Aproximadamente 1/3 da carteira consolidada do banco, cerca de R$ 409 bilhões, são de ativos ligados ao agronegócio. Cerca da metade do crédito agrícola do País passa pelo BB.
Não demorou muito para o otimismo dos executivos dar lugar a ajustes de rumo. Em maio, após a empresa divulgar seu balanço do primeiro trimestre (1T25) reportando alta na inadimplência, queda no lucro e mudança no guidance (planejamento financeiro), as ações do banco despencaram 12%. Seu preço caiu de um patamar de máxima histórica, perto dos R$ 30, para menos de R$ 25.
Choque de realidade
Em seu pior momento do ano, em agosto, BBAS3 chegou bem próximo dos R$ 18, um recuo de quase 40%. Este foi o mês em que o banco divulgou os resultados do 2T25, reportando uma queda de 60% no lucro líquido ajustado na comparação anual e um novo guidance. Desta vez, reduziu em até 45% a projeção de lucro líquido para o ano e também a sua política de remuneração aos acionistas, prevendo pagar menos dividendos.
Em novembro, novo baque de 60% no lucro na comparação com o 3T24, mas estável em relação ao segundo trimestre de 2025. O resultado ruim veio em linha com as projeções do mercado e, desta vez, as ações não sofreram novas baixas.
O balanço do terceiro trimestre de 2025 veio acompanhado de um novo planejamento, com o banco reduzindo a previsão de lucro para a faixa entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões em 2025, contra a estimativa anterior de R$ 21 bilhões a R$ 25 bilhões. A taxa de inadimplência continuava a subir, com os calotes de 90 dias atingindo 4,93% da carteira, contra 4,21% no segundo trimestre e de 3,33% no 3T24. O retorno sobre o patrimônio líquido (ROE, na sigla em inglês) bateu 8,4% no período.
O retorno sobre o patrimônio líquido é o principal indicador para avaliar a rentabilidade de um banco e a sua capacidade de extrair lucro com a sua riqueza. Na avaliação do mercado, esse resultado ficou muito abaixo do custo de capital do banco, na casa de 20%, segundo análises da Genial.
Essa é a taxa mínima que o banco precisaria ganhar para compensar o risco de usar o dinheiro dos acionistas e manter o negócio valendo a pena. “O BB destruiu o valor em 2025. O retorno que o acionista teve ao longo do ano não remunerou o custo capital”, observa Antônio Martins, analista de ações da Kinea.
Inadimplência veio para ficar?
A rentabilidade do Banco do Brasil vinha em um patamar considerado elevado e estável desde 2022. “No resultado do primeiro trimestre, essa dinâmica mudou. O ROE recuou de forma relevante, refletindo a deterioração significativa da carteira de crédito do agronegócio”, relembra Eduardo Nishio, analista chefe de ações da Genial Investimentos.
Martins, da Kinea, aponta que a piora no Banco do Brasil não se restringiu ao agronegócio. A inadimplência avançou também em clientes pessoa física e em pequenas e médias empresas, destoando dos outros bancos, que não reportaram muitos problemas nesses dois segmentos.
A mudança contábil, através da Resolução CMN 4.966 que passou a valer este ano, também teve impacto importante nos resultados do BB. Isso forçou o banco a reduzir reconhecimento de receitas e aumentar as provisões. Na prática, a nova regra tornou o reconhecimento de receitas mais rígido, com os bancos sendo obrigados a parar de contabilizar juros após 90 dias de inadimplência do cliente.
Diferente de outros bancos que já haviam se adaptado, o BB operava majoritariamente no modelo de perda incorrida, enquanto a nova regra passou a exigir perda esperada. “Perda esperada é o quanto você acha que vai perder, então você acaba tendo que provisionar mais. E como os outros bancos não estão piorando essa linha, ou não têm tanto agro como o Banco do Brasil, não tiveram que fazer todo esse alarde em relação ao segmento”, analisa Nishio.
O problema de inadimplência poderá se arrastar por mais alguns trimestres. “Normalmente, quando um banco entra num ciclo ruim, demora um pouco mais pra ajustar. Não é um tipo de negócio que você resolve em dois trimestres”, diz o analista da Kinea. Ele lembra que a raiz do problema permanece viva. “A situação do produtor rural ainda está muito ruim. O preço das commodities não recuperou, o custo segue elevado, o real valorizado é ruim para quem vende em dólar. O produtor ainda está alavancado e o juro continua alto.”
Gestão é foco de crítica
Apesar das dificuldades, o governo deu uma mãozinha que pode ajudar o setor e, por tabela, o Banco do Brasil. Em setembro, a Medida Provisória 1.314, liberou até R$ 12 bilhões em crédito extraordinário do Tesouro Nacional para renegociação de dívidas rurais no agronegócio.
O foco são os produtores afetados por eventos climáticos adversos (como secas e enchentes) em pelo menos duas safras entre julho/2020 e junho/2025. “Essa nova regulamentação vai dar oportunidade do banco renegociar algumas dívidas em até 9 anos. Isso vai abrir um espaço para uma melhora ou adiamento de inadimplência no ano que vem”, acredita Nishio.
Para Martins, da Kinea, o Banco do Brasil poderia ter evitado boa parte dos problemas que consumiram a operação este ano. Na visão dele, o banco ignorou sinais de deterioração e seguiu acelerando concessões enquanto concorrentes já recuavam. Além disso, manteve exigência de garantias frágeis, além da política de provisões defasada. O mercado, no entanto, começa a ver uma reação positiva da gestão, a começar pelas garantias de crédito, que deixaram de ser atreladas à safra e passaram a focar na alienação de terras e equipamentos.
Nishio avalia outro ponto positivo da gestão, em relação a uma postura mais firme na condução dos contratos em recuperação judicial, para tentar recuperar parte das perdas. “O pessoal que entrou em recuperação judicial para se proteger vai ser processado. Eles vão conduzir até o final. É até saudável como exemplo: ‘não adianta fazer isso, a gente vai executar’”, diz.
Estatal entra no ano eleitoral
Com tantos desafios, o BB vai entrar em 2026 em “modo limpeza” e não deverá engatar o “modo crescimento” tão cedo. Mas por ser uma estatal, há um elemento dificultador no processo de saneamento do banco, principalmente num ano eleitoral como 2026.
O custo capital do Banco do Brasil é superior aos dos concorrentes privados e diminuí-lo é um problema. Enquanto isso, as instituições privadas têm menos dificuldades de implementar uma agenda de fechamento de agências, focar no digital e reduzir pessoal.
O mercado também duvida da capacidade do banco de manter disciplina na oferta de crédito, dada a pressão natural por estímulo em períodos de eleições. Sendo negociado a 70% do seu valor patrimonial (P/VP), ou seja, precificado abaixo do que valem seus próprios ativos, o Banco do Brasil ainda está longe de se mostrar “barato”. “O grande diferencial para 2026 vai ser a eleição”, observa Nishio.