O que este conteúdo fez por você?
- A hiperinflação e o confisco da poupança são marcos que definiram a relação do brasileiro com sua grana até agora
- A crise atual tem o potencial de transformar esta nossa cultura com dinheiro – sair da gastança e da ostentação rumo a uma forma mais saudável de gastar (e investir)
- Ter reserva de emergência é uma necessidade básica: esta é a primeira lição que a pandemia vai nos deixar
A nossa história é sempre a raiz dos nossos comportamentos e valores – e este princípio também vale para as nossas finanças. Muito do nosso comportamento com dinheiro está relacionado com a história econômica recente brasileira.
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Quer um exemplo? A cultura da compra do mês no supermercado é uma herança da hiperinflação. De meados dos anos 1980 até 1994, o brasileiro tinha que correr para o supermercado no dia que recebia o seu salário. Se não fosse, corria o risco de não conseguir encher o carrinho no dia seguinte, já que os preços eram remarcados diariamente (ou até algumas vezes por dia).
O medo de investir também tem motivo: em 1990, o governo anunciou o congelamento das contas correntes e de poupança do dia para a noite. Na prática, todo o dinheiro que tínhamos guardado foi confiscado – e tem gente lutando até hoje para conseguir reaver o seu patrimônio.
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A hiperinflação e o confisco da poupança são marcos que definiram a relação do brasileiro com sua grana até agora. A herança destes dois eventos foi a inversão dos conceitos de gastar e guardar, de acordo com estudo realizado pelo Itaú. Passamos a associar o gasto à realização de sonhos e a boas escolhas, enquanto o ato de poupar ficou ligado ao risco e medo de perder tudo.
A pandemia do coronavírus tem o potencial de transformar esta nossa cultura com dinheiro – sair da gastança e da ostentação rumo a uma forma mais saudável de gastar (e investir).
A primeira lição que a pandemia vai nos deixar é que ter a sua reserva de emergência é uma necessidade básica
O choque da pandemia e da quarentena está ligado, em parte, a como tudo aconteceu de forma tão repentina. Em um dia, estava tudo bem e todos aproveitávamos o Carnaval. Rapidamente, tudo se transformou e a economia entrou em um coma induzido. Quem poderia ter imaginado algo assim?
A realidade é que a maioria dos brasileiros foi pega de calças curtas. Pouquíssimas famílias tinham uma reserva financeira – e muitas estavam endividadas além da sua capacidade antes de o coronavírus chegar ao Brasil. Como lidar com este cenário de caos?
Aqueles que tinham uma reserva para imprevistos nunca pensaram que ela poderia ser necessária para ajudar a pagar as contas em uma crise na qual as empresas fechassem as portas, os profissionais autônomos e informais ficassem sem renda e que o desemprego avançaria fortemente. Mas é exatamente este o cenário que estamos vivendo.
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Esta lição já está sendo aprendida – a duras penas. De acordo com estudo lançado recentemente pela Febraban, a prioridade de muitas famílias agora é a construção do equilíbrio financeiro. Como no conto da cigarra e da formiga, tivemos que encarar a realidade de que é fundamental guardar um pouco do que ganhamos para os dias de inverno.
Mas não adianta ter dinheiro guardado: tem que ter liquidez também
No início da crise, recebi depoimentos tristíssimos de pessoas que tiveram todos os seus investimentos dilacerados pela crise do mercado de ações. A Bolsa brasileira chegou a perder 50% de valor em poucas semanas, na retração mais forte da história.
Não adianta construir uma poupança considerável, se tudo está investido em aplicações de risco ou de baixa liquidez. Todos precisam ter uma parte do seu patrimônio em investimentos de alta liquidez – para poder resgatar na hora que precisar, sem ter que vender as suas ações na baixa ou esperar um prazo enorme para o resgate dos títulos ou cotas.
Eu sei: com a Selic a 2% ao ano, investimentos com alta liquidez têm retornos reais baixíssimos. Mas não tem jeito. A sua reserva de emergência tem que estar com fácil acesso.
Por fim, aprendemos também que nem tudo que amamos é essencial
Viagens, celular novo, um closet recheado… Tudo para nós era essencial antes desta pandemia. Conseguir diferenciar o essencial do supérfluo era uma missão impossível para muitos de nós.
Mas bastou a pandemia chegar para termos que nos confrontar com a realidade que essencial mesmo é conseguir pagar as contas em dia e ter a geladeira cheia (sem estoque de comida, por favor). O corte de gastos supérfluos foi quase que automático – e passamos a enxerga-los de outra forma. É bom ter pequenos prazeres – mas eles não podem destruir a nossa conta corrente.
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A ostentação, o consumo por impulso, muito disto já está acabando. Segundo levantamento da CNI, 7 em cada 10 brasileiros cortaram gastos durante a quarentena – e 36% afirmam que essa redução será permanente.
Esta pandemia ceifou mais vidas do que conseguimos conceber e impactou a vida do planeta todo de formas irreversíveis. Meu desejo, no entanto, é que possamos levar conosco estas lições e uma nova percepção sobre a nossa vida financeira. Podemos sim usar este momento para amadurecer a nossa relação com dinheiro.