- Venda em bloco é tornada pública com antecedência, ajudando o mercado a precificá-la sem sustos. Isso evita oscilações bruscas no preço dos papéis
- BNDES não está se desfazendo das ações porque não confia mais na Petrobras, e sim para gerar caixa e se concentrar em projetos de fomento e cunho social, que são a razão de existir da autarquia
- Para o investidor comum, nada muda, pois os fundamentos da Petrobras não se deterioraram. Já para quem segue o mercado de perto, pode ser interessante saber quem foram os adquirentes das ações
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está levando a cabo a ideia de se desfazer de parte de sua vultosa carteira de ações, que passa de R$ 61 bilhões. Na última terça-feira (4), o banco fez um block trade de R$ 8,1 bilhões em ações da Vale, o equivalente a 2,5% do capital da mineradora (a autarquia possui participação de 6,1%).
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A próxima venda deve envolver papéis da gigante do petróleo Petrobras, da qual o banco detém participação de 8%. Suzano e Klabin também serão alvo de futuras transações.
Esses movimentos não causam surpresa. Reduzir o portfólio de ações era uma das metas do presidente do banco, Gustavo Montezano, desde o início de seu mandato, em julho do ano passado. Mas os planos foram retardados pela pandemia de covid-19, que provocou uma derrubada nas cotações dos papéis, que só agora estão se recuperando.
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Entenda a seguir como essa venda será feita e quais serão seus impactos na vida do investidor.
Negociação em bloco tende a reduzir volatilidade
Caso simplesmente despejasse uma enorme quantidade de ações diretamente no mercado, o BNDES provocaria um impacto enorme nos preços, que poderiam desabar pelo excesso de oferta. Para que isso não aconteça, a transação será feita por meio de block trade, ou seja, negociação em bloco.
Isso é comunicado de forma antecipada ao mercado, com um outro banco coordenando a venda dos papéis. Com o conhecimento prévio da oferta, o mercado consegue precificar as ações sem grandes sustos e vários investidores abocanham partes desse bloco. Tudo para evitar uma grande volatilidade nos preços, para cima ou para baixo.
“É tudo muito bem regulado, dentro da quantidade de ações especificada. O melhor é que o preço não seja tão diferente do preço de fechamento”, afirma Lucas Carvalho, analista de renda variável da Toro Investimentos. “Sem essa coordenação, o banco acabaria jogando os preços lá para baixo, impactando todo o sentimento do mercado. Todo mundo jogaria suas ordens de venda também para baixo para conseguir vender, provocando um grande desvio no preço da ação.”
Marcio Loréga, analista de renda variável da Ativa Investimentos, explica que o propósito do BNDES é gerar caixa e usar o dinheiro para outras finalidades, mas sem derreter o valor das ações. Ele acredita, porém, que a autarquia não deve se desfazer de um grande volume de ações da petrolífera de uma só vez.
“As ações Petro ainda estão devendo bastante. Mesmo com altas recentes, o recuo ainda é de 23% no ano, ou seja, há espaço para recuperação. E o momento é favorável a isso, com cotações do petróleo também se recuperando, hoje tanto o óleo WTI como o Brent estão subindo entre 3% a 4%. Há uma margem positiva, então as vendas dos papéis devem ser paulatinas, buscando aproveitar essa valorização”, diz.
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Para Carolina Ujikawa, head de equity research da Mauá Capital, a calibragem no preço das ações se dará com base na relação entre oferta e demanda, mas é difícil antecipar o resultado. “Nas últimas ofertas do tipo, pensavam que a Via Varejo estaria descontada, mas o preço dela subiu. Ontem (terça-feira, dia 4), a Vale veio sem grande desconto. Se a demanda for maior que a oferta, os preços não irão ceder”, afirma.
Saída do BNDES não deve ser interpretada como falta de confiança
O desembarque maciço do BNDES de posições da Petrobras poderia acender uma luz de alerta ao investidor. Será que o banco perdeu a confiança na empresa? A resposta é não.
O que a autarquia está fazendo é um resgate de sua função social. “O papel do BNDES não é investir em empresas já consolidadas, mas sim ser um banco de desenvolvimento, de fomento”, frisa Carolina.
Carvalho observa que esse movimento de saída não comporta nenhum tipo de juízo de valor sobre a Petrobras ou as outras empresas cujas ações deverão ser vendidas.
“Montezano já havia anunciado em 2019 que o intuito do BNDES era gerar caixa para tocar projetos que agregassem valor para a sociedade, com impacto social. E manter investimentos em bolsa não gera tanto esse valor: tem um viés muito mais especulativo, de ganho financeiro”, sustenta.
Para o BNDES, faz sentido aproveitar o momento de recuperação da renda variável, encerrar essas participações e incentivar outros setores que inspiram cuidado e necessitam de maior fomento.
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E, para o mercado, também há vantagens. Quanto mais os papéis estiverem nas mãos da iniciativa privada, melhor, porque isso afasta o risco de eventual ingerência política do BNDES nas empresas de que é acionista.
Além disso, quanto maior o free float, com ações pulverizadas nas mãos de vários portadores, menor será o potencial de manipulação de preços por parte de poucos investidores.
Para o investidor comum, pouca coisa muda
Para o investidor comum que tem papéis da Petrobras, o recado de Marcio Loréga é um só: “Segue o baile”. O movimento do BNDES não provocará nenhum tipo de influência, seja ela positiva ou negativa, nas carteiras.
“Mas os investidores mais ávidos por informações poderão querer saber quem abocanhou as maiores parcelas dessas ações. Terá sido algum fundo relevante, ou algum investidor de peso que acredite na empresa e queira exercer participação mais ativa nela, buscando uma cadeira no conselho?”, acrescenta o analista da Ativa.
Carvalho ressalta que o desembarque do BNDES da Petrobras e de outras empresas de que é acionista não altera em nada a visão que a corretora possui delas e de seus fundamentos.
“Não vou deixar de acreditar que minha tese para a Petrobras é construtiva no longo prazo só porque o banco está encerrando sua participação lá. Isso não é um fator preponderante. Essas são excelentes empresas e somente mudanças operacionais grandes poderiam alterar a tese de longo prazo delas”, afirma.
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Carolina, da Mauá, vai no mesmo sentido, mas ressalta que o investidor desses papéis deve pensar em médio e longo prazo, um horizonte de 12 a 24 meses.
“Quem está se retirando não é o fundador da empresa, mas um banco que investiu nela lá atrás, já cumpriu seu papel ali e hoje não tem absolutamente nenhuma ingerência na Petrobras. Pode haver alguma pressão vendedora em determinado momento, mas os fundamentos não vão mudar simplesmente porque o BNDES está saindo de cena”, conclui.
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