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Desta vez, o Walmart não vai se deixar intimidar por Wall Street

Gigante do varejo volta à carga com projeto de entrar no setor de serviços financeiros

Desta vez, o Walmart não vai se deixar intimidar por Wall Street
Loja do Walmart em Chicago: enquanto negócio físico da rede varejista encolhe, operação digital cresce e rivaliza com a Amazon durante a pandemia. (Kamil Krzaczynski/ Reuters)
  • Durante dois anos, antes da crise financeira de 2008, o Walmart se viu metido numa polêmcia relacionada ao plano de abrir um banco próprio – plano esse que acabou arquivado diante da pressão das autoridades reguladoras e do lobby de Wall Street
  • Em janeiro deste ano, o Walmart anunciou uma parceria com a Ribbit Capital para criar uma startup de tecnologia financeira
  • Enquanto isso, o cenário do varejo evolui para um caminho capaz de empurrar o Walmart a correr atrás de novas fontes de receita

(Brian Chappatta e Sarah Halzack/Bloomberg) – Durante dois anos, antes da crise financeira de 2008, o Walmart se viu metido numa polêmcia relacionada ao plano de abrir um banco próprio – plano esse que acabou arquivado diante da pressão das autoridades reguladoras e do lobby de Wall Street. Passados 14 anos, o gigante varejista arregaça as mangas para encarar uma nova batalha, ainda mais ferrenha.

Em janeiro deste ano, o Walmart anunciou uma parceria com a Ribbit Capital para criar uma startup de tecnologia financeira. Naquele momento, a maioria dos observadores não tinha muita ideia do tipo de produto que a nova empresa pretendia oferecer. O objetivo anunciado da iniciativa é “trazer especialistas independentes do setor para o conselho e criar uma equipe de gestores formada por líderes experientes de fintechs. A previsão é que o crescimento venha de parcerias e aquisições de outras fintechs com destaque na indústria”, de acordo com o release divulgado para a imprensa.

Agora, graças a um furo de reportagem do jornalista Sridhar Natarajan, da Bloomberg News, já se sabe quem são os tais líderes experientes: Omer Ismail, diretor do banco de varejo do grupo Goldman Sachs, e David Stark, um dos braços direitos de Ismail.

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É uma caça audaciosa a grandes nomes – e a movimentação para atrair pessoas de outras fintechs mostra que, desta vez, o varejista está determinado a apresentar algo que de fato se pareça com um “Banco Walmart”. Há alguns anos o Goldman Sachs vem priorizando o crescimento do seu banco de varejo, o Marcus, como forma de se voltar para áreas que gerem tarifas mais consistentes (e de se afastar da volatilidade das negociações em Wall Street e da receita do banco de investimento).

Há apenas duas semanas, o Goldman anunciou a plataforma Marcus Invest, na qual pessoas físicas com no mínimo mil dólares podem acessar um robô de consultoria de investimentos. O Marcus já é bem-sucedido na área de contas-poupança, e está a caminho de oferecer também contas-corrente. O Goldman Sachs pretende atrair mais de US$ 100 milhões em depósitos de clientes individuais.

Fica evidente, portanto, que Ismail e Stark estão assumindo as rédeas de um projeto fundamental para o Walmart e seu CEO Doug McMillon. Afinal de contas, o varejista não teria colocado no conselho figuras como John Furner (CEO da empresa nos Estados Unidos) e Brett Biggs (CFO do Walmart) se não acreditasse que o projeto será grande.

Enquanto isso, o cenário do varejo evolui para um caminho capaz de empurrar o Walmart a correr atrás de novas fontes de receita. Os Estados Unidos já estão praticamente saturados de lojas físicas da rede, e o e-commerce da marca ainda não dá lucro. Para contornar a situação, a empresa pode tomar medidas em suas áreas mais essenciais – entre elas, vender pela internet mais produtos que tragam uma margem maior. Mas a outra possibilidade é dar a si mesma um colchão de lucratividade olhando para fora dos muros do varejo, como fez a Amazon ao montar divisões de publicidade e computação em nuvem. O Walmart deu um passo nessa direção com a criação do Walmart Connect, recém-criado braço de publicidade da companhia.

Além disso, a empresa já atende muitos consumidores desbancarizados (ou sub-bancarizados) com serviços como descontar cheques e fazer transferências bancárias. Agora, a startup de tecnologia financeira tem a possibilidade de desenvolver produtos atraentes para consumidores que já confiam no Walmart para esse tipo de transação. Ou, quem sabe, ir além – com produtos criados para os 2,2 milhões de funcionários da organização, ou para uma base ainda maior de consumidores de classe média. A turma que desconfia do Walmart duvida que a empreitada consiga oferecer grande coisa à base existente de clientes. Em janeiro, John Zolidis, fundador e CEO da Quo Vadis Capital, escreveu: “os mesmos motivos que levam esses consumidores a não ter contas ou crédito bancário provavelmente indicam que eles também não estariam interessados em ‘produtos financeiros da nova geração’”.

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Ainda que isso seja verdade, os grandes bancos americanos provavelmente não ficarão parados. É evidente que essas instituições se decepcionaram com uma regra da agência Federal Deposit Insurance Corp. facilitando a obtenção de licenças para operar como “industrial loan company”, ou ILC – autorização que permite a companhias de fora do setor financeiro fazer algumas operações bancárias sem estar sujeitas à rigorosa estrutura regulatória que se aplica a gigantes como JPMorgan Chase, Bank of America e Citigroup. No momento, o Walmart não planeja solicitar a classificação como ILC, de acordo com um assessor ouvido pela Bloomberg News.

“Esperamos uma concorrência agressiva nos próximos dez anos”, declarou em janeiro Jamie Dimon, CEO do JP Morgan, durante uma conferência de resultados, ao ser indagado sobre as fintechs. “E esperamos vencer, que Deus nos ajude”, completou. Nessa mesma conferência, o analista Mike Mayo do Wells Fargo perguntou como Dimon pretende sair vitorioso. O CEO respondeu: “não vou contar. Mas temos os recursos necessários e contamos com muitas pessoas inteligentes. Temos apenas de ser mais rápidos e melhores”.

Já o Goldman Sachs vai se recuperar da saída dos executivos – embora, também em janeiro, o CEO David Solomon tenha feito comentários desdenhosos sobre fintechs em sua apresentação na conferência de resultados. “Quando me pedem para comparar [o banco] com as fintechs, respondo apenas que o escopo delas é bem mais restrito, se considerarmos o que elas oferecem. As fintechs não têm as amplas capacidades que nós temos”.

Infelizmente para Dimon e Solomon, o Walmart tem tanto os recursos necessários quanto as amplas capacidades. Na década passada, os bancos argumentaram que permitir ao varejista abrir um banco significaria ver agências sendo abertas em todas as lojas da rede, e um domínio total do setor. É pouco provável que essa batalha esteja chegando ao fim, ainda mais em face dos grandes avanços tecnológicos na indústria financeira. É claro: se o JPMorgan quiser subir o tom, pode contra-atacar comprando a varejista Target – como sugeriu Richard Bove, do Odeon Capital Group, no início deste ano. Mas isso não deve acontecer.

Em 2007, quando o Walmart desistiu do projeto do banco, o presidente de serviços financeiros da empresa declarou: “esperamos que, com isso, a gente saia dos holofotes”. A contratação de Ismail e Stark sinaliza um movimento na direção oposta. É um tiro com o claro objetivo de dizer a Wall Street que o Walmart está pronto para mais um round – e disposto a aguentar a pressão.

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(Tradução: Beatriz Velloso)

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