- O mercado global de NFT cresceu de algumas dezenas de milhões de dólares em vendas anuais há alguns anos para mais de US$ 300 milhões apenas no mês passado
- Alguns comparam a febre do NFT ao boom de ofertas iniciais de moedas (ICO, na sigla em inglês), uma forma de crowdfunding em que as empresas emitem “moedas” digitais em troca de um pagamento
(The Economist) – “Equivalent viii” de Carl Andre era uma escultura minimalista que foi comprada pela Tate Gallery da Grã-Bretanha em 1972. A Tate descreveu a obra como “um arranjo retangular de 120 tijolos refratários … alterando a relação do observador com o espaço circundante”. O público chamou de pilha de tijolos. Alguns anos depois, os jornais condenaram a galeria por ter desperdiçado maços de dinheiro com obras de vanguarda.
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Mais uma vez, uma instituição famosa está adotando um gênero novo e polêmico. Em 11 de março, a Christie’s vendeu uma colagem digital de imagens chamada “Everydays-The First 5,000 Days” por US$ 69,3 milhões. A venda levou o criador da obra, Mike Winkelmann, também conhecido como Beeple, a ficar lado a lado com David Hockney e Jeff Koons, os únicos dois pintores vivos a serem vendidos por valores como esse.
A Christie’s vendeu a obra de arte como um “token não fungível” (NFT), uma febre que tomou conta da elite do Vale do Silício. Um NFT é um registro seguro baseado em blockchain que representa pedaços de mídia digital. Inventado há alguns anos, ele pode ser vinculado não apenas à arte digital, mas também a textos, vídeos ou trechos de código.
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A crítica da pilha de tijolos às obras de arte digitais é que, ao contrário das colecionáveis físicas, elas podem ser copiadas com perfeita fidelidade e consumidas infinitamente online. Portanto, elas têm um valor inerente limitado. Um token traz o direito de se gabar por uma versão única e autenticada de uma obra de arte digital, música ou imagem fofa de um gato (que foi a primeira a dar popularidade aos NFTs). Outra atração para o mundo criativo é que os NFTS facilitam o pagamento de artistas quando suas obras são vendidas.
Como quase tudo pode ser convertido em tokens e vendido se os clientes quiserem, a febre vai além das imagens. Kings of Leon, uma banda de rock, está vendendo um novo álbum como um NFT e a National Basketball Association (NBA) está vendendo clipes de enterradas famosas. Os criadores podem recorrer a uma coleção crescente de mercados, como OpenSea e Nifty Gateway. Até mesmo tuítes individuais estão custando grandes somas (levando alguns a se perguntarem se o ex-tuiteiro Donald Trump poderia vender trechos de sua obra).
A enorme venda de Beeple, mais a chegada de cada vez mais criadores, significa que uma mania que até então tem sido amplamente restrita aos círculos de criptografia e tecnologia pode vir a se tornar popular. O mercado global de NFT cresceu de algumas dezenas de milhões de dólares em vendas anuais há alguns anos para mais de US$ 300 milhões apenas no mês passado, de acordo com Andreessen Horowitz, uma empresa de capital de risco. Os NFTs se misturam aos enormes efeitos de rede das mídias sociais e da cultura meme, observa Sam Hart da Interchain Foundation, um patrocinador suíço da infraestrutura de blockchain. Houve pouco tempo para educar os compradores, diz ele.
Preocupações com o “criptoentusiasmo”
As armadilhas estão sendo apontadas por alguns especialistas em criptografia. Uma preocupação é que o amplo criptoentusiasmo possa ser o que realmente está por trás dos valores crescentes do NFT. Não passou despercebido que o comprador de “Everydays” de Beeple é Metakovan, um investidor profissional em criptomoedas. A Christie’s ganhou US$ 69,3 milhões em Ether, uma criptomoeda.
Alguns comparam a febre do NFT ao boom de ofertas iniciais de moedas (ICO, na sigla em inglês), uma forma de crowdfunding em que as empresas emitem “moedas” digitais em troca de um pagamento, em 2017-2018, que estourou logo depois. Os preços crescentes de muitos NFTs, dependentes da agitação efêmera em lugares como o Clubhouse, uma nova rede social de áudios da moda, podem entrar em colapso rapidamente.
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Celebridades, incluindo Lindsay Lohan, aderindo a uma tendência que deveria ajudar artistas sem um tostão é, segundo alguns, outro mau sinal. Os custos iniciais de “cunhagem” de NFTs são baixos, entretanto, o que significa um fornecimento potencialmente ilimitado. (Por enquanto, a enorme pegada de carbono dos NFTs, devido às transações de blockchain com uso intensivo de energia, não é registrada de forma transparente.)
Uma incerteza final em torno do valor dos NFTs é que eles podem, na prática, ser separados do bem digital ao qual estão vinculados, minando seu valor. Um criador pode alterar a imagem mesmo após a venda. Um artista de criptografia recentemente “puxou o tapete” de alguns NFTs para destacar essa falha. Uma série de retratos digitais coloridos de repente se metamorfoseou em imagens de tapetes antigos. Mas o mercado de arte sempre esteve sujeito a negociações duvidosas. Escolher usar NFTs parece o mesmo que separar Rembrandts reais daqueles pintados por meros discípulos.
(Tradução de Romina Cácia)