- A real é a seguinte: a coisa está feia. Milhões de pessoas ficaram doentes em todo o mundo, centenas de milhares morreram e a economia entrou em queda livre
- Talvez você esteja se perguntando por que raios estou com medo de ações em alta durante um período tão ruim. Ora, porque isso não faz o menor sentido
John Schwartz (The New York Times) – Galera, a bolsa está em alta! Aê! Mas peraí: será que é mesmo hora de gritar “aê!”? Sei lá, difícil dizer.
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A real é a seguinte: a coisa está feia. Milhões de pessoas ficaram doentes em todo o mundo, centenas de milhares morreram e a economia entrou em queda livre.
Mesmo assim o mercado acionário… até que vai bem. O que também dá um certo medo. Já não basta usar uma máscara toda vez que passo perto de outro ser humano: agora me dá vontade de cobrir até os olhos quando vejo os números da bolsa. E de tampar os ouvidos para não escutar meu próprio grito de “aê!”.
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A situação atual me lembra de quando assisti dois homens derrubarem uma árvore. Um deles subiu no tronco sem nenhum equipamento de segurança (pelo menos não que eu pudesse ver), de motosserra na mão. O que ficou no chão viu a expressão de terror no meu rosto e disse: “tá com medo? Então não olha”.
Talvez você esteja se perguntando por que raios estou com medo de ações em alta durante um período tão ruim. Ora, porque isso não faz o menor sentido. Normalmente as notícias ruins empurram o preço das ações para baixo. Num passado remoto – pensando bem, foi em janeiro deste ano – as notícias eram péssimas: conflitos políticos domésticos, guerra comercial, tensão internacional e (é claro) mudanças climáticas. Mesmo assim, a bolsa subiu. Na época, lembro de ter pensado: será que os fundamentos do mercado mudaram e agora eles ficam felizes quando a coisa vai mal?
Mas como testar a teoria de que o mercado passou a gostar de notícias ruins – ou de que não dá a mínima para elas? Pensei numa solução simples: vamos ver o que acontece se as notícias ruins ficarem ainda piores.
Esquece, eu retiro o que disse! Porque as notícias ruins de janeiro se transformaram numa tarde deitado na rede com um drinque na mão quando comparadas ao que aconteceu de lá para cá.
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A realidade agora é uma pandemia que já matou mais de 500 mil pessoas. E a pior crise econômica desde a Grande Depressão. E gente que ainda insiste em dizer que não precisar usar máscara. E a morte de George Floyd nas mãos da polícia de Minneapolis, e a onda subsequente de raiva e tensão. É muita coisa de uma vez só.
Ah, eu já ia esquecendo: tem também as vespas assassinas. E a onda de calor na Sibéria. E ficar confinado em casa com as crianças em quarentena.
Gente, isso é um filme-catástrofe. E ainda por cima o roteiro é mal escrito!
No primeiro semestre do ano, o mercado reagiu como seria sensato esperar: ele despencou. Entre 19 de fevereiro e 23 de março, o índice S&P 500 caiu 34%. Tipo de coisa que faz a gente se borrar de medo.
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Mas mesmo com as ações cambaleando feito aquele bêbado na festa que insiste em dizer que sabe dançar a Macarena, o mercado acabou voltando para bem perto de onde estava antes do surto de covid-19. A despeito das vespas assassinas.
Por que será que isso está acontecendo num momento em que a gente abre o jornal e fica com vontade de gritar como se estivesse num quadro do Edvard Munch? Algumas pessoas muito inteligentes dizem que isso tem a ver com o dinheirão que o Federal Reserve está injetando na economia. E pode até ser verdade.
Segundo declarações públicas do pessoal que ocupa a Casa Branca, não tem nada estranho acontecendo no mundo. Em junho, Larry Kudlow, diretor do Conselho Econômico Nacional dos Estados Unidos, disse que em breve o país veria uma “recuperação em forma de V” – ou seja, se ergueria rapidinho depois de desabar. Já Kevin Hassett, assessor econômico da Casa Branca, declarou à apresentadora Maria Bartiromo da Fox Business que “a recuperação já está em curso”.
Hassett é famoso por suas previsões: ele foi um dos autores de um livro segundo o qual o índice Dow Jones Industrial Average iria disparar 36.000 pontos. O problema é que o livro saiu em 1999, bem na época em que a bolha das empresas ponto com estourou. E até hoje os tais 36.000 pontos não aconteceram. Mas vai saber?! Essa é a vantagem de ser um especialista no assunto!
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Tentei entrevistar Hassett sobre o livro, mas poucos dias depois de procurá-lo fiquei sabendo que ele estava saindo da Casa Branca – e uma assessora de imprensa me informou que ele não falaria comigo.
Tudo bem, não tem problema. Muita gente nessa vida já não quis falar comigo. (Meus tempos de escola não foram fáceis.) Mas confesso que me senti meio abandonado. Agora tenho de entender o mundo por conta própria, e me pergunto: quando é que os investidores vão acordar? Quando aparecer o Godzilla? Quando a Terra for atingida por um asteroide? Por um asteroide feito de vespas assassinas?
Não, peraí! Eu falei sem pensar! Destino, se você estiver me ouvindo: ESQUECE A
HISTÓRIA DO ASTEROIDE, OK?
A essa altura já está todo mundo precisando de uma folga. Por favor.
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Mas é bom lembrar do que diz aquele amigo pessimista: sempre dá para piorar. Eu não queria tocar no assunto, mas tem uma eleição vindo por aí.
Diante disso, vale lembrar a regra de investimento que aprendi com o gigante das finanças John Bogle – o cara que tornou os fundos indexados acessíveis para pessoas como nós. Um dia eu contei para ele que eu e minha esposa quase nunca olhamos o desempenho dos nossos fundos, porque temos medo.
E ele aprovou. “Não olhe! É uma das minhas regras de ouro”. As ações valorizam a longo prazo, e não adianta nada ficar acompanhando obsessivamente cada pico ou queda.
O nome disso é sabedoria. “Não olhe” deveria ser a frase do ano.
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Por isso, caso você tenha um fundo de previdência com participação do seu empregador ou uma previdência privada individual – e caso não tenha pulado fora do mercado acionário antes dessa loucura toda começar –, sua vida não vai melhorar se você vender ou mudar de rumo agora.
É melhor aguentar o tranco, pelo menos até a tempestade passar. Pratique o distanciamento social também com seu portfólio de investimentos.
Mas como? Bem, o primeiro passo é providenciar aquela outra máscara para cobrir os olhos. Em vez de rasgar o relatório trimestral do seu fundo mútuo depois de ler, rasgue antes de ler e mude de assunto. Se tudo mais falhar, reze e tenha fé.
Enquanto as coisas não melhoram – sabe lá quando e como isso vai acontecer – vou sentar em cima da minha previdência e não vou olhar. Só se for para o céu.
Para ter certeza de que o asteroide não vem mesmo.
(Tradução: Beatriz Velloso)
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