Trata-se da Medida Provisória 1.314/25, que estabelece condições especiais para produtores rurais negociarem e amortizarem dívidas. Por meio desta medida, o governo concede R$ 12 bilhões para que bancos possam refinanciar estas dívidas, alongando assim o vencimento do crédito agro. As dívidas que antes tinham que ser pagas em até 1 ano, agora têm espaço para que os produtores paguem em até 9 anos, ganhando o primeiro ano de carência. Na visão de analistas, essa MP vai trazer um grande alívio diante da pressão da inadimplência agro futura. Mas será que coloca um ponto final a todos os riscos na retomada do BB?
O analista Pedro Ávila, da Varos Research, elenca alguns impactos positivos da MP 1314. O primeiro é que, ao final do 3º trimestre de 2025, o BB possuía uma carteira agro em atraso superior a 90 dias de R$ 19,3 bilhões. E a instituição manifestou uma meta de renegociar entre R$ 24 e R$ 28 bilhões. “Isso significa que a MP 1314 não só alivia a inadimplência futura, mas também tem potencial para aliviar a inadimplência agro atual”, diz Ávila.
Haveria, segundo o analista, também um impacto colateral positivo na carteira de crédito pessoa física. Dado que boa parte dos produtores rurais, que não conseguiram honrar o crédito agro, também não estavam conseguindo pagar suas contas de crédito na pessoa física. Desta forma, se a MP 1314 gera um alívio no fluxo de caixa do produtor, isso também tende a reduzir a inadimplência da pessoa física.
Há ainda o fator de que o BB parece ter aprendido a lição e está aproveitando as renegociações para corrigir o erro de garantias fracas, pontua Ávila. Nos últimos anos, muitos bancos passaram a emprestar dinheiro em troca de garantia de terras, mas o BB usava outros formatos. Agora, o banco estatal passou a fazer uso dessa alienação fiduciária, de modo que se o produtor não paga o crédito, perde a terra. Na visão de Ávila, isso corrige o problema de inadimplência do BB no futuro.
O analista Milton Rabelo, da VG Research, também está otimista com os efeitos dessa MP, mas destaca que os impactos não foram visíveis nos resultados do 3º TRI25 porque a medida foi editada em setembro e implementada no final de outubro, portanto o alívio só surge a partir do 4º trimestre de 2025, com destaque para 2026, beneficiando o capital do banco com redução das provisões para devedores duvidosos.
“Vale destacar que existe uma defasagem natural entre o tempo de execução e reconhecimento contábil”, pontua o analista.
Apesar de ser uma boa solução, Rabelo avalia que a MP 1314 não resolve estruturalmente a crise do agronegócio brasileiro, mas é um paliativo com alívio relevante. Isso porque para chegar nesta situação, os produtores se endividaram após anos de bonança do agro, enquanto as commodities agrícolas caíram de preço no mercado internacional. “A MP 1314 não muda este cenário, mas será positiva para agricultores e credores”, diz.
Quando os impactos surgem na rentabilidade?
O Banco do Brasil tem avançado rapidamente nas negociações pelo programa BB Regulariza. No começo de novembro, quase R$ 6 bilhões em renegociações tinham sido aprovados e cerca de R$ 11 bilhões estavam em análise. O banco manifestou que já havia contatado 75% dos clientes-alvo da linha de renegociação. “Em suma, o BB conseguiu avançar em 24 dias, o que esperava levar 2 meses”, comenta Ávila.
O BB também reduziu a concessão de financiamento para o agronegócio na safra 2025/2026, que começou em 1º de julho e vai até 30 de junho de 2026, quando desembolsou R$ 85 bilhões, abaixo dos R$ 105 bilhões da temporada anterior.
O analista da Varos tem uma visão otimista com BB Regulariza e acredita que unindo o potencial da queda dos juros com a MP 1314, o BB possa ter uma virada de rentabilidade já entre o 1º trimestre e 2º trimestre de 2026. “Acredito que o mercado está subestimando a velocidade de retomada do Banco do Brasil. Não me surpreenderia ver um Retorno sobre Patrimônio Líquido acima de 15% em 2026”, diz Ávila. No 3º TRI25, o ROE do banco estatal ficou em 8,4% longe da média histórica de 16%.
Fernando Marx, especialista colaborador no TC, também enxerga espaço para esse ROE de 15% já no próximo ano e melhorias no balanço da estatal no 1º TRI 2026. Na visão dele, o BB poderia retirar dezenas de bilhões de reais provisionados em 2025 que elevariam o lucro em 2026, com possibilidade de ter dividendos maiores.
Contudo, Marx destaca que apenas a MP não resolve o problema estrutural do agro, e o BB precisaria surfar em juros menores e preços dos grãos mais elevados para encerrar completamente o capítulo da crise. Segundo a gestão do banco, as cotações dos principais produtos agrícolas devem retornar aos níveis históricos nos próximos meses, assim como a rentabilidade dos produtores.
Renato Reis, analista da Blue3 Research, já acredita em melhorias antecipadas, com efeitos no resultado do 4ºTRI25, a ser divulgado até março de 2026. Mas reforça que embora o benefício não seja irrelevante, não resolve todo o problema. “Só uma boa safra de crédito concedida sob boa análise poderia equacionar esse cenário”, defende.
Além disso, Rabelo destaca que as recuperações judiciais ainda podem penalizar o balanço da instituição dado que a gestão já deixou claro no último resultado que inflexões nas RJ só devem ser vistas no 1ºTRI26, um viés ainda cauteloso.
Há mais riscos no radar?
Segundo os analistas, o agro não é o único ponto de atenção do BB: há claros sinais de alerta na inadimplência das carteiras PF e PJ.
Reis cita que a inadimplência da carteira de pessoa física está avançando e não há plena cobertura, um ponto para ficar de olho diante da economia brasileira retraindo.
Há ainda o risco de ingerência política pelo ano eleitoral em 2026, na visão de Marx, caso o BB opte por ser mais frouxo na concessão de crédito, algo que ainda não estaria precificado nas ações BBAS3.
BB vale para dividendos?
Um olho no peixe e outro no gato. A MP 1314 traz um olhar mais otimista para os analistas sobre o futuro dos dividendos e lucratividade do BB em 2026, mas sempre é bom ter os pés no chão.
Marx, do TC, acredita que a depender da velocidade da retomada, o payout (parcela do lucro líquido destinada a proventos) poderia mirar os 40% já em 2026. Embora a gestão do banco, já sinalizou que a pretensão é 30% com espaço para extraordinários no começo de 2027. Mas se o payout aumentar e o ROE chegar a 15%, Marx acredita que o dividend yield do BB saltaria de 6% para 8%.
Ávila, da Varos, ainda não considera os efeitos da MP, e acredita que em 2026 o dividend yield do BB será de 4,6%. Mas se a MP tiver sucesso, haveria chance de o retorno em dividendos saltar até 7%. Ele recomenda compra do papel, mas não olhando renda passiva e sim valorização, até o preço de R$ 25.
Rabelo ainda enxerga o curto prazo como desafiador, com dividendos retraídos para 2026, mas encontra oportunidade no ativo para o longo prazo. “Momentos de crises agudas se mostram historicamente pontos importantes para contratar renda passiva futura”, defende. Ele espera um dividend yield de 5,5% no BB para 2026 e recomenda a compra até R$ 23,80.
Reis é mais cauteloso e acredita que não faz muito sentido tentar acertar o fundo do poço do BB, principalmente com um ROE de 8%. Para o analista existem outros bancos com bons fundamentos e entregando melhores resultados.
Outros bancos impactados
Não é apenas o BB que sentiria os benefícios da MP 1314, mas sem dúvida é o mais favorecido pela sua forte exposição ao crédito rural. Ávila cita que o Banco da Amazônia também poderia ter efeitos latentes, seguido por Banco ABC – que trabalha mais com empresas- e o Bradesco.
Embora a situação destes bancos seja menos complexa, porque já trabalhavam com garantia em terras, os produtores tinham maior incentivo a honrar as dívidas.