Em junho, João Pedro havia votado para condenar o CEO da Ambipar a realizar uma oferta pública (OPA). Segundo a área técnica da CVM, Tercio Borlenghi Junior fez compras coordenadas de ações junto a fundos do Banco Master e do empresário Nelson Tanure. Os papéis da empresa acabaram inflados em 863% e o controlador chegou a deter mais de 73% da empresa. Procurados, Tanure, Master, Vorcaro, Borlenghi, Ambipar e JP não comentaram.
Na época, o voto de Nascimento foi acompanhado pela diretora Marina Copola, formando maioria para a condenação. Isso só não aconteceu porque Lobo, o último diretor a votar, pediu vistas – ou seja, paralisou o processo para rever as informações. Agora, na posição de interino, ele retomou o julgamento e não só votou para absolver Tercio Junior, como sustentou que seu voto deveria ter dupla contagem, como diretor e presidente interino. Procurado, Lobo defendeu que seu voto tem embasamento jurídico.
“De acordo com a jurisprudência dominante, o voto de qualidade é um segundo voto que cabe ao presidente de um órgão julgador colegiado quando, ao final de um julgamento, se verifica o empate. O voto do presidente não vale mais que os dos demais membros do Colegiado, ao Presidente é conferido o direito de exercer um novo voto para que ocorra o desempate”, disse ao E-Investidor, por meio da assessoria de imprensa da CVM.
A procuradoria da CVM chegou a argumentar que Nascimento, como ex-presidente, já havia se manifestado sobre o caso, o que impediria a dupla contagem a favor de Lobo, mas ele insistiu na validade do seu entendimento. O placar final acabou com três votos favoráveis aos donos da Ambipar: dois de Lobo e um de João Accioly, diretor da CVM que no primeiro pleito sobre o assunto estava afastado da autarquia.
Ainda assim, o episódio alimenta rumores de que a saída de “JP”, como João Pedro é conhecido, na verdade tenha ocorrido por um desgaste envolvendo os interesses do dono do Master.
Advogados que acompanham os processos de Vorcaro e de empresários próximos na CVM temem que o desfecho sobre a OPA na Ambipar seja um indicativo de como serão futuras decisões de Lobo envolvendo o Master ou executivos correlacionados.
Há, por exemplo, uma segunda investigação sobre o caso da Ambipar, mas com o foco em apurar possível manipulação de ações pelo CEO da empresa junto a fundos do Master e de Tanure. Também corre a análise de um termo de compromisso enviado por Vorcaro e Antonio Freixo, da Entre Investimentos, em uma investigação sobre fraude em um fundo imobiliário chamado Brazil Realty.
Desde 2020, a CVM investiga supostas operações fraudulentas feitas com cotas do FII, que tinha o Banco Máxima (atual Master) entre os cotistas e a Entre como contraparte das negociações irregulares, segundo a área técnica.
O fundo investia em ações de empresas ligadas a Vorcaro e familiares dele e até chegou a receber aportes da Gafisa (leia mais nesta reportagem), controlada por Tanure. O caso parou na CVM e, em agosto de 2024, os acusados propuseram um acordo por meio de um “termo de compromisso”, oferecendo o pagamento de uma multa em troca do encerramento das investigações. Isto porque Vorcaro espera por uma solução deste caso como forma de limpar o currículo e facilitar a compra do Master pelo BRB.
Na época, Otto Lobo, relator do processo, paralisou as deliberações para que fossem analisados os valores a serem pagos pelos investigados. A análise foi retomada em maio deste ano e o então presidente João Pedro e Marina Copola rejeitaram antecipadamente o acordo, que previa o desembolso de R$ 21,2 milhões pelos compromitentes. Lobo, o relator, não manifestou voto. Accioly, por sua vez, pediu vistas do processo, que segue parado.
“O caso Brazil Realty ainda não teve o seu julgamento concluído pelo Colegiado da CVM, em razão de um pedido de vista. Desta forma, quando da retomada do julgamento, apresentarei o meu entendimento a respeito do caso”, disse Lobo, em nota. “Irei me manifestar nos autos tão logo tenha formado meu entendimento”, ressaltou Accioly.
Procurados, Antonio Freixo e Entre informaram que, embora nenhuma responsabilidade tenha sido atribuída a eles no processo em questão, decidiram apresentar propostas de acordo para encerrar o caso de forma definitiva. “As propostas foram consideradas adequadas pelo Comitê de Termo de Compromisso (CTC) da CVM”, disseram, em nota.
Filho de desembargadora, próximo ao centrão
Políticos próximos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva não acreditam que Otto seja trocado rapidamente do cargo. Ele é conhecido por nutrir bons laços na política e no judiciário, que favorecem a permanência dele na posição até o fim do mandato como diretor, em dezembro deste ano.
Filho da desembargadora Henrique Lobo, do Tribunal de Justiça do Rio, Otto é um advogado com trânsito na classe política carioca e próximo do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal. Ele chegou à CVM em 2021, por meio de uma indicação atribuída ao senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, o partido que lidera o centrão. O político é também um amigo próximo de Vorcaro.
Nogueira foi o relator da indicação de Lobo no Congresso e, durante a sua sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, disse que o advogado tinha “excelentíssimo currículo” e “excepcionais credenciais profissionais” para o cargo.
A indicação, porém, levou seis meses para ser levada à votação no plenário do Senado e ocorreu quando Nogueira já tinha passado ao comando da Casa Civil do governo Jair Bolsonaro.
A indicação do novo presidente efetivo da CVM cabe formalmente ao Ministério da Fazenda. Mas o governo Lula está em queda de braço há meses com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), quanto ao controle de agências e autarquias, e se espera que a cúpula do Senado, da qual Nogueira faz parte, influencie na sucessão.
Ao E-Investidor, Lobo refuta qualquer questionamento sobre suas condutas. “Minha atuação sempre foi pautada por critérios técnicos, buscando coerência jurídica e proporcionalidade e respeitando o devido processo legal. Assim, entendo que a sanção não pode ser tratada como fim em si mesmo, e, sim, como instrumento para garantir a ordem no ambiente do mercado de capitais, educar agentes e proteger investidores”, disse.