Tudo sobre Renda Fixa

Marilia Fontes é sócia-fundadora da Nord Research e possui 12 anos de experiência de mercado financeiro. Trabalhou como gestora de renda fixa e câmbio em gestoras como Itaú, Mauá e Kondor, em fundos de até R$ 2 bilhões, com operações nacionais e internacionais. Na Empiricus, ela foi a analista fundadora e responsável pelos relatórios: Tesouro Empiricus e Empiricus Renda Fixa. Marilia é mestre em Economia pelo Insper e autora do livro “Renda Fixa NÃO é fixa!”
Twitter: @mariliadf2

Escreve na terceira sexta-feira de cada mês

Marilia Fontes

Boa ou má notícia? O Banco Central quer manter a Selic baixa

O que poderia atrapalhar seus planos seriam novos gastos fiscais que comprometessem a credibilidade do Tesouro

(Foto: Evanto Elements)
  • No trecho mais importante do comunicado, o Copom avisa que a atual taxa Selic está “apropriada” no nível atual de 2%, e que caso as projeções de inflação sigam abaixo da meta, a Selic deve se manter neste patamar
  • Sobre a alta da inflação corrente, o Copom manteve seu diagnóstico de que a pressão atual é temporária, e deve voltar ao longo dos próximos meses

Na tarde de quarta-feira, 28 de outubro, o Banco Central (BC) manteve a Selic estável em 2%, em mais uma reunião do Copom. O Copom é o Comitê de Política Monetária, que se reúne a cada 45 dias para decidir a trajetória da taxa Selic, a taxa de juros básica da economia.

Após a decisão, ele sempre publica um comunicado com o resumo do que foi discutido, além de explicações a respeito da decisão. O mercado financeiro lê atentamente as palavras, procurando pistas sobre os próximos passos do juro.

Sobre a alta da inflação corrente, o Copom manteve seu diagnóstico de que a pressão atual é temporária, e deve voltar ao longo dos próximos meses. Ele notou que a alta aconteceu em alimentos e produtos industriais, que são mais impactados pela desvalorização cambial.

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Dizer que é temporária significa avisar que o BC não irá combater a alta de preços com juros. A taxa de juros demora 3 trimestres para impactar a economia. Assim, não faria sentido o comitê subir a taxa hoje para controlar um preço que demora poucos meses para voltar.

A política monetária visa combater apenas processos inflacionários generalizados (em vários itens) e persistentes. Esse tipo de alta dos preços causa vários prejuízos à economia, como já presenciamos no passado em épocas de hiperinflação.

Além disso, o Copom manteve um trecho do comunicado que dizia que o espaço remanescente para queda de juros, se houvesse, seria pequeno. Alguns participantes do mercado acharam ruim essa comunicação, uma vez que estamos no meio de uma alta de preços no atacado além de potenciais aumentos de gastos. Eles defendem que o BC deveria ter fechado a porta por completo para novas quedas.

Por outro lado, a continuidade deste mesmo trecho que dizia que novas quedas viriam com parcimônia foi retirado. Para mim isso foi um sinal mais claro de que o comitê não está ensaiando novos cortes.

No trecho mais importante do comunicado, o Copom avisa que a atual taxa Selic está “apropriada” no nível atual de 2%, e que caso as projeções de inflação sigam abaixo da meta, a Selic deve se manter neste patamar. Essa dica sobre os próximos passos dos juros é chamada de “forward guidence” e está sendo amplamente utilizada por vários bancos centrais do mundo para manter as expectativas de juros baixos por muito tempo.

Muitos investidores têm dificuldade de entender porque o BC quer manter a Selic baixa por tanto tempo, mesmo vendo alguns preços subirem e o câmbio se desvalorizar.

Compreender essa vontade passa por reconhecer 3 pontos-chave do contexto mundial e local:

  • Envelhecimento da população e aumento da poupança

O envelhecimento da população de vários países está baixando os níveis de crescimento econômico, assim como aumentando a taxa de poupança. Quando o setor privado poupa mais, para que não entremos em uma recessão econômica, o setor público acaba por aumentar seus gastos e promover investimentos. Isso causa aumento da dívida pública, que já passa de 100% do PIB em diversos países desenvolvidos.

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  • Primeira e segunda onda do Coronavírus

A primeira onda do coronavírus parou a economia do mundo todo. Para que não entrássemos na maior recessão já vista em nossa história, diversos países tiveram que oferecer programas de auxílio à empresas e pessoas. Os auxílios garantiram uma queda na atividade menor que a tragédia esperada, mas mesmo assim, ainda muito relevante.

Mas, infelizmente, não acabamos a crise por aí. A Europa já se encontra com uma segunda onda de contágio que provoca novos planos de parada da atividade. Outros países também iniciam uma segunda onda, e os impactos na atividade e nas bolsas de valores já mostram que um menor crescimento está por vir.

  • Auxílio emergencial é temporário

O auxílio emergencial fornecido pelo governo brasileiro foi um importante seguro para as camadas de baixa renda da população. O poder de compra foi mantido, e em alguns casos até majorado. Reflexos desse dinheiro foram sentidos principalmente nos supermercados, e nos preços dos alimentos.

Mas, o auxílio é temporário e acaba em dezembro. Quando isso acontecer, o poder de compra de grande parte da população será novamente reduzido, e restará uma economia fraca, com desemprego alto, e com menor pressão nos preços.

Ou seja, o Banco Central vê baixo crescimento no mundo todo, vê o fim do auxílio emergencial em dezembro, e vê a alta brutal do desemprego interno. Olhando tudo isso, ele sabe que o Brasil só sairá desta crise com medidas estimulativas. Uma dessas medidas passa por uma taxa Selic baixa.

Claro que se a inflação estivesse subindo acima da meta proposta, ele não poderia manter as taxas baixas e seria obrigado a subir a Selic para controlar os preços, independente do impacto recessivo na atividade.

Mas não é isso que está acontecendo. A inflação corrente, medida pelo IPCA, acumula alta de 3,5% nos últimos 12 meses, enquanto a meta de inflação para 2020 é de 4%. As projeções de inflação dos economistas para 2021 medidas pelo relatório Focus estão em 3,10%, enquanto a meta é 3,75%.

Ou seja, o Banco Central ainda tem espaço para manter a política monetária em terreno expansionista e auxiliar na recuperação economia.

O que poderia atrapalhar seus planos seriam novos gastos fiscais que comprometessem a credibilidade do Tesouro, assim como provocasse novas ondas de desvalorização cambial e alta dos preços no atacado. Uma nova rodada de desvalorização poderia jogar o IPCA acima da meta.

Só falta combinar com os Russos!

O BC deixa claro em seu comunicado que esse plano de voo de altos estímulos só é factível caso o governo se mantenha em uma trajetória fiscal responsável.

Essa, caro investidor, é a variável chave que você mais precisa acompanhar atualmente.

Se o governo se mantém responsável, seguiremos com Selic baixa e poderemos vislumbrar uma recuperação econômica, mesmo que lenta.

Caso o governo invente uma prorrogação do auxílio ou um novo programa de renda, teremos alta da taxa de juros, que impactará negativamente no crescimento, podendo abortar qualquer expectativa de recuperação da atividade.

Tá fácil investir em um país assim, não é mesmo? Em casos binários como esse, a melhor dica que eu posso te dar, depois de mais de uma década de atuação no mercado financeiro é: às vezes não fazer nada é a melhor atitude.