Especialistas preferem títulos ligados à inflação do que à Selic, que tem perspectiva de queda ainda este ano. (Imagem: Romolo Tavani em Adobe Stock)
Desde o final do ano passado, quando chegou a bater 8% ao ano em alguns vencimentos, os títulos públicos indexados à inflação, o Tesouro IPCA+, vêm pagando taxas acima de 7,5%, principalmente para vencimentos de médio prazo. Tanto tempo que o investidor já passa a encarar esse rendimento como algo corriqueiro, um novo normal. Só que não é. Trata-se, na verdade, de uma oportunidade rara, que para muitos analistas deve durar mais um ano e, depois, tende a se encerrar.
Laís Costa, analista de renda fixa da Empiricus, lembra que a o problema fiscal, que sustenta as taxas neste patamar elevado, se somou agora ao ruído eleitoral, que também “gera prêmio”. “Não vejo muito fechamento de curva até o ano que vem. Mesmo com eventual transição de governo, o mercado vai precificar [a queda dos juros] só quando houver um plano fiscal crível.”
A especialista lembra que, no longo prazo, essa taxa se torna insustentável e que num horizonte alargado de tempo trata-se de uma oportunidade muito atrativa para o investidor: um papel de baixo risco, ligado à capacidade do governo de honrar sua dívida.
“Ou a gente tem um problema de dominância fiscal e flerta com a hiperinflação novamente ou então essa taxa vai baixar. Como a gente não acredita que estamos flertando com o abismo, a taxa é transitória. Por isso ela significa uma oportunidade.”
Oportunidade histórica: IPCA+ acima de 7% é raridade estatística
O caráter incomum desse patamar de juros reais aparece nos dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), compilados pelo analista financeiro Rafael Zattar. Ele lembra que, no histórico das Nota do Tesouro Nacional série B (NTN-Bs, antigo nome dos títulos IPCA+ no Tesouro Direto), juros acima de 7% além da inflação ocorreram apenas em 11% do tempo, enquanto a faixa de remuneração mais comum compreende entre 5% e 6% ao ano, que corresponde a cerca de metade das observações.
NTN-B 2035 (IPCA+)
Intervalo de tempo
Período abaixo dos 5,00%
10,27%
Período entre 5,01 e 6,00%
49,62%
Período entre 6,01 e 7,00%
27,61%
Período acima de 7,01%
12,51%
Taxa máxima do papel
IPCA + 7,88
Fechamento 30/05/2025
IPCA + 7,28
NTN-B 2045 (IPCA+)
Intervalo de tempo
Período abaixo dos 5,00%
11,91%
Período entre 5,01 e 6,00%
50,75%
Período entre 6,01 e 7,00%
25,92%
Período acima de 7,01%
11,43%
Taxa máxima do papel
IPCA + 7,66
Fechamento 30/05/2025
IPCA + 7,14
“Em estudos de rentabilidade, dificilmente bons fundos ou investidores superam inflação mais 6% de forma consistente. Com 7,5%, você está no primeiro quartil. É prato cheio para marcação a mercado”, raciocina o analista.
Zattar cita o exemplo do Tesouro Renda+ 2065, que comprou em 30 de janeiro a 7,49% e viu a taxa cair para 6,8% sete meses depois, o que gerou um retorno de quase 40% no período. “Se a taxa volta à normalidade, o ganho é interessante tanto na marcação quanto no carregamento até o vencimento. O carrego acima da média é muito bom.”
Vale salientar que a curva de juros dos títulos públicos está invertida, ou seja, com os títulos de vencimentos mais longos, a exemplo do IPCA+ 2040 e 2050, pagando taxas prefixadas menores em relação aos mais curtos, como IPCA+ 2029, hoje na cada dos 7,60%. O papel de 2040 estava pagando IPCA+7,03% na manhã de 13 de agosto e o com vencimento em 2050, IPCA+6,93%.
Os riscos de vender o título antes do vencimento
Economistas ouvidos no boletim Focus estimam uma Selic terminal em 15% este ano e de 12,5% para 2026; expectativas impactam os prêmios de Tesouro Prefixado e IPCA+. (Imagem: Sergio em Adobe Stock)
Laís Costa, da Empiricus, acrescenta que a aposta de curto prazo, pensando em marcação a mercado, tem seus riscos. Segundo ela, o investidor deve entrar nesses papéis sempre pensando em levar o título até o vencimento. Isso porque sempre há a possibilidade de os juros altos, ficarem mais altos ainda.
“Temos um período eleitoral e um governo dos EUA pouco amigável. Esses fatores podem pressionar as taxas para cima e gerar prejuízo a quem entrar pensando no curto prazo”, adverte.
Neste sentido, os títulos de vencimentos médios, como o IPCA+ 2029, hoje são melhores apostas em relação àqueles com prazos mais longos. “O meio da curva está mais alto porque a inflação está caindo. O último dado de inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)veio abaixo do esperado, [0,26% em julho]”, argumenta Laís Costa. “Para prazos menores, eu prefiro o prefixado”.
Hoje, o Tesouro Prefixado 2028 está pagando acima de 13% ao ano. “Não vale pegar duration muito longa porque o mercado não está pagando prêmio. Longuíssimo significa, basicamente, risco fiscal; se for para assumir tanta volatilidade, a Bolsa de Valores paga mais”, argumenta.
No jargão do mercado financeiro, durationmostra o tempo médio que um título leva para pagar todo o valor investido, considerando juros e prazos.
IPCA+ 7,5%: probabilidade alta de ganhar do CDI
Victor Furtado, Head de Alocação da W1 Capital, reforça a ideia de que vale a pena travar os retornos em médio prazo. Ele aponta que, em 93% das vezes que o índice IMA-B5 chegou ao equivalente a IPCA+6%, o investimento superou o CDIem 12 meses e, em 97% das vezes que bateu IPCA+7%, o desempenho foi bem acima do CDI em 12 meses.
Número de investidoras no Tesouro Direto superou 1 milhão; entre os títulos oferecidos, o IPCA+. (Foto: Adobe Stock)
É importante saber que o IMA-B5 é um indicador de mercado da Anbima que mede uma carteira teórica de títulos públicos federais atrelados à inflação com vencimentos de cinco anos. Já o Certificado de Depósito Interbancário (CDI) corresponde à taxa de empréstimos entre bancos, muito próxima à Selic, e que é a principal referência de investimentos no Brasil.
“Os títulos estão oferecendo um ótimo retorno num país com histórico de IPCA alto. Essa taxa real prefixada é rara. Acreditamos que bons ventos estão por vir; por isso, é hora de aproveitar”, considera o especialista.
Na comparação entre os papéis que seguem a inflação ou juros, os especialistas preferem a primeira opção, mesmo com o Tesouro Selicpagando mais atualmente. Essa última opção serve apenas para para caixa e reservas de emergência e de oportunidade.
“Nossa perspectiva é de queda da Selic, possivelmente ainda este ano”, argumenta Laís Costa. Para ela, aplicar na taxa básica de juros serve para quem está pensando no curtíssimo prazo, vai fazer uma compra em poucos meses e não pode prender o dinheiro. “E num eventual cenário positivo o investidor teria muito mais a ganhar com IPCA+ do que com Selic”.
Enrico Gazola, economista pelo Insper e sócio-fundador da Nero Consultoria, recomenda a estratégia Barbell: Tesouro Selic na ponta de liquidez, para períodos de incerteza, e IPCA+ escalonado na outra, para casar passivos de longo prazo e capturar ganhos quando os juros caírem. “Assim você equilibra segurança e potencial de ganho, sem concentrar tudo num único tipo de ativo.”
Risco de calote fora do radar, mas é bom diversificar
Os especialistas dizem que o risco de calote ou de reestruturação da dívida por parte do governo está fora do horizonte no curto e médio prazo. A preocupação, segundo a Laís Costa, está na trajetória da dívida. “Hoje não vemos problema de sustentabilidade para os próximos anos, mas precisamos de um plano fiscal crível para o longo prazo.”
Para o economista Roberto Piscitelli, integrante da Comissão de Política Econômica do Conselho Federal de Economia (Cofecon), a taxa de juros real no Brasil está entre as mais altas do mundo, inibindo investimento produtivo e drenando recursos do orçamento público. “É insustentável, e quem quer que seja o novo presidente em 2026 vai ter que enfrentar isso.”
Furtado lembra que, se nada mudar, o País pode chegar a 2027 com a dívida em nível crítico, mas que a renda fixa ainda vai estar protegendo o patrimônio. Mas diversificar nunca é demais. “Dólar, ouro, ativos no exterior. Hoje, o juro nos EUA é alto e pode ser uma boa oportunidade.” Zattar e Laís concordam que, além de renda fixa, o investidor precisa ter proteções cambiais e ativos reais para atravessar as eventuais turbulências no Brasil.