- Segundo o diretor, o FGC encerrou 2022 com um patrimônio de R$ 107,9 bilhões, o que representou um aumento de 15,65% em comparação com o ano anterior
- "O Fundo está muito bem capitalizado para responder, inclusive, a cenários severos de crise sistêmica do setor bancário", declarou o executivo
O Fundo Garantidor de Crédito, hoje, sem dúvida é o que traz mais tranquilidade para o investidor na hora de aplicar em alguns títulos de renda fixa. Porém, muita gente ainda não sabe exatamente como funciona o FGC, qual o montante de dinheiro está em caixa para eventuais quebras de instituições financeiras e muito menos o que aconteceria se um grande banco quebrasse. Será que o FGC teria condições de ressarcir os investidores?
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Por isso, bati com papo com o Daniel Lima, Diretor-Executivo do FGC, para saber exatamente como está a solidez do fundo e se existe a possibilidade do FGC aumentar a garantia de R$ 250 mil por CPF e por instituição financeira. Confira, abaixo, a entrevista completa:
1. Hoje, qual o montante que o FGC tem em caixa para eventuais problemas com instituições financeiras e qual a expectativa para os próximos anos?
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O FGC encerrou 2022 com um patrimônio de R$ 107,9 bilhões, o que representou um aumento de 15,65% em comparação com o ano anterior. Já a liquidez do Fundo passou de R$ 71,5 bilhões para R$ 86,9 bilhões. Já em 2023 tivemos a liquidação de duas financeiras, o que nos levará a desembolsar cerca de R$2,2 bilhões em garantias para cerca de 55 mil beneficiários.
A despeito dessas despesas, o patrimônio e a liquidez do FGC continuam a crescer em 2023, tendo atingido respectivamente as cifras de 112 bilhões e R$ 91,5 bilhões no fechamento de maio. Isso quer dizer que o Fundo está muito bem capitalizado para responder inclusive a cenários severos de crise sistêmica do setor bancário. A expectativa é manter a trajetória de recomposição do índice de liquidez do FGC.
A resolução CMN 4222 determina que esse índice fique entre 2,3% e 2,7% do saldo de depósitos elegíveis à cobertura pelo FGC. Com o forte aumento das emissões bancárias durante a pandemia esse índice caiu para 1,95% em dezembro de 2020, mas já está em 2,28% em abril de 2023. Nossa projeção é que voltemos a superar o nível de 2,3% nos próximos 12 meses.
2. Como é rentabilizado o dinheiro que o FGC tem em caixa? Teve alguma mudança nos últimos anos?
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Historicamente as disponibilidades do FGC são majoritariamente aplicadas em operações compromissadas lastreadas em títulos públicos. Os critérios mais importantes da nossa política de investimentos são preservação de capital e alta liquidez, uma vez que o FGC é chamado a atuar em momentos mais conturbados do mercado.
Tendo isso em mente, em 2022, para além das operações compromissadas, aumentamos o percentual das disponibilidades aplicadas em títulos públicos, mais especificamente LFTs (que são títulos pós fixados corrigidos pela taxa Selic) e NTN-B (que são títulos que remuneram juros mais inflação, medida pelo IPCA). Com isso aumentamos um pouco o retorno esperado dos investimentos e nos protegemos mais de cenários em que a inflação possa superar a taxa básica de juros da economia, como ocorreu em 2020.
Também em 2022, conseguimos a aprovação do Banco Central para mantermos uma conta no Sistema de Transferências de Reservas (STR), o que possibilitará que nossas operações com compromissadas sejam realizadas diretamente com o Banco Central, ação que é importante para o aumento da robustez da rede de segurança do sistema financeiro nacional.
3. O FGC pretende subir o limite de R$ 250 mil por CPF?
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Não vejo necessidade, pois o limite de cobertura é adequado para o contexto da economia brasileira. Em 2013 ele teve uma grande correção, sendo elevado de R$ 70 mil para R$ 250 mil.
De lá para cá o valor vem se acomodando para patamares similares ao que vemos em outros países, seja como um múltiplo do PIB per capita de cada país, seja como percentual de saldos cobertos, que é de 99,7% do total de 502 milhões de contas existentes (ou seja, 500,3 milhões de contas estão 100% cobertas pelo atual valor da garantia ordinária), e principalmente porque, em termos financeiros, cerca de 50% do saldo total de depósitos elegíveis está coberto pelo limite atual.
É muito importante que uma fração relevante dos saldos não estejam cobertos, para que o risco moral decorrente da existência da cobertura seja controlado. Esse risco moral surge porque os agentes podem deixar de arcar com os custos de suas decisões. Imagine que você comprou um seguro para o seu carro. Se você não tiver seguro, provavelmente não vai estacioná-lo em qualquer rua. Mas depois que você comprou o seguro, talvez seu comportamento mude e você inclusive deixe a janela do carro aberta. Está aí o risco moral.
Mas voltando para o caso do FGC, se uma parcela relevante dos depósitos não está coberta, esses agentes têm incentivos para “vigiar” mais de perto a atuação dos bancos. Isso traz disciplina para o mercado e todos se beneficiam dessa “supervisão de mercado”.
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Por tudo isso, acho que o limite atual da cobertura do FGC está bem calibrado para a nossa realidade. Sem contar que, sempre que aumentamos o limite de cobertura, toda a sociedade precisa contribuir mais para o FGC, pois quanto maior a cobertura, maior o tamanho do fundo, porém somente a parcela mais rica da população vai se beneficiar desse aumento de cobertura, pois são os investidores com os maiores valores aplicados nos produtos cobertos pelo FGC.
Assim, o aumento da contribuição acima dos patamares condizentes com a realidade do país só se justifica na possibilidade de um evento de proporções sistêmicas cujo custo para a sociedade supere o custo do aumento da cobertura.
4. Hoje, se um dos 4 grandes bancos quebrasse, o FGC teria dinheiro para ressarcir os clientes?
A crise bancária internacional de 2008 nos mostrou que não podemos deixar bancos que exercem funções críticas na economia quebrarem, isso porque sai mais caro para a sociedade essa quebra do que salvar o banco, e que devemos punir exemplarmente quem deu causa ao problema da instituição. Tivemos no primeiro semestre de 2023 exemplos nos EUA de que determinados bancos médios também devem passar por alguma solução de continuidade, pois a sua quebra também poderia desarticular determinados setores da economia.
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Ou seja, toda a experiencia acumulada nos mostra que a pergunta não deve ser se o FGC arcaria com a quebra de um banco sistêmico, mas se o FGC e os demais agentes da rede de proteção estão preparados para implementar uma solução de continuidade. A resposta é que estamos no meio do caminho.
Em dezembro de 2019 chegou no congresso um projeto de lei que visa atualizar o arcabouço brasileiro para lidar com problemas com bancos sistêmicos. Trata-se do Projeto de Lei 281/2019. Esse PL incorporar ferramentas que foram desenvolvidas e testadas em diversas jurisdições desde a crise financeira global de 2008. O PL propõe novos poderes e reduz a insegurança jurídica enfrentada pelos agentes que atuam na rede de proteção do sistema financeiro. As notícias recentes indicam que o PL deve tramitar em breve no Congresso.
O debate durante a tramitação desse Projeto de Lei também será muito útil para aumentar o grau de conhecimento da sociedade sobre como funciona e quais são os objetivos dos processos de resolução bancária, cuja ideia básica é promover a estabilidade do sistema, e não salvar controladores dos bancos frágeis das consequências de uma má gestão. Estes devem sempre ser responsabilizados pelos prejuízos causados, até mesmo para que o risco moral não passe a ditar a tônica da atuação dos demais agentes de mercado.
5. No começo do ano, 2 instituições financeiras tiveram problemas. Como foi o processo de ressarcimento dos clientes?
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Até esta quarta-feira (14/6), o FGC já pagou R$ 2,04 bilhões a mais de 46,8 mil credores da BRK Financeira e da Portocred com depósitos elegíveis à garantia. O processo compreendeu a identificação dos credores, com o envio via aplicativo de uma cópia do RG ou CNH e informação dos dados bancários, para preparação do documento a ser assinado.
O pagamento das garantias está sendo realizado eletronicamente na conta indicada pelo beneficiário da garantia, tudo via o app do FGC. Cerca de 17,3% dos depositantes e investidores com depósitos elegíveis ainda não iniciaram o processo de solicitação do pagamento pelo aplicativo do FGC, o que representa 7,1% dos valores financeiros a serem pagos.
6. É possível reduzir ainda mais o prazo para o investidor receber o dinheiro do FGC caso ocorra um problema com uma instituição financeira?
Esse é o objetivo. O processo de pagamento de Portocred começou 27 dias após a sua liquidação pelo BCB. Já BRK tomou 33 dias. No passado tivemos casos que tomaram alguns meses. Em resumo, o filme é bom. Em média os processos recentes tomaram cerca de um mês para início do pagamento. Mas o nosso objetivo é mais ambicioso.
Como aprimoramento na regulamentação e muita tecnológica acreditamos que esse prazo possa cair a metade. Estamos trabalhando para isso. Na frente de tecnologia, um primeiro passou foi desenvolver um sistema que apoia o liquidante no trabalho de preparação da lista de credores. Esse sistema é chamado de Visão Consolidada por Cliente e foi usado em produção pela primeira vez em 2023.
Uma série de aprimoramentos foram mapeados com essas experiencias. Não há dúvidas que o processo mais trabalhoso e que mais toma tempo é desempenhado pelo liquidante. O FGC é capaz de iniciar os pagamentos em 2 dias úteis após receber a lista de credores, mas o liquidante enfrenta os maiores desafios de conciliação de informações para preparação dessa lista. Nossa estratégia é desenvolver mais ferramentas que ajudem o liquidante. E assim, juntos, reduziremos o tempo total para o início do pagamento das garantias.
7. No futuro, o FGC pode aumentar os títulos cobertos por sua garantia?
Nossas associadas são os bancos e as financeiras, que contam com uma gama variada de produtos elegíeis à cobertura, como depósitos a vista, poupança, LCI, LCA, CDB e RDB. Acho que não lhes falta produtos para trabalhar. Agora, se a pergunta foi relacionada ao oferecimento de cobertura para produtos que não são emitidos por nossas associadas, daí a resposta é um “não” categórico (risos).