisão. “Ao meu ver, essa compra não sai. A dúvida é se o Musk vai ter que pagar US$ 1 bilhão por retroceder na compra, conforme a cláusula do contrato, ou se vai conseguir utilizar esse argumento das contas falsas para não pagar a multa”, afirma Gustavo Pazos, analista do time de research da Warren.
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As ações do Twitter fecharam a quarta-feira (13) cotadas a US$ 36,75, acumulando 0,16% de queda na semana. O BDR da companhia, TWTR34, é cotado a R$ 99,09, uma alta de 2,07% na semana.
O lobby do Uber
Se o cenário está ruim para o Twitter, para a Uber consegue ser ainda pior. O vazamento de mais de 124 mil arquivos de 2013 a 2017 apontam que a empresa de transporte interferiu em legislações de diferentes países para ganhar mercado pelo mundo – um problema grave de ética corporativa exposto no domingo (10) pelo jornal britânico The Guardian, em consórcio com outros veículos estrangeiros.
O caso está sendo chamado de “Uber Files”, e denuncia que a plataforma teria se encontrado com ao menos seis líderes mundiais para acelerar o lobby em seus respectivos países, incluindo o atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, à época no cargo de vice-presidente; o presidente da França Emmanuel Macron, quando era ministro da Economia, e o então primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu.
Com os encontros, a empresa americana queria alterar as legislações para encaixar o funcionamento do aplicativo, que muitas vezes operava fora da lei.
Os documentos mostram ainda que o Uber teria incentivado violência contra os próprios motoristas, nas ocasiões em que eram alvo de protestos de taxistas em diversos países na Europa. Para alguns executivos da companhia, esses casos poderiam forçar a regulamentação do aplicativo, além de ajudar na popularização da plataforma.
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Em nota à reportagem do The Guardian, a companhia reconheceu os problemas de governança em sua trajetória até 2017, dizendo que desde a chegada do CEO Dara Khosrowshahi naquele ano trabalha para impor uma nova cultura de trabalho na empresa.
A nota dizia que a companhia não vai pedir ou dar desculpas por “comportamentos passados que claramente não estão de acordo com valores atuais”.
Mas o comunicado não foi suficiente para tirar a desconfiança do mercado com a notícia do Uber Files. Como reflexo disso, as ações da companhia desvalorizaram 5,15% no pregão de segunda-feira (11), logo após a divulgação da reportagem do The Guardian.
“A Uber agora tem a sua postura ética colocada em xeque-mate por conta das acusações de lobby pelo mundo. O caso indica a busca de um ‘monopólio’ em detrimento de um ecossistema de táxis que já existia, uma guerra ‘injusta’ e que fere as leis do livre mercado e da livre concorrência. A história mostra que os EUA não costuma ser muito amigável nesse tipo de caso”, destaca Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos.
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Rafael Nobre, analista internacional da XP, explica que as acusações de lobby podem afetar a credibilidade da gestão da Uber, reduzindo a confiança dos investidores em termos de governança corporativa. Mas ressalta que esse não é o único problema da empresa: com os custos de combustíveis elevados, a Uber sofre com as margens em um cenário macroeconômico conturbado para o repasse de preços.
“A Uber já possuía um modelo de negócios pouco rentável e estes fatores macro vão dificultar mais ainda suas atividades. Tendo em vista todos estes fatores, é preciso cautela quanto ao investimento nesta ação no momento atual”, diz Nobre.
As ações da Uber fecharam a quarta-feira (13) cotadas a US$ 21,50, acumulando 3,76% de queda na semana. O BDR da companhia, U1BE34, é cotado a R$ 28,93, uma queda de 1,16% na semana.
Polêmicas à parte, vale comprar TWTR34 e U1BE34?
A forma mais fácil para que um investidor brasileiro tenha acesso a ações negociadas em bolsas no exterior são os Brazilian Depositary Receipts (BDRs), certificados de ações emitidos por empresas em outros países, mas negociados no pregão da B3. É um investimento bastante utilizado para acessar grandes empresas estrangeiras e proteger a carteira dos riscos do mercado interno, por exemplo.
Entre as centenas de opções disponíveis para negociação na bolsa brasileira, estão o TWTR34, do Twitter, e o U1BE34, da Uber.
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Mas, diante de todas as questões recentes envolvendo as empresas, esses BDRs são boas opções de investimento? A resposta dos analistas é negativa.
Por conta da alta de juros, as duas empresas tendem a se saírem pior por terem níveis altos de alavancagem. Por isso, Jansen Costa, sócio-fundador da Fatorial Investimentos, acredita que o investidor brasileiro interessado em ativos estrangeiros de tecnologia deve olhar para outros papéis. “Quem quiser fazer compra de ações de tecnologia tem que buscar as campeãs em geração de caixa, como Microsoft, Google e Amazon. Empresas que não vão ficar pelo caminho mesmo se os juros subirem”, afirma.
A busca por empresas de valor também é a decisão mais acertada na visão de Idean Alves, da Ação Brasil Investimentos. “O momento de mercado não é favorável para o setor tecnologia com a alta de juros, recessão e muitas incertezas no radar. É o famoso pagar para ver, mas hoje a assimetria de risco é negativa em um mercado que está cada vez menos aceitando desaforo”, destaca.
Para além do cenário macroeconômico incerto, o caso do lobby do Uber deve seguir gerando desconfiança no mercado para com a empresa, enquanto a briga judicial com Musk também afasta investidores do Twitter. Na dúvida, é melhor ficar de fora dos dois ativos.
No caso da rede social, muita gente montou posições em abril de olho nos US$ 54,20 que o bilionário pagaria por ação caso a compra da rede social fosse concretizada. Agora que o acordo desandou, as ações caíram para um patamar de preço menor do que aquele em que negociavam antes de Musk entrar na história – e pode ser a hora de saída daqueles investidores que entraram no papel apenas pela especulação. “Quem comprou por esse motivo, viu o acordo ir pelo ralo e não faz mais sentido estar no papel. Vai acabar realizando um prejuízo”, diz Gustavo Pazos, da Warren.