- Moeda americana caiu de R$ 5,70, cotação registrada na terça-feira (2), para R$ 5,56 ontem, até alcançar R$ 5,48 nesta quinta-feira (4)
- Falar o que pensa se tornou um grande problema para o presidente Lula nas últimas semanas, analisa economista
- Uma das vantagens mais imediatas da queda do dólar é a redução no custo das importações
A movimentação do governo para aliviar tensões políticas e econômicas no cenário doméstico e, consequentemente, ajudar a reduzir o valor do dólar no pregão, com estratégias definidas entre os ministros de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em reunião na quarta-feira (3), parece que já começou a surtir efeito: a moeda americana caiu de R$ 5,70, cotação registrada na terça-feira (2), para R$ 5,56 ontem, até alcançar R$ 5,48 nesta quinta-feira (4). O valor de hoje do dólar não era visto desde 26 de junho deste ano, quando o câmbio bateu R$ 5,4511.
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Desde abril, o dólar começou a dar sinais de alerta de uma alta escalada. Especialistas e analistas econômicos apontam uma razão central para essa tendência: a desconfiança do mercado quanto à viabilidade do arcabouço fiscal sem grandes cortes nas despesas primárias do governo. Para economistas, a suspeita de que as metas fiscais não iriam ser atingidas sem medidas de austeridade fiscal foi o principal motor por trás da valorização do dólar.
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Essa percepção, segundo o analista financeiro da Mais Crédito, Carlos Vieira, gerou preocupações quanto à capacidade do governo em controlar as finanças públicas e manter a estabilidade econômica. “Daí, a expectativa de ajustes no cenário fiscal levou investidores a buscar proteção, aumentando a demanda pela moeda norte-americana e pressionando sua cotação frente ao real. Esse cenário refletiu não apenas incertezas locais, mas também a sensibilidade do mercado financeiro às políticas econômicas e fiscais adotadas pelo governo”, diz.
Mas Vieira explica que o jogo mudou para o governo após o anúncio do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ontem, afirmando que o governo vai adotar medidas rigorosas para preservar o arcabouço fiscal e garantir a estabilidade econômica. A declaração foi feita em uma entrevista coletiva no Palácio do Planalto, após dias de turbulência nos mercados.
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“A primeira coisa que o presidente determinou é: cumpra-se o arcabouço fiscal. Não há discussão a esse respeito”, afirmou Haddad, destacando a prioridade do governo em respeitar as regras fiscais vigentes. Ele enfatizou que o compromisso do governo é preservar o arcabouço fiscal a todo custo, o que implica em medidas imediatas para segurar despesas já neste ano e garantir o cumprimento das metas fiscais.
O plano do governo envolve um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas com benefícios sociais para 2025, que devem passar por uma revisão detalhada. Essas medidas são parte de um esforço mais amplo para conter gastos e evitar o descumprimento do teto de despesas, conforme detalhado no próximo relatório de avaliação do Orçamento, a ser divulgado em 22 de julho.
“A determinação é que o arcabouço seja preservado a todo custo, o que significa que o relatório de julho pode implicar em contingenciamento e bloqueio suficientes para garantir o cumprimento das metas fiscais”, explicou Haddad. Além de 2024, Haddad reiterou que as regras serão cumpridas também nos anos seguintes, até o final do atual mandato presidencial em 2026.
Para Vieira, o discurso de Haddad era “tudo o que o mercado queria ouvir”. “Essas medidas foram vistas como essenciais para restaurar a confiança dos investidores e começar a estabilizar o cenário econômico, em meio a um ambiente global desafiador”, ressalta.
Lula em silêncio
Falar o que pensa se tornou um grande problema para o presidente Lula nas últimas semanas, analisa o economista e diretor da agência de turismo Mundi, Daniel Soares. Cientes disso, os ministros do governo montaram uma estratégia, segundo informações da GloboNews e da CNN, para que o presidente evitasse opinar sobre o câmbio e o Banco Central (BC), e de criticar o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
Os comentários de Lula, segundo o estrategista-chefe da Avenue, William Castro Alves, desagradavam o mercado. “Toda hora tem alguma declaração, comentário, crítica, e esse é um ponto relevante. Sempre há muitas críticas à autoridade monetária, por exemplo, ou às ações de Roberto Campos. Então, crise, briga o tempo inteiro, intervenção estatal acabam não soando muito bem, gerando risco, com percepção de risco, que acaba refletindo na moeda”, observa.
Na quarta-feira (3), após ser questionado sobre a alta do dólar durante o anúncio do Plano Safra voltado para agricultura familiar, Lula evitou comentar diretamente e respondeu: “Eu agora vou falar de feijão e arroz”. Soares diz que o silêncio de Lula “vale ouro” e que essa foi uma das causas que ajudou o dólar a despencar nesta semana.
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Para aliviar ainda mais o mercado financeiro e contribuir com a queda da moeda, Haddad reiterou que o dólar deve “acomodar”, afirmou que a diretoria do Banco Central possui autonomia para atuar no mercado de câmbio conforme considerar necessário, e disse que não há instruções adicionais a esse respeito. O ministro justificou sua confiança na queda do dólar mencionando que o governo está “fazendo e entregando”.
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O sócio da Ipê Avaliações, Fábio Murad, diz que, ao falar sobre o câmbio com o mercado financeiro, é preciso que o governo tenha consistência nas comunicações. “As declarações do presidente e de outros membros do governo devem ser alinhadas e consistentes, evitando gerar instabilidades e incertezas que possam levar à fuga de capitais”, analisa.
Para Murad, a autonomia do Banco Central serve como chave para decisões monetárias baseadas em critérios técnicos, o que ajuda a manter uma política monetária coerente e independente. “A redução das taxas de juros nos Estados Unidos também pode ajudar a aliviar a pressão sobre o dólar, mas essa é uma variável externa sobre a qual o governo brasileiro tem pouco controle”, completa.
Já o head de tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, aposta que essas mudanças prometidas pelo governo devem fazer o dólar se consolidar em torno de R$ 5,30. Ele reflete também que no cenário exterior há perspectiva de queda da taxa de juros, prevista para o final do ano. Para que o dólar volte ao patamar de R$ 5 ou abaixo disso, ele explica, é preciso ver ações concretas. “Observamos a intenção de implementar essas medidas, e à medida que percebermos a transição da intenção para a prática, o dólar pode facilmente atingir os R$ 5. Se houver ações concretas para reduzir os gastos, isso contribui para a valorização do real”, diz.
Vantagens da queda do dólar
- Uma das vantagens mais imediatas da queda do dólar é a redução no custo das importações, explica o economista e diretor da agência de turismo Mundi, Daniel Soares. Isso quer dizer que produtos e matérias-primas provenientes do exterior tornam-se mais acessíveis, beneficiando consumidores e empresas que dependem de insumos importados.
- Esse fenômeno pode se refletir em preços mais baixos para uma variedade de bens, desde eletrônicos até alimentos. “Com a diminuição dos custos das importações, a pressão inflacionária tende a ser contida. Produtos mais baratos ajudam a manter a inflação sob controle, permitindo que os consumidores mantenham seu poder de compra. Isso é especialmente importante em economias onde a inflação é uma preocupação constante”, diz Soares.
- Além disso, o especialista analisa que países com dívidas denominadas em dólares podem se beneficiar da desvalorização da moeda americana. “A queda no valor do dólar reduz o peso dessas dívidas, facilitando o pagamento e melhorando a posição fiscal do país. Esse alívio pode permitir uma maior flexibilidade fiscal para investimentos em infraestrutura e outros setores essenciais. A maior acessibilidade a produtos importados também pode aumentar o poder de compra dos consumidores, estimulando o consumo interno e, consequentemente, a economia”, afirma o economista.
Desvantagens da queda do dólar
- Um dólar mais fraco torna os produtos exportados mais caros para os compradores estrangeiros, o que pode reduzir a competitividade das exportações. Empresas que dependem fortemente de exportações podem sofrer com a queda na demanda internacional, levando a uma redução na receita nacional proveniente do comércio exterior. Isso pode impactar negativamente o balanço de pagamentos e, consequentemente, a economia como um todo.
- “Com as exportações mais caras e possivelmente reduzidas, a balança comercial pode se deteriorar, resultando em um déficit comercial”, pontua o analista financeiro da Mais Crédito, Carlos Vieira. Segundo ele, isso significa que o país está importando mais do que exportando, o que pode ser insustentável a longo prazo. Produtos importados mais baratos podem desencorajar a produção local, já que os consumidores podem preferir produtos estrangeiros mais acessíveis. “Isso pode prejudicar indústrias nacionais e levar a uma menor geração de empregos”, completa.
- Para Vieira, empresas e governos que tomaram empréstimos em dólares também podem sair prejudicadas, já que elas devem ver suas dívidas aumentarem em termos da moeda local quando o dólar se desvaloriza. “Isso pode pressionar ainda mais as finanças públicas e privadas. Flutuações significativas na taxa de câmbio podem criar incerteza e volatilidade nos mercados financeiros, afetando negativamente a confiança dos investidores e consumidores. Se um país mantém grandes reservas de dólares, a desvalorização da moeda pode diminuir o valor dessas reservas, impactando a capacidade do país de lidar com crises econômicas e financeiras”, diz o analista.