Mente sã em bolso são

Ana Paula Hornos é psicóloga clínica, autora e comunicadora. Como especialista no despertar do potencial humano, do individual ao coletivo, dedica-se a ajudar pessoas na busca do bem-estar integral, unindo propósito, carreira, saúde financeira e atitudes conscientes para melhores resultados. Professora, mestre em psicologia e engenheira pela USP, com MBA em finanças pelo INSPER e especializações pela FGV e IMD, possui mais de 20 anos de experiência como executiva e empresária. Foi diretora de grandes empresas nacionais como o Grupo Pão de Açúcar e membro de Conselho de Administração da Essencis Ambiental. No E-Investidor, fala sobre finanças, comportamento, vida profissional e atitude ESG.

@anapaulahornos

Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias.

Ana Paula Hornos

A tecnologia pode trazer riqueza ou levar à miséria; basta saber usar

O que era esperado para acontecer em uma década de transformação digital ocorreu em um ano

Carro elétrico da Tesla. Foto: REUTERS/Rebecca Cook
  • Só no Brasil, houve crescimento de 68% em vendas on-line em 2020. De acordo com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) e por estimativa de executivo da ABFintechs, a quantidade de crédito colocada por fintechs na economia mais que dobrou neste período
  • O uso da tecnologia pode estar abalando também o terceiro importante pilar de saúde mental que é saber lidar com os estresses cotidianos
  • A psicologia tem sido amplamente aplicada e utilizada em pesquisas voltadas ao desenvolvimento tecnológico, como as que dizem respeito aos dilemas morais

Há uma grande polêmica se a tecnologia é aliada ou inimiga do homem. Será que ela colabora para aumentar ou diminuir o buraco no bolso do consumidor? Esclarece ou confunde o investidor? Facilita o trabalho ou rouba empregos? A possibilidade de a humanidade, a saúde mental, a tecnologia e a ética andarem de mãos dadas foi tema do painel que mediei na Fintouch 2021, promovida pela ABFintechs, com participação de Edson Rigonatti, fundador e sócio da gestora de venture capital Astella investimentos, e Diego Barreto, CFO da IFood, cujo conteúdo, com minhas ponderações e perguntas seguidas das opiniões dos panelistas, trago neste artigo.

Quais benefícios a aceleração tecnológica trouxe para a humanidade? 

A pandemia acelerou o processo tecnológico em velocidade de cruzeiro. Segundo especialistas, o que era esperado para acontecer em uma década de transformação digital ocorreu em um ano. Só no Brasil, houve crescimento de 68% em vendas on-line em 2020. De acordo com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) e por estimativa de executivo da ABFintechs, a quantidade de crédito colocada por fintechs na economia mais que dobrou neste período. Para Rigonatti, esta aceleração trouxe como benefício a otimização do tempo através da economia em deslocamentos e viagens a trabalho, substituídas por reuniões virtuais, que permitem, segundo ele, uma vida melhor, mais espaçada e mais suave. Já Diego vê esse processo de aceleração dentro de um contexto histórico, em que a qualidade de vida humana e bem-estar vem melhorando desde a Revolução Industrial.

É certo que o surgimento de fintech democratizou o acesso às opções de produtos financeiros, pois o consumidor pode hoje, sem sair de casa, fazer uma pesquisa entre as várias ofertas do mercado, o que, no passado, só seria possível indo pessoalmente ao banco.

Como a tecnologia pode resolver os problemas da própria tecnologia levando em consideração o ser humano? 

Por outro lado, preciso destacar o impacto da velocidade de dados no cérebro humano. A psicologia econômica mostra que, ao acelerar, as pessoas tendem a fazer escolhas mais impulsivas que podem ser baseadas em análises superficiais da informação, das notícias, resultando em crença de fake news. A saúde emocional e financeira podem estar em jogo quando o assunto é tecnologia. Para mostrar isso, trago aqui um paralelo entre os quatro pilares do conceito de saúde mental da OMS e o impacto do avanço tecnológico.

O primeiro pilar de saúde mental é dado pela garantia da autonomia e liberdade do ser humano, possivelmente comprometidas através da manipulação feita por algoritmos, que induzem distorções cognitivas em usuários e investidores levados a tomarem decisões por excesso de confiança e viés de confirmação (confirmam suas próprias crenças ao navegarem por informações seletivas e iguais, induzidas por buscadores).

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O segundo pilar importante apontado pela OMS para saúde mental é o indivíduo conseguir perceber suas próprias habilidades e valor. O desenho das redes sociais trouxe um novo sistema de avaliação e recompensas através do ranqueamento por likes, que estimula a cultura do cancelamento, mina muitas vezes a autoestima e a percepção dos próprios talentos.

O uso da tecnologia pode estar abalando também o terceiro importante pilar de saúde mental que é saber lidar com os estresses cotidianos. O atual contexto veio acelerar transtornos de ansiedade, que já eram apontados pela OMS como uma das doenças mais incapacitantes do mundo, antes da pandemia. Houve um aumento do nível de comportamentos compulsivos, em compras por exemplo, e especificamente no mercado financeiro, através do “day trade”, chegando a situações extremas, com casos de suicídios.

Os painelistas concordam com os desafios e fazem contrapontos. Barreto pondera que existe um movimento pendular em qualquer inovação na sociedade. Segundo ele, a criação de algo sempre é acompanhada de problemas que vão sendo corrigidos à medida que são identificados. Por isso é otimista quanto a inovação tecnológica e suas possíveis correções, e afirma que o saldo será positivo se o processo tecnológico for bem regulado.

Rigonatti acredita que se a tecnologia for bem usada, pode ajudar o homem inclusive em suas tomadas  de decisões através da correção de vieses cognitivos naturais, ampliando a realidade humana para realizar mais e melhor.

Existe espaço para uma sociedade mais equilibrada no contexto do avanço tecnológico?  

A quarta dimensão no fechamento da definição de saúde mental da OMS, refere-se à importância de o ser humano ser capaz de trabalhar de forma produtiva e para a comunidade. Cito, com muita preocupação, o movimento de muitos profissionais abandonarem suas carreiras escolhidas na busca do dinheiro rápido, impulsionados pelas estimulantes telas de cotações. Acrescentam-se a isso outros paradoxos tecnológicos de impacto no mercado de trabalho, como a necessidade de mão de obra mais qualificada, enquanto ainda se enfrenta no Brasil o desafio da baixa escolaridade; bem como o incremento em horas de trabalho diárias por conta do home office, em contrapartida ao aumento do desemprego devido a funções não mais necessárias por substituição tecnológica. Infelizmente junto com a transformação digital veio o aumento da desigualdade social.

Barreto acredita que a tecnologia traz equilíbrio à sociedade. Fala sobre a otimização do tempo através do exemplo do delivery e das vantagens de facilidade pela entrega versus ir ao supermercado. Barreto destaca a necessidade de a sociedade ser crítica em relação aos avanços, para corrigir desvios e usar a tecnologia a seu favor. Rigonatti acrescenta o exemplo da descoberta do fogo, que ao mesmo tempo trouxe o avanço ao  homem de cozinhar, mas também possibilitou a violência através do queimar, do destruir. “Esse é o ciclo  tecnológico em todas as eras, e o mundo digital não é diferente. Pode ser usado tanto para o lado bom como para o ruim” diz ele.

Ambos enfatizam a necessidade do desenvolvimento da tecnologia com consciência, em busca de usos mais equilibrados dos recursos naturais, do tempo, do dinheiro e da vida em si. Rigonatti fala sobre o  aumento de investimentos nas áreas de melhoria de qualidade de vida e diz ser impensável, hoje, analisar investimentos sem levar em conta o impacto nas relações humanas, os impactos ambiental e social.

O que executivos do mundo digital consideram ético no mundo da tecnologia? 

A psicologia tem sido amplamente aplicada e utilizada em pesquisas voltadas ao desenvolvimento tecnológico, como as que dizem respeito aos dilemas morais. Um caso clássico é o dos carros autônomos, que funcionam sem motorista. Há várias pesquisas sobre a tomada de decisão humana, frente a um impasse, por exemplo em um acidente, entre perder a própria vida ao chocar-se com um obstáculo, ou desviar o carro para salvar-se e atropelar pessoas.

Uma das respostas buscadas nas pesquisas é como programar a máquina, segundo a ética humana, em situações como essa. “Ética é um conjunto de valores que orienta o comportamento do  homem em relação ao outro” define Barreto. Ele afirma que esses valores precisam promover o bem-estar.  Preocupa-se com o risco da velocidade de transformação tecnológica massificada redefinir valores na sociedade e destaca a importância da observação crítica sobre esse fenômeno. “O momento é de reflexão” diz ele.

Rigonatti explica que a ética no mundo da tecnologia está muito ligada à ciência do hábito, onde os aprendizados cognitivos são levados à disciplina de “user experience design”, e incorporados na base da estratégia do marketing digital para influenciar pessoas a usarem produtos. Por isso, segundo ele, a conscientização precisa vir de quem empreende. “A distinção ética depende da intenção do empreendedor: se é uma intenção missionaria de resolver um problema ou se é uma intenção mercenária de fazer com que as pessoas executem tarefas das maneiras mais esdruxulas possíveis.” diz ele. 

Ponderações finais 

Em face de tanta transformação, que aprendizados levar para a própria vida? Posso deixar aqui como mensagem final focar naquilo que é mais essencial, mais nobre e mais simples da natureza humana: seguir buscando seu propósito de vida, sua contribuição à sociedade, através do uso dos próprios talentos, da empatia e do serviço ao  próximo. Ir na contramão da velocidade e desacelerar. Dedicar-se a buscar conhecimento e autoconhecimento para enfrentar este mundo cada vez mais complexo.

Quanto ao desenvolvimento tecnológico, segundo Barreto, se houver reflexão e regulação, os benefícios superarão quaisquer problemas que a tecnologia pode trazer. Já Rigonatti acredita ser possível o homem fazer uma máquina melhor e a máquina fazer o homem melhor.

Portanto, se por trás de toda tecnologia de sucesso precisa haver um ser humano bem-intencionado, resta saber se empreendedores e investidores incorporarão de fato o conceito de ESG, com destaque à visão mais humanizada e ética do desenvolvimento tecnológico. E isso depende muito mais da conscientização e do que da tecnologia em si.