Se você é um investidor que “casa” com as suas ações, ou seja, não tem pretensão de vendê-las no curto prazo e pretende carregar os papéis por um longo período ou até a aposentadoria, existe uma forma de gerar renda extra com elas, além dos dividendos. Se trata da custódia remunerada, que nada mais é um valor recebido por disponibilizar suas ações para aluguel.
Leia também
Amanda Cordeiro, analista e integrante da mesa de aluguel de ações da Ágora, destaca que o processo é semelhante ao aluguel de um apartamento, só que com ações. Se o investidor tem hoje uma ação na carteira que não pretende movimentar e nem vender, essa ação pode ser ’emprestada’ para um outro investidor.
Quem coloca o papel para alugar é o doador e quem aluga a ação é o tomador. O investidor que pegou a ação emprestada vai poder utilizar ela de diversas formas, mas a estratégia mais comum segundo a analista é a venda descoberta, ou seja, apostar que o preço da ação vai cair.
Publicidade
“Imagine que o tomador faz a venda dessa ação a R$ 20 e espera recomprar no futuro a R$ 10, ele teria lucrado R$ 10. Geralmente, a estratégia do tomador é curto prazista”, exemplifica Cordeiro. Já o dono da ação (doador) recebe uma remuneração pelo aluguel do papel, que varia conforme a demanda pela empresa, reforça a analista.
Embora as operações de aluguel costumem ocorrer entre 30 e 40 dias, com algumas sendo prorrogadas, o retorno pago ao doador é medido por uma taxa anual. Se trata da taxa média de aluguel da CBLC (Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia) que determina o custo de aluguel das ações.
Esta taxa representa uma média ponderada dos valores oferecidos pelos doadores e aceitos pelos tomadores. Essa taxa pode variar conforme a demanda e a oferta de determinados ativos.
Segundo Cordeiro, ativos muito líquidos (com facilidade de negociação) e que tem muitos doadores de mercado, costumam ter uma taxa mais baixa, porque há oferta grande. Já ativos com menos doadores no mercado e muitos tomadores querendo pegar as ações emprestadas, normalmente possuem uma taxa mais alta.
Levantamento feito por Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta Consultoria, com ações conhecidas por pagar bons dividendos e outros papéis presentes no IDIV (Índice de Dividendos) e o Ibovespa, principal índice da B3, mostra que é possível encontrar empresas com taxas médias de aluguel de até 18,80% ao ano, como a Sanepar (SAPR4).
Há, contudo, retornos mais modestos como a Caixa Seguridade (CXSE3), com uma taxa média de 8,04%. E a transmissora Isa Cteep (TRPL4), que oferece uma taxa média de aluguel de 6,59% ao ano.
Publicidade
As menores taxas do grupo foram do Bradesco (BBDC4) e Cemig (CMIG4), com 0,02% para ambas, respectivamente. Veja abaixo:
Embora não se trate sempre de um investidor focado em dividendos, geralmente quem aluga as suas ações tem um perfil muito semelhante ao investidor que foca na renda passiva, explica Cordeiro. “É aquele investidor que não vai movimentar o ativo, fica comprado e quer receber uma remuneração adicional pelas ações por um tempo”, destaca a analista.
Segundo Cordeiro, quando ocorre o aluguel, as operações tendem a levar de 30 a 40 dias e sempre ao fim destas, o doador recebe a remuneração por ter emprestado o ativo. Desta forma, o aluguel também representaria um tipo de renda extra para o investidor, embora em menor proporção que os dividendos e juros sobre capital próprio (JCP).
O E-Investidor consultou analistas e especialistas e destaca a seguir as principais dúvidas para dar os primeiros passos no aluguel de ações.
Como colocar as ações para aluguel?
Bruno Oliveira, analista da plataforma AGF, destaca que a maneira mais simples e prática é perguntar para sua corretora se possui um serviço de custódia remunerada. Muitas delas possuem inclusive esta opção nos aplicativos.
Publicidade
Segundo Oliveira, a custódia remunerada é a automatização do processo de aluguel de ações do investidor sem as preocupações do contrato de locação, tais como taxas de aluguel, prazo e tipo de empréstimo a ser estabelecido. “É claro que haverá uma comissão cobrada pelas corretoras, mas a funcionalidade é interessante”, avalia Oliveira.
Há ainda a alternativa do investidor entrar em contato com a corretora ou seu assessor de investimentos para personalizar o aluguel dos papéis, destaca Cordeiro. A analista da Ágora cita que na custódia remunerada todas as ações da carteira são disponibilizadas automaticamente para aluguel. Caso o investidor queira disponibilizar apenas alguns ativos precisará entrar em contato com a corretora.
Investidor com ações alugadas segue recebendo dividendos?
O investidor que coloca suas ações para aluguel (doador) continuará recebendo os dividendos e juros sobre capital próprio (JCP) pagos pela empresa, mesmo quando o papel estiver alugado, afirma Tiago Reis, fundador da Suno Research.
O doador pode ainda participar de subscrição de ações, embora Cordeiro faça a ressalva de que os prazos costumam ser diferentes. “Normalmente para quem tem a posição alugada, o prazo de subscrição é anterior ao prazo comum”, destaca ela.
Segundo Reis, o único direito que o doador acaba perdendo é o político, ou seja, quem coloca as ações para alugar não pode eleger conselho da companhia e nem votar em assembleias. “Mas para a maior parte de investidores pessoa física isso é irrelevante e muitos não fazem questão de participar de assembleias”, observa Reis.
Pode continuar comprando e vendendo a mesma ação?
Reis explica que o investidor pode continuar comprando normalmente papéis da mesma empresa e também pode disponibilizá-los para aluguel. Já a venda dos papéis que se encontram alugados depende muito de cada corretora.
Em tese, o doador ficaria impedido de vender suas ações enquanto estão alugadas, mas corretoras como Ágora Investimentos, XP Investimentos, entre outras, desenvolveram mecanismos para que o doador possa vender suas ações mesmo durante o processo de aluguel.
Publicidade
Há, contudo, algumas peculiaridades. Amanda Cordeiro explica, por exemplo, que na Ágora leva três dias para ação retornar para a carteira do doador. Mas se este precisar do papel antes, ocorre uma espécie de empréstimo temporário, onde o doador também se torna tomador dos papéis.
“O investidor pode vender a posição alugada, lembrando que por um ou dois dias também precise ficar na outra ponta, como tomador”, aponta a analista.
Contudo, os especialistas fazem a ressalva que o ideal é consultar a sua corretora sobre o procedimento de venda e as condições.
Quando as taxas do aluguel das ações são pagas?
Segundo Reis, da Suno, a duração muda de contrato a contrato, contudo boa parte das operações ocorrem em 30 ou 40 dias, com as taxas proporcionais sendo pagas ao doador ao final do contrato. “Também existem contratos de 60, 90 dias”, acrescenta.
Cordeiro explica que os contratos também podem ser renovados no vencimento, no entanto, o prazo para doador receber é curto. “Dificilmente o investidor fica seis meses com a ação alugada e sem receber nada”, diz.
Quais ações têm boa procura para aluguel de ações?
Cordeiro destaca alguma ações que pagam bons dividendos e também oferecem taxas interessantes de aluguel: Isa Cteep (TRPL4), Caixa Seguridade (CXSE3) e CSN Mineração (CMIN3).
Já observando o retorno com aluguel em 2023, Cordeiro cita companhias como CCR (CCRO3), CSN Mineração (CMIN3), Vivo (VIVT3), Isa Cteep (TRPL4), Santander (SANB11) e Taesa (TAEE11). Estas companhias entregaram no ano passado uma boa taxa média de aluguel.
Publicidade
Entre as queridinhas dos investidores de dividendos, Oliveira, da AGF, destaca os papéis da Taesa (TAEE11) e Isa Cteep (TRPL4). “Recentemente as ações da Isa Cteep estavam sendo alugadas por valores bem acima do normal, de 15% ao ano”, lembra.
Já companhias perenes como Banco do Brasil (BBAS3), não costumam oferecer uma boa taxa de aluguel, segundo Oliveira. Atualmente, a taxa para BBAS3 é de 0,19% ao ano. “O mercado é muito volátil e instável. O melhor que o investidor pode fazer é optar por alugar e aceitar o que vier. Se veio a mais ou veio a menos, o importante é que veio”, aconselha Oliveira.
Luiz Barsi Neto, economista e assessor no escritório MMBarsi Investimentos, recomenda o investidor a prestar atenção no noticiário corporativo, pois companhias sobre as quais há acontecimentos relevantes tendem a ser mais procuradas para aluguel.
Ele exemplifica com Isa Cteep (TRPL4), que estava sendo muito alugada diante de possível venda da participação acionária da Eletrobras. Ou AES Brasil (AESB3), na qual muito se fala de venda por parte do controlador. “Taurus também tem procura por estar em um momento crítico com o governo. Vale e Petrobras foram muito procuradas por interferência política”, cita.
Segundo Barsi, quando há problemas ou interferência, a volatilidade das companhias aumenta e as ações passam a ter boa procura para aluguel.
Reis cita que ações mais líquidas também acabam tendo muita demanda por aluguel, embora nem sempre as taxas sejam muito atrativas. É o caso de Petrobras (PETR3;PETR4), Vale (VALE3), Banco do Brasil (BBAS3), BB Seguridade (BBSE3) e B3 (B3SA3). “Quanto maior a liquidez, maior a demanda no mercado de aluguel. O investidor que possui estes papéis vai provavelmente conseguir ficar um bom tempo com as ações alugadas”, pontua o analista.
É melhor ter ON, PN ou Unit?
Para Reis, da Suno, a regra é optar sempre pelo papel mais líquido. Em empresas que têm ações Units, ordinárias (ON) e preferenciais (PN), geralmente as mais liquidas são as Units.
Publicidade
Já em companhias que tem apenas ações ON e PN, o papel preferencial costuma ser o mais líquido e procurado pelo mercado.
Existem riscos ao colocar ações para aluguel?
Cordeiro explica que na operação do aluguel de ações, o risco para o doador é praticamente zero, porque a B3 (Bolsa brasileira) garante que as ações serão devolvidas ao investidor inicial.
Segundo a analista da Ágora, a única dificuldade que o investidor pode enfrentar é o prazo de três dias úteis ou mais para receber de volta as ações. Atuando como contraparte, a Bolsa também garante que o doador será remunerado pelo empréstimo.
Então, um risco existente poderia ser o de oportunidade, dado que o doador levará mais um tempinho para fazer uma operação como, por exemplo, a venda de um papel da carteira dele. “Se ele não tivesse a ação alugada não precisaria esperar tempo nenhum”, destaca Cordeiro.
- Leia ainda: Dividendos rápidos: 8 ações para retornos de até 30% no curto prazo
Mas como nada é de graça no mercado, Marco Saravalle, analista CNPI-P e sócio-fundador da MSX Invest, destaca um risco indireto de o investidor deixar suas ações para aluguel. É o fato que o tomador provavelmente usará estes papéis para apostar contra a empresa, ou seja a queda da ação.
Segundo Saravalle, se o investidor está recebendo uma taxa muito alta pelo aluguel, algo entre 10% e 20%, isso significa que alguém está apostando que os papéis vão cair rapidamente. “É por isso que alguns investidores não disponibilizam suas ações para aluguel”, comenta.
Mas pode ser também um sinal de problemas na companhia. Saravalle cita que empresas com dificuldades financeiras, ou mais endividadas como Casas Bahia (BHIA3) também têm maior demanda por aluguel dos papéis. “Geralmente uma taxa de aluguel muito alta não é uma boa notícia”, destaca.