O olhar do mercado internacional

Thiago de Aragão é diretor de estratégia da Arko Advice e assessora diretamente dezenas de fundos estrangeiros sobre investimentos no Brasil e Argentina. Sociólogo, mestre em Relações Internacionais pela SAIS Johns Hopkins University e Pesquisador Sênior do Center Strategic and International Studies de Washington DC, Thiago vive entre Washington DC, Nova York e Brasilia.
Twitter: @ThiagoGdeAragao

Escreve às sextas-feiras, a cada 15 dias

Thiago de Aragão

A Lei do Gás e o investidor externo

Há o entendimento de que algumas soluções aumentariam a atratividade

(Foto: Evanto Elements)
  • A Lei do Gás era absolutamente necessária por conta do momento que estamos vivendo no Brasil e no mundo
  • À medida que a pandemia foi prejudicando a economia de vários países mundo afora, a atratividade do gás natural aumentou por conta do seu baixo custo e também por ser menos poluente

A Lei do Gás (PL 6407/13) foi aprovada na Câmara dos Deputados essa semana e precisará passar pelo Senado antes de ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. Desde 2013, investidores estrangeiros observam o avanço desse Projeto de Lei por conta da possibilidade de expansão e desenvolvimento de um setor energético que representa agora apenas 13% da matriz energética do país.

A Lei do Gás era absolutamente necessária por conta do momento que estamos vivendo no Brasil e no mundo. A perspectiva de uma transição energética do petróleo para o gás natural estava jogada para um tempo no futuro. Na verdade, pensávamos que ainda estávamos distantes desse cenário. Porém, à medida que a pandemia foi prejudicando a economia de vários países mundo afora, a atratividade do gás natural aumentou por conta do seu baixo custo e também por ser menos poluente – apesar de ser uma energia fóssil. O gás natural representa a última etapa do ciclo da energia fóssil, constituída por carvão, petróleo e gás natural.

Com a aprovação da lei na Câmara, a matéria segue para o Senado. Uma vez aprovada, a possibilidade é que tenhamos um aumento grande da oferta de gás graças ao pré-sal. A Petrobrás (PETR4) deixa de ser monopolista (já vinha demonstrando que está nesse caminho, por conta dos desinvestimentos feitos pela empresa nos últimos anos) e abandona a lógica vertical de importar, produzir, transportar e participar da distribuição. Dentro desse processo de desinvestimento, a Petrobrás vendeu sua malha no Norte-Nordeste para a TAG (pertencente à francesa Engie) e também vendeu o gasoduto do sudeste para a Brookfield. Essa saída de cena da Petrobrás cria um novo cenário para o mercado de gás no País.

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No entanto, apesar de ser vista como boa e necessária, alguns investidores encaram essa Lei do Gás que surge agora como tímida. Dentro de um cenário onde a atração de investimentos se tornou uma disputa entre os países, por conta do empobrecimento global gerado pela pandemia, alguns em Wall Street e Londres entendem que a lei poderia ter algumas soluções que aumentariam sua atratividade.
Uma das principais preocupações de especialistas no Brasil, que também é compartilhada com investidores de fora, é que o risco de judicialização (um velho problema brasileiro) permaneça alto, mesmo com a aprovação da lei após passar pelo Senado. Diferentemente do setor elétrico, o setor de gás natural possui uma complexa e tênue fronteira entre os estados e o governo federal. A regulação da distribuição pertence aos estados, enquanto o transporte e a produção é regulada pelo Governo Federal.

O artigo 7, inciso 6 do PL, permite que a ANP (Agência Nacional do Petróleo) reclassifique gasodutos de distribuição para gasodutos de transporte. Isso possibilita que uma empresa peça à ANP a reclassificação de um gasoduto para transporte, levando os governos estaduais a reclamar judicialmente que o Governo Federal está invadindo suas jurisdições. Sabemos que a judicialização no Brasil é lenta e, caso ela ocorra, corremos o risco de ficarmos por um período sem gasodutos de transporte nem de distribuição. A busca por uma solução para esse potencial (e provável) problema deveria ser analisada pelo Senado.

Outro ponto que foi levantado relaciona-se ao artigo 30 do projeto que trata da desverticalização. Segundo o texto aprovado na Câmara, a mesma empresa não pode investir em todos os elos da cadeia. O objetivo desse ponto é segurar o monopólio da Petrobrás. No entanto, no momento que o PL foi escrito, a Petrobras não tinha a mentalidade de hoje, que é oposta à de buscar concentração na cadeia do gás natural.

Além disso, outros monopólios estabelecidos por empresas privadas também não são fáceis de se firmar. Entre vários mecanismos regulatórios, temos o CADE e outros órgãos monitorando o setor. Na visão dos investidores, esse artigo inibirá alguns investimentos. O artigo poderia ser estabelecer bases de funcionamento semelhantes às do setor elétrico. Nesse caso, o artigo 30 poderia ser flexibilizado para que não desestimulasse o investidor a curto prazo. Um exemplo é, novamente, o caso da Engie. A Engie comprou a TAG, responsável pelo transporte de gás Norte-Nordeste. De acordo com o PL, a Engie não poderia , por exemplo, comprar a Gaspetro porque já comprou uma empresa de transporte. Com a flexibilização, a compra da Gaspetro pela Engie não significaria um monopólio, atrairia um investidor que já é conhecedor do mercado brasileiro e já demonstrou apetite para investir no País. A ausência dessa flexibilização parece pressupor que o número de interessados em investir no setor no Brasil seja mais amplo e diversificado do que é na realidade.

Finalmente, um outro ponto que também foi levantado por especialista brasileiro e chamou a atenção de investidores externos relaciona-se ao conceito de térmicas a gás no setor elétrico (térmica inflexível). O gás do pré-sal, por exemplo, está intrinsecamente associado à exploração de petróleo. Se não houver uma demanda garantida de gás em terra, o dono do campo de gás do pré-sal não vai se sentir incentivado a investir na construção de infraestrutura que poderia levar o gás do mar até o litoral. Isso fará com que a lógica seja reinjetar o gás. Nesse caso específico, precisa-se de uma demanda contínua, senão não há por que investir em infraestrutura dentro de um ambiente não confiável (pelo excesso de judicializações e variações de posturas de governo) e burocratizado como o brasileiro. Para o dono do campo, a demanda vem do petróleo e não do gás. Hoje, o Brasil reinjeta no pré-sal o equivalente a todo consumo de gás natural que existe no País. Do jeito que está, o PL vai continuar incentivando as empresas petroleiras a reinjetar o gás e importar Gás Natural Liquefeito (GNL) de fora.

Térmicas a gás poderiam servir como âncoras para a monetização do gás do pré-sal, além de trazer uma vantagem para o setor, por conta da sua resiliência e segurança de abastecimento.

Ainda há tempo para ajustar a lei, mas provavelmente o Senado deverá avançar de forma similar à do Congresso. A aprovação da Lei do Gás não é ruim. No entanto, não é sólida o suficiente para que o investidor a enxergue como uma oportunidade imperdível.