- As ações da Americanas (AMER3) derreteram 57% na última quinta-feira (15), com os investidores digerindo os números dos aguardados balanços do exercício de 2023 e 1º semestre de 2024
- No final do dia, a AMER3 estava sendo negociada a R$ 0,14, quase o preço de uma bala de iogurte. Durante o pregão, entretanto, o papel chegou a cair mais de 70%, às mínimas de R$ 0,9
- Com os papéis negociados a centavos, a AMER3 entra para o grupo de “Penny Stocks” da Bolsa. Neste tipo de ativo, a volatilidade é gigantesca, uma vez que qualquer movimentação de centavos representa uma variação percentual considerável
As ações da Americanas (AMER3) derreteram 57% na última quinta-feira (15), com os investidores digerindo os números dos aguardados balanços do exercício de 2023 e 1º semestre de 2024, que foram repetidamente adiados nos últimos meses. No final do dia, a AMER3 estava sendo negociada a R$ 0,14, quase o preço de uma bala de iogurte. Durante o pregão, entretanto, o papel chegou a cair mais de 70%, às mínimas de R$ 0,9.
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A reação tão negativa dos acionistas ocorre por dois fatores: os números ainda muito negativos, já esperados, e a falta de “horizonte” – já que a empresa decidiu retirar os “guidances” para os próximos meses. Ou seja, as projeções financeiras da varejista para o futuro.
“De certa forma, a companhia não quer trazer nenhuma expectativa para o mercado. Até para não causar uma frustração e impactar o preço do papel, como ocorreu ontem”, diz Paulo Luives, especialista da Valor Investimentos.
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No acumulado do ano passado, a varejista registrou prejuízo de R$ 2,2 bilhões, 82,8% melhor do que o observado no mesmo período de 2022 (depois que os números foram reapresentados sem a “maquiagem” da manipulação contábil). Nos seis primeiros meses deste ano, o resultado negativo foi de R$ 1,4 bilhão, 56% menor do que no mesmo período de 2023.
Apesar de melhores no comparativo, os dados ainda desenham uma conjuntura de extrema preocupação. “O cenário enfrentado pela companhia é o pior possível”, afirma Enrico Cozzolino, head de análise na Levante Ideias de Investimentos. Na visão do analista, é preciso considerar que o balanço negativo de 2023 aconteceu em um momento de fim do ciclo de alta da taxa básica de juros Selic e melhora no endividamento das famílias. Isto é, foi um período de melhora para o varejo.
Agora, as perspectivas já mudaram – é esperada uma nova alta dos juros pelo Banco Central. Para frente, então, os desafios serão maiores. “O cancelamento da divulgação de guidance pela companhia só deixa o mercado ainda mais incerto com o que virá”, ressalta Cozzolino.
A Americanas reportou “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões em 11 de janeiro do ano passado, provocadas por uma fraude contábil posteriormente confirmada. A empresa entrou em recuperação judicial nove dias depois da descoberta do rombo e precisou republicar os balanços de 2021 e 2022. Desde então, vem tentando reequilibrar as contas, em meio a uma desvalorização de 99% dos papéis em menos de 24 meses.
Americanas (AMER3) em centavos
A cotação de R$ 0,14 é a mínima histórica do ativo, conforme dados levantados por Einar Rivero, CEO da Elos Ayta. Com os papéis negociados a centavos, a AMER3 entra para o grupo de “Penny Stocks” da Bolsa. Neste tipo de ativo, a volatilidade é gigantesca, uma vez que qualquer movimentação de 1 centavo representa uma grande variação percentual.
O excesso de volatilidade é um dos motivos pelo qual a B3 não permite que qualquer ação seja negociada por centavos em mais de 30 pregões consecutivos. Por isso, é esperado que o papel, mais cedo ou mais tarde, passe por um “grupamento”. Por exemplo, se esse grupamento for na proporção de 10 para 1, quem tiver 10 ações AMER3 a R$ 0,14, passará a ter 1 ação AMER3 por R$ 1,40.
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Para Cozzolino, head de análise na Levante Ideias de Investimentos, os ativos da Americanas se tornam uma boa oportunidade para investidores experientes que queiram aproveitar a volatilidade para especular. O indicado é direcionar um pequeno percentual do patrimônio para este fim e utilizar alertas, como o “stop order”, para se proteger. Com esta ferramenta é possível estabelecer um preço para compras ou vendas de um ativo.
“Se a companhia valorizar 100% em relação à cotação atual, por exemplo, o papel vai a R$ 0,28. Então virou uma opção por causa do preço”, diz o analista. “Existem derivativos (instrumentos financeiros que podem ser utilizados para proteção e que custam centavos) mais caros do que a ação da Americanas.”
Essa também é a visão de Alex Carvalho, analista da CM Capital. De acordo com o analista, após a derrocada de mais de 50%, é esperado que a AMER3 passe por um movimento de rápido rebote, com forte recuperação no curto prazo – oportunidade para investidores que toleram um risco (bastante) maior.
“No entanto, para quem buscar uma recuperação para longo prazo, deverá ter cautela redobrada. As ações deverão apresentar maiores dificuldades de altas para o longo prazo quando comparamos a outras empresas do mesmo seguimento, o que custará o preço de oportunidade em outros ativos”, ressalta Carvalho.
Minoritários da Americanas contam prejuízos
Sem guidance, o mercado segue cauteloso com a companhia e deve acompanhar de perto o desenrolar da recuperação judicial da varejista.
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“Aguardar os próximos resultados e como será essa reestruturação. Precisamos entender, por exemplo, se terá uma nova injeção de capital, seja pelos sócios principais ou por meio de uma oferta de ações – que nesse momento parece pouco factível”, diz Luives, especialista da Valor Investimentos. “Até porque não estamos vendo ofertas públicas acontecendo.”
Para os minoritários da Americanas, que sentiram no bolso os impactos da fraude contábil, restou a indignação. Até o momento, não há perspectivas claras de ressarcimento dos prejuízos. “A gente não vê ação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no sentido de minoritário”, diz César Augusto (nome fictício), que perdeu R$ 80 mil em AMER3 após a revelação do rombo. Até hoje mantém os papéis.
Após o episódio, Augusto perdeu confiança no mercado acionário brasileiro, apesar de ainda investir em ações. “Se houve uma fraude dessa magnitude na Americanas, com esse nível de empresário como acionistas de referência — Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles — , os principais do Brasil, e nada acontece, o que esperar do resto? O que mais tem de fraude na Bolsa que a gente não sabe?”, desabafa o investidor minoritário.
O Instituto Empresa, que representa minoritários em ações contra companhias abertas, possui um processo arbitral contra a Americanas. Até maio, 500 investidores integravam a arbitragem, em uma demanda de R$ 32 bilhões.
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Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa, aponta que quem adquiriu os papéis da varejista até 11 de janeiro de 2023, data de revelação das fraudes, o fez pelo preço próximo ou superior a R$ 19. No entanto, o “valor efetivo do ativo”, eliminadas as distorções contábeis, era na realidade a atual cotação: cerca de R$ 0,14.
“Essa diferença entre o preço pago erroneamente e o preço efetivo do ativo é que deve ser cobrada pelos investidores”, diz o executivo, que se diz “espantado” com a demora na publicação do balanço de 2023 da Americanas. “Há uma evidente falha informacional ao mercado que gera outras distorções e mais prejuízos aos investidores”, afirma Silva.