Max Bandeira, sócio do Bandeira Damasceno Advogados, explica que existem três tipos de testamento conjuntivo: o simultâneo, o recíproco e o correspectivo. O primeiro ocorre quando dois testadores dispõem juntos em favor de um terceiro – por exemplo, uma pessoa A e uma B, em um só testamento, nomeiam C como herdeiro.
O recíproco, como o próprio nome sugere, acontece quando cada testador deixa a parte disponível de sua herança para o outro e vice-versa. “Já o correspectivo existe quando há reciprocidade condicionada, isto é, cada testador favorece o outro na proporção em que também foi beneficiado por ele, havendo interdependência entre as disposições de cada um”, explica Bandeira.
No Código Civil atual, todas as modalidades de testamento conjuntivo são vedadas. Fábio Botelho Egas, advogado especializado em Direito Sucessório e de Família, sócio do Botelho Galvão Advogados, esclarece que essa proibição acontece porque, pela lei, a herança de uma pessoa viva não pode ser objeto de contrato.
“O Código vigente desestimula que as pessoas mirem futuras vantagens em decorrência da morte de alguém, algo moralmente reprovável em nossa sociedade ocidental, herdeira da moral judaico-cristã”, afirma Egas.
Segundo ele, uma outra justificativa legal para a proibição do testamento conjuntivo é que, por ser um documento único e mútuo, a sua revogação é mais difícil. Isso porque um dos testadores pode querer alterar o conteúdo, enquanto o outro não. Já o testamento convencional é sempre revogável.
O novo Código Civil, no entanto, pode mudar essa realidade. Silvia Felipe Marzagão, sócia do escritório Silvia Felipe Marzagão e Eleonora Mattos Advogadas, explica que a proposta é permitir o testamento conjuntivo recíproco entre cônjuges e conviventes (quem vive em união estável).
Caso a proposta avance, outras pessoas continuariam vetadas de realizar esse tipo de testamento. “As demais modalidades de testamento conjuntivo – simultâneo e correspectivo – também seguiriam sendo proibidas”, destaca.
O projeto de lei que propõe mudanças no Código Civil foi protocolado no Senado no início deste ano. No entanto, é importante lembrar que o texto ainda precisa ser votado no Congresso Nacional – ou seja, não há garantia de que a autorização do testamento conjuntivo será aprovada.
Inspiração alemã
Egas, do Botelho Galvão Advogados, entende que a proposta se inspirou em “ares estrangeiros”, já que esse tipo de testamento está disponível em outros países. O caso de maior destaque, segundo especialistas da área, é o da Alemanha.
O Bürgerliches Gesetzbuch (BGB), nome dado ao Código Civil alemão, permite o testamento conjuntivo para cônjuges e casais em união estável. Por lá, o documento é chamado de Ehegattentestament.
Bandeira, sócio do Bandeira Damasceno Advogados, explica que a lei alemã traz mecanismos para possibilitar a revogação do documento. Enquanto ambos os testadores vivem, qualquer um pode revogar suas disposições próprias, devendo, porém, notificar o outro cônjuge para invalidar as cláusulas correlatas.
Após a morte de um dos cônjuges, a situação muda. “Nesse caso, as disposições mútuas que beneficiavam o falecido ou terceiros se tornam vinculantes, de modo que o sobrevivente não pode alterá-las livremente”, explica.
Caso a pessoa resolva fazer um novo testamento que seja conflitante com o anterior, por exemplo, a lei alemã presume renúncia aos benefícios recebidos do primeiro testador. “De forma geral, existem diferentes regras para evitar enriquecimento indevido do viúvo que descumpre o pacto”, diz Bandeira.
Os riscos do testamento conjuntivo
Especialistas consultados pelo E-Investidor concordam que a nova modalidade não deve trazer ganhos para o planejamento sucessório, se for aprovada. O entendimento é de que os testamentos individuais oferecem maiores possibilidades aos testadores.
“Uma das desvantagens no testamento conjuntivo reside na eventual restrição da liberdade individual de cada testador, caso um ou ambos desejem alterar suas declarações após a formalização do testamento”, sinaliza Gabriele Carvalho Stezoucoski, do Lassori Advogados.
Outro ponto de preocupação diz respeito à revogação do documento. Para Marzagão, do escritório Silvia Felipe Marzagão e Eleonora Mattos Advogadas, esse aspecto ainda é incerto. “Hoje, um testamento pode ser revogado a qualquer momento. Mas, no caso do testamento conjuntivo, surgem dúvidas. Não está claro, por exemplo, se uma pessoa poderia revogar apenas a sua parte, sem afetar a parte da outra”, explica.
A advogada reconhece que o testamento conjuntivo pode facilitar uma visão unificada do patrimônio do casal, tratando-o como um todo. No entanto, ela pondera que esse eventual benefício não é suficiente para compensar os riscos envolvidos na modalidade.
“Hoje já é possível organizar a sucessão dos bens compartilhados por meio de testamentos individuais. Se cada um fizer seu próprio testamento, considerando tanto o patrimônio conjunto quanto o individual, e decidindo se desejam beneficiar as mesmas pessoas ou pessoas diferentes, essa estrutura já permite um planejamento sucessório eficaz”, afirma.
Gustavo Costa, Chief Operating Officer (COO) da Herdei, fintech que oferece soluções digitais para inventários extrajudiciais e planejamento sucessório, acredita que o testamento conjuntivo pode fazer com que um testador seja forçado pelo outro a fazer algo de que não gostaria.
“Caso a proposta avance e o casal faça opção por essa modalidade, também precisará tomar cuidado para não ter sua vontade travada futuramente, após o falecimento de um dos parceiros”, acrescenta.
Costa enxerga que o próprio testamento tradicional hoje já está ultrapassado como forma de planejamento sucessório. Em sua visão, uma alternativa mais eficiente é a holding familiar – empresa criada para controlar e administrar o patrimônio das pessoas que pertencem a uma determinada família. “Com a holding, é possível realizar a sucessão de uma forma mais eficiente”, sinaliza.
O executivo ressalta ainda que tanto o testamento conjuntivo, previsto no projeto do novo Código Civil, quanto os formatos tradicionais envolvem burocracias e podem acabar ganhando um caráter judicial. “Qualquer tipo de testamento pode levar à necessidade de recorrer ao Judiciário, para verificar se está de acordo ou não com a lei”, pontua.