- Quando o arcabouço fiscal foi aprovado, ele substituiu o antigo teto de gastos como a âncora fiscal nas contas da União
- A dívida pública federal tem fechado no negativo e muitos apontaram que o governo está focando mais na arrecadação via tributos do que com o controle de gastos
- O presidente Lula (PT) voltou atrás e defendeu a preservação do arcabouço fiscal. As consequências disso vai além das finanças públicas, chegando ao bolso dos cidadãos
O bate-cabeça entre governo e o mercado parece finalmente ter encontrado um ponto de trégua. Na noite da quarta-feira (3), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) determinou a preservação do arcabouço fiscal. E mais: autorizou um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas com benefícios sociais para 2025. Mas, na prática, o que isso afeta a vida do brasileiro (investidor ou não)?
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Ao longo dos últimos meses, as preocupações com as finanças públicas estiveram no centro das discussões do Planalto. Isso porque, em 2023, quando o arcabouço foi aprovado, ele substituiu o antigo teto de gastos como a âncora fiscal nas contas da União. Na ocasião, o Ministério da Fazenda sinalizou que para este ano seria buscado um déficit (saldo negativo) zero e, para 2025, haveria um superávit (saldo positivo) de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), e outro de 1% em 2026.
Tudo mudou quando o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) foi entregue ao Congresso Nacional em abril, apontando que o resultado positivo da diferença entre todas as receitas e as despesas virá somente em 2028. Esse fato, juntamente com os resultados mensais da dívida pública federal e o resultado primário do setor público que têm fechado no negativo (gráfico abaixo), alimentou a desconfiança de que a âncora fiscal não seria cumprida e de que o governo estava focando mais na arrecadação via tributos do que com o controle de gastos.
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“Mais endividamento significa, basicamente, juros mais altos, o que possivelmente gera um aumento do dólar e eleva a inflação”, alerta Morvan Meirelles Costa Junior, sócio-fundador do Meirelles Costa Advogados. E de fato esse cenário tem sido observado nas últimas semanas. Além do câmbio, que chegou a tocar os R$ 5,7, as estimativas para a inflação foram elevadas pela oitava semana consecutiva no Boletim Focus, saindo de 3,98% para 4% em 2024.
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Agora, a tempestade parece estar próxima do fim. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sinalizou uma mudança de postura do governo quanto ao cumprimento das regras fiscais vigentes. “A primeira coisa que o presidente determinou é: cumpra-se o arcabouço fiscal. Não há discussão a esse respeito”, disse.
Por que o arcabouço fiscal é importante?
No mundo político e econômico, arcabouço fiscal é um termo que corresponde a uma série de regras que vão ditar as políticas fiscais do governo. Isso porque ele forma um tipo de “esqueleto” de normas econômicas que deverá ser seguido pela gestão. A ideia é condicionar o crescimento de gastos ao aumento de receitas. Como dissemos acima, o instrumento deu lugar ao antigo teto de gastos, que travava o aumento das despesas ao chegar em determinado limite.
Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, explica que a regra fundamental do arcabouço é de que as despesas públicas não podem ultrapassar 70% da taxa de crescimento da receita. “Se a receita cresce 5, a despesa pode avançar até 3,5. Ele estimula o aumento de arrecadação, mas isso não significa que os gastos não possam ser cortados, ainda mais em um momento de crescimento zero de receita”, explica Gala.
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Afinal, um gasto descontrolado do governo pode gerar incertezas em relação à trajetória da dívida pública. E isso traz reflexos na inflação, na economia e afeta o posicionamento do Banco Central (BC) sobre a taxa básica de juros. Não por acaso, na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o BC paralisou o corte na Selic, que ficou estacionada a 10,5% ao ano.
Como o arcabouço fiscal afeta a economia (e o seu bolso)?
Seria muito bom se apenas o “bolso” do governo fosse afetado com os gastos públicos serem maiores do que a arrecadação. No entanto, além dos agentes do mercado financeiro, todos os cidadãos, investidores ou não, são afetados pela política fiscal. Por isso que a defesa de Lula ao arcabouço gerou um alívio instantâneo e repercussão nacional.
Para ajudar você a visualizar como o cumprimento da meta fiscal afeta a geração de empregos, o poder de compra, a renda da população e até investimentos privados, o E-Investidor listou alguns impactos.
Perspectiva de redução de juros
A perspectiva de que o arcabouço fiscal não teria validade com um cenário de gastos públicos maiores que a arrecadação. Essa percepção fez com que as projeções de inflação subissem tanto para 2024 quanto em relação ao ano que vem. Foi nessa toada que não apenas a taxa Selic deixou de ser cortada, como alguns economistas temiam que ela voltasse a subir. Lembrando que o percentual chegou a 13,75% em 2023.
“Isso desmonta o cenário de possível alta da Selic no segundo semestre. Esse movimento poderia levar a uma nova escalada dos juros, que seria horrível para o mercado financeiro e para a economia real [atividades que geram emprego e renda]”, aponta Paulo Gala, do Banco Master.
Crédito mais barato
Se de um lado a taxa Selic provavelmente não deve voltar a subir tão cedo, o cumprimento da meta fiscal por parte do governo sugere um controle mais rígido da inflação a longo prazo. Para Andressa Bergamo, fundadora da AVG Capital, esse cenário é benéfico tanto para o cidadão quanto para as empresas, visto que os juros atrelados à concessão de crédito tendem a cair.
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"Isso pode levar o Banco Central a adotar uma postura menos agressiva na política monetária nas próximas reuniões do Copom. Juros mais baixos tornam o crédito mais barato, ajudando a estimular a economia e o consumo. O impacto geral tende a ser positivo”, aponta.
Dólar em queda
Em meio ao embate entre Lula e o mercado financeiro, na terça-feira (2) o dólar chegou a bater a sua maior cotação deste ano, a R$ 5,65. Mas bastou o chefe do Executivo falar ontem sobre austeridade nas contas públicas que a moeda recuou 1,70%, voltando para a R$ 5,568.
Com a defesa ao arcabouço fiscal, a expectativa é de que o câmbio continue recuando. “O dólar deve voltar pelo menos em níveis atuais entre R$ 5,30 e R$ 5,20, dentro da maioria das projeções até o final deste ano”, afirma Nicolas Gass, especialista em mercado de capitais e sócio da GT Capital.
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Não pense que apenas quem é investidor deve comemorar a queda da moeda americana. João Rosal, economista-chefe da Terra Investimentos, explica que a persistência da desvalorização do real diante da alta do dólar faz com que os bens da cesta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), exportáveis ou importados, sofram reajustes. “De acordo com a própria estimativa do Banco Central, aproximadamente 31% do IPCA é composto por esses tipos de bens”, diz.
Por que o arcabouço fiscal é tema de discussões?
- O presidente Lula (PT) determinou a preservação do arcabouço fiscal e autorizou um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas com benefícios sociais para 2025;
- A decisão ocorre meses após a Lei de Diretrizes Orçamentárias revisar o superávit do ano que vem para déficit zero;
- A dívida pública federal aponta para mais gastos do que arrecadações e o governo demorou para aceitar revisar as despesas públicas, o que fez o dólar disparar e as projeções sobre a inflação subir nas últimas semanas;
- O cumprimento do arcabouço fiscal afeta a geração de empregos, o poder de compra e a renda da população e até investimentos privados.