Pouso suave de um mercado de trabalho ainda aquecido
Apesar do desemprego em mínimas históricas e do forte avanço dos salários, sinais recentes de desaceleração indicam compatibilidade gradual entre emprego e inflação, sem ruptura do ciclo econômico
Mercado de trabalho ainda aquecido começa a dar sinais de desaceleração, segundo dados recentes. (Foto: Adobe Stock)
Poderíamos dizer que o aspecto mais relevante para medir o sucesso de uma economia é o mercado de trabalho. Isto é, em que medida a organização social e econômica de um país é capaz de permitir pleno emprego e bons níveis de renda. Para os economistas, é sempre uma tarefa arriscada avaliar o mercado de trabalho, porque quando o diagnóstico é de um “sobreaquecimento”, quase certamente será tido por um “estraga-prazeres”. Contudo, os economistas — e o Banco Central, por falar nisso — também desejam desemprego baixo. Só não desejam que isso ocorra de forma incompatível com a estabilidade da inflação, para evitar uma espiral de aumentos nominais dos salários que depois sejam corroídos pelo aumento de preços.
Nosso foco será avaliar essa compatibilidade conjuntural entre as condições do mercado de trabalho e a inflação.
Antes, vale um breve comentário sobre mudanças mais estruturais do mercado de trabalho que têm sido positivas e que resultaram na queda da chamada taxa natural de desemprego (aquela que pode ser sustentada na média ao longo do tempo e que não pressiona a inflação).
Reforma trabalhista, escolaridade e novas formas de ocupação
A Reforma Trabalhista de 2017 trouxe mais flexibilidade para o mercado de trabalho, permitindo uma redução estrutural da taxa de desemprego, segundo alguns estudos. O aumento da escolaridade da população também é um fator favorável.
Formas de ocupação novas, como os “trabalhos por aplicativos”, também resultam em queda estrutural da taxa de desemprego – o Relatório de Política Monetária de setembro de 2025 do Banco Central trouxe inclusive interessante estudo sobre o tema. Parte da queda da taxa de desemprego dos últimos anos, portanto, decorre de movimentos permanentes e sustentáveis.
Mas também existe um contexto conjuntural que tem resultado em um mercado de trabalho aquecido. A taxa de desemprego alcançou seu mínimo histórico nesse ano e tem mostrado estabilidade abaixo de 6,0% desde julho (muitos estados do País estão com taxas compatíveis com o pleno emprego, com taxas próximas de economias desenvolvidas).
Desemprego em mínimas históricas e percepção positiva dos consumidores
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) realiza uma sondagem junto aos consumidores (entrevistas com cerca de 2 mil pessoas) que também revela uma percepção favorável sobre o mercado de trabalho, com o indicador sobre as condições de emprego no melhor patamar desde 2013.
A melhora também ocorreu de forma generalizada, com todas as regiões do País apresentando redução da taxa de desemprego nos últimos 12 meses. Claro, prossegue um quadro de disparidade substancial entre as regiões Norte e Nordeste, de um lado, e Sul, Sudeste e Centro-Oeste, de outro. O desemprego é em torno de 7,5% no primeiro grupo, contra aproximadamente 4% no segundo.
São razões históricas e estruturais que fogem à nossa discussão, mas vale acrescentar a informação que a diferença de rendimento médio também é substancial: R$ 2.500 contra R$ 4.000, respectivamente (uma diferença de quase 60%).
Sinais recentes de desaceleração começam a aparecer
Contudo, ao longo dos últimos meses, há sinais de algum desaquecimento do mercado de trabalho. É mais um reflexo do aperto da política monetária, assim como temos observado em outros indicadores de atividade econômica. Como dissemos, a taxa de desemprego tem apresentado estabilidade desde o 2º trimestre do ano.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a valor de face, mostram mesmo uma queda substancial do nível absoluto do número de ocupados (superior a 400 mil ocupados entre junho e outubro), mas isso parece ser uma distorção normal de uma pesquisa amostral.
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Para medir a trajetória de geração de empregos, os dados do Caged de emprego formal são mais precisos. Com base neles, podemos também observar alguma desaceleração. A média de criação de vagas no 1º semestre foi de 160 mil, passando para 80 mil nos 3 meses encerrados em outubro.
A desaceleração, portanto, parece clara.
Salários ainda crescem em ritmo incompatível com a meta de inflação
De outro lado, a evolução dos rendimentos nominais revela que a situação do mercado de trabalho, apesar da desaceleração, ainda é de uma situação aquecida. Considerando os rendimentos de todos ocupados, a PNAD-IBGE aponta para um aumento nominal de 9% em outubro em relação ao ano passado. Observando as taxas anualizadas em 3 e 6 meses, chegamos a números parecidos, em torno de 8,5%.
Aqui é quando retorna aquele “estraga-prazeres” do início do texto: esse é um ritmo incompatível com uma inflação estável em torno da meta oficial. É claro que algum ganho real de rendimentos é sustentável ao longo do tempo, mas ganhos de 4 a 5 pontos acima da inflação raramente são viáveis por um longo período, pelo menos ao ritmo atual de investimento e ganhos de produtividade do País.
Mesmo em relação à geração de vagas, é possível notar que o mercado de trabalho segue resiliente: o ritmo atual de vagas formais está em torno do neutro para comportar novos ingressantes no mercado de trabalho e o aumento da formalização dos ocupados (estamos nos referindo aos dados do Caged).
Portanto, do ponto de vista da política monetária, ainda parece existir um ponto de dúvida a ser dirimido sobre o mercado de trabalho.
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Para complicar a análise, a evidência de outros ciclos de atividade econômica mostra que a geração de vagas e os rendimentos reagem com defasagem à taxa de juros. Assim, a política monetária precisa se antecipar aos movimentos.
De todo modo, quando consideramos as perspectivas para 2026 e a possibilidade de que se inicie, em breve, um ciclo de redução do grau de aperto da política monetária é provável que tenhamos um pouso suave do mercado de trabalho.