- Volatilidade é uma característica notável desse mercado de inteligência artificial, diz investidor
- Em alguns anos, os investidores passarão a exigir lucro destas empresas, projeta especialista
- Interesse pelas ações do mercado de IA é "fogo de palha", analisa outro profissional
As constantes altas nos preços das ações de empresas de inteligência artificial (IA) de grande relevância, como a Nvidia (NVDC34), uma projetista de chips que recentemente se tornou a empresa de capital aberto mais valiosa do mundo e, em seguida, viu seus papéis despencarem quase 7%, e seu valor de mercado — que chegou aos US$ 3,332 trilhões — recuar ao patamar de US$ 3,1 trilhões, têm alimentado um debate crescente sobre se o mercado de ações está sendo impulsionado por uma euforia especulativa que teve início em 2022.
Especialistas ouvidos pelo E-Investidor divergem sobre o sucesso desse tipo de negócio a longo prazo e usam argumentos como resultado financeiro das companhias, concorrência e evolução tecnológica de produtos num mercado que, segundo eles, está longe de encerrar demandas. Não à toa, o atual cenário da IA cresceu tanto que passou a ser dividido em várias camadas distintas, cada uma desempenhando um papel no desenvolvimento e na aplicação dessa tecnologia. Há, por exemplo, empresas de semicondutores, importantes para o processamento lógico dos modelos de IA tanto no treinamento quanto na execução. Exemplos incluem Nvidia, AMD, Intel, Broadcom e Qualcomm.
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Em seguida, destacam-se as empresas de computação em nuvem, como Microsoft, Amazon e Alphabet, que são responsáveis pelo processamento dos dados dos clientes e pela execução das aplicações de IA em escala. Outro segmento importante são as empresas que desenvolvem os modelos fundamentais de IA, como Openai, Anthropic, Meta (Llama) e Alphabet (Gemini), e companhias que utilizam esses modelos para desenvolver e oferecer serviços ao público. Um exemplo é a Apple, que está lançando o iOS 18 com novas ferramentas de IA integradas, expandindo as capacidades de seus dispositivos para melhorar a experiência do usuário.
Segundo o gestor de fundos da Empiricus Gestão, João Piccioni, dentre esse rol de empresas de tecnologia praticamente não há nenhuma correção a ponto de assustar investidores. “Muito pelo contrário: as ações do setor estão subindo fortemente nas janelas de um mês, três meses, seis meses e um ano. As ações da Nvidia passaram por uma pequena correção frente ao topo atingido recentemente, mas isso se deve à movimentações técnicas ligadas ao mercado de opções. Nada que tenha mudado a perspectiva sobre o seu futuro”, explica.
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Se nos últimos dois anos os investidores foram fortemente influenciados pela macroeconomia ao tomar decisões, 2024 está marcado por um foco maior nos fundamentos das empresas, conforme Piccioni. Atualmente, explica ele, as preocupações dos investidores estão centradas na dinâmica dos resultados corporativos, que continuam satisfatórias até o momento.
Para o gestor, mesmo com taxas de juros elevadas, as ações do setor de tecnologia têm mostrado um bom desempenho, impulsionadas pelos vultosos investimentos das gigantes de tecnologia, pela rápida evolução tecnológica e pela integração cada vez maior da inteligência artificial nas estratégias corporativas. “A impressão é que as manchetes [reportagens] relacionadas à IA geraram algum ruído, que definitivamente foi ignorado pelos investidores de tecnologia. Vale ter em mente que duas das principais empresas detentoras dos modelos fundacionais (a Openai e Anthropic) não são negociadas nas bolsas de valores”, diz.
Em contrapartida, o diretor de desenvolvimentos de negócios da Bridgewise, Thiago Kurth Guedes, analisa que houve impacto nas ações de empresas de IA como um movimento natural, já que, de acordo com ele, há ajustes no mercado quando as ações de empresas de tecnologia apresentam um crescimento prolongado. “Esse é um movimento historicamente natural quando surgem novas tecnologias. Inicialmente, há uma corrida eufórica para utilizar a tecnologia. Com o tempo, entende-se melhor quais os benefícios das novas tecnologias e o mercado passa a ser mais seletivo nos investimentos”, afirma.
O diretor também avalia os principais fatores que levaram à queda das ações de muitas empresas de IA após o sucesso inicial: “A realização de lucros de investidores pode ser considerada a causa desse movimento. A ação da Nvidia continua acima da média móvel de 25 dias no momento, e os fundamentos apresentados na última divulgação de resultados foram muito robustos”.
Guedes também pontua que as empresas de IA ainda vivem um momento inicial, e que, por causa disso, a confiança dos investidores ainda está alta, numa fase do ciclo em que se exige crescimento dessas companhias em vez de cobrança. “O grande desafio será em alguns anos quando os investidores passarão a exigir lucro destas empresas”, projeta.
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Mas o analista de mercados internacionais da Empiricus Research, Enzo Pacheco, observa que a concorrência também pode afetar as ações das empresas de IA quando elas estão nos holofotes com seus balanços financeiros registrando altos ganhos. “Naturalmente outros players passariam a desenvolver outros produtos para conseguir tomar parte desse mercado. Outro fator levantado é que nenhuma empresa gosta de ficar à mercê de um fornecedor apenas, porque o poder de barganha acaba ficando com essa companhia”, diz.
Nesse contexto, especialistas alertam que, à medida que o tempo passa, a competição no segmento de IA começa a se intensificar, eliminando os modelos de negócios mais fracos a ponto de investidores terem cautela. Nesses casos, o segmento de software é o mais atingido. Os analistas financeiros dizem que isso ocorre porque ninguém consegue realmente mensurar os reais efeitos da IA no setor, já que há uma linha de raciocínio que aponta para a substituição dos softwares pela IA, mas, de acordo com eles, essa visão não condiz com a realidade.
Perspectiva a longo prazo das empresas de inteligência artificial
A longo prazo, investidores ainda veem potencial nas empresas de IA devido ao papel crescente dessa tecnologia em diversos setores. A promessa de automação, análise de dados avançada e novas aplicações tecnológicas atrai uma considerável quantidade de capital, com fundos de investimento e investidores individuais buscando lucrar com o crescimento previsto.
O diretor financeiro Carlos Eduardo Assis investe em empresas de IA desde o boom inicial e explica que a volatilidade é uma característica notável desse mercado, com flutuações nos preços das ações devido à rápida evolução tecnológica e às mudanças no cenário competitivo. Ele conta que investidores precisam estar atentos às inovações constantes e às possíveis disrupções causadas por novos entrantes no mercado.
“Outro fator importante é a incerteza regulatória. À medida que a IA se torna mais prevalente, governos desenvolvem políticas para garantir o uso seguro e ético dessa tecnologia. Muita gente desconsidera isso, mas mudanças nas regulamentações podem afetar diretamente as operações e a lucratividade das empresas de IA, tornando o acompanhamento das políticas públicas um aspecto decisivo para os investidores”, diz.
O mercado de inteligência artificial se move em direção a uma especialização maior de suas ferramentas, explicam especialistas. O ChatGPT, que ganhou notoriedade por sua capacidade de gerar texto a partir de prompts variados, é um modelo generalista e, como tal, está sujeito a produzir respostas imprecisas ou equivocadas. Em contrapartida, ferramentas especializadas estão ganhando destaque por oferecerem resultados mais confiáveis e precisos em nichos específicos, resultando em ganhos de produtividade.
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No setor de biotecnologia, por exemplo, a IA poderá ser utilizada para acelerar o desenvolvimento de novos tratamentos, aumentando a eficiência da pesquisa e descoberta de medicamentos. No segmento de automação veicular, a IA deve ajudar no avanço dos veículos autônomos, melhorando a segurança e a eficiência dos transportes. Na robótica, a tecnologia ampliará as capacidades de automação, permitindo a criação de máquinas mais inteligentes e versáteis.
Em cada um desses setores, segundo os especialistas, a IA promete expandir o escopo e acelerar o ritmo de desenvolvimento de novos produtos e tecnologias, trazendo benefícios, acima de tudo, para a economia. “As principais empresas do setor estão entregando receita e crescimento. A preocupação começa quando vemos investimentos em empresas que não conseguem entregar esses números”, analisa o diretor de desenvolvimentos de negócios da Bridgewise, Thiago Kurth Guedes.
Mas o analista financeiro Paulo Godoi Filho chama o interesse pelas ações do mercado de IA como “fogo de palha”. Segundo ele, a intensa concorrência no setor é o que vai “destruir” as expectativas dos investidores. Tal concorrência, afirma ele, vai resultar em uma guerra de preços e na compressão das margens de lucro. Empresas emergentes e estabelecidas estão continuamente desenvolvendo novas tecnologias, e essa competição acirrada pode levar à instabilidade no mercado.
A pressão para inovar constantemente pode também aumentar os custos operacionais, impactando negativamente a rentabilidade das empresas. “Embora haja um potencial enorme, a implementação prática e os benefícios tangíveis da inteligência artificial podem demorar mais do que o esperado para se materializar. Essa discrepância entre expectativa e realidade pode levar a decepções no mercado, afetando negativamente o desempenho das ações de IA”, projeta.
Valor de mercado, lucro e prejuízo: veja os principais ganhos e perdas de mercado de empresas de inteligência artificial
Nvidia
- Setor: semicondutores e equipamentos relacionados
- Capitalização de mercado: 3,1 trilhões USD
- Preço de fechamento: 123,54 USD
- Destaques: superou a Microsoft como a mais valiosa do mundo, impulsionada pela demanda por chips de IA
- Resultados: lucros robustos, lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) excelente, retorno sobre o patrimônio líquido alto
- Recomendação da Bridgewise: buy (comprar)
Microsoft
- Setor: software e serviços
- Capitalização de mercado: 3,35 trilhões USD
- Preço de fechamento: 446,95 USD
- Resultados: balanço patrimonial bom, demonstração de resultados razoável
- Recomendação da Bridgewise: outperform (comprar)
Amazon
- Setor: varejo
- Capitalização de mercado: 1,94 trilhões USD
- Preço de fechamento: 193,25 USD
- Resultados: aumento de 12,5% na receita e 216,7% no lucro por ação
- Recomendação da Bridgewise: outperform (comprar)
Meta
- Setor: serviços de comunicação
- Capitalização de mercado: 1,3 trilhões USD
- Preço de fechamento: 504,22 USD
- Resultados: resultados mistos, destaque em ROE e período P/B
- Recomendação da Bridgewise: hold (segurar)
Salesforce
- Setor: software e serviços
- Capitalização de mercado: 234,27 bilhões USD
- Preço de fechamento: 257,1 USD
- Resultados: balanço patrimonial razoável, demonstração de resultados razoável, fluxo de caixa muito bom
- Destaques: taxa de retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) e dinheiro e equivalentes
- Recomendação da Bridgewise: outperform (comprar)
Snowflake
- Setor: software e serviços
- Capitalização de mercado: 41,59 bilhões USD
- Preço de fechamento: 135,09 USD
- Resultados: balanço patrimonial muito ruim, demonstração de resultados muito ruim, fluxo de caixa bom
- Recomendação da Bridgewise: underperform (vender)
Intel
- Setor: semicondutores
- Capitalização de mercado: 130,86 bilhões USD
- Preço de fechamento: 30,97 USD
- Resultados: balanço patrimonial ruim, boa demonstração de resultados, bom fluxo de caixa
- Destaques: lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) e Retorno sobre patrimônio (ROE) fortes
- Recomendação da Bridgewise: outperform (comprar)
Adobe
- Setor: software e serviços
- Capitalização de mercado: 228,44 bilhões USD
- Preço de fechamento: 503,17 USD
- Resultados: balanço patrimonial muito bom, demonstração de resultados muito boa, fluxo de caixa muito bom
- Destaques: margem de lucro operacional e retorno sobre o patrimônio líquido (ROE)
- Recomendação da Bridgewise: buy (comprar)
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