Investimento com propósito

Fernanda Camargo é sócia-fundadora da Wright Capital Wealth Management e tem mais de 25 anos de experiência no mercado financeiro, 15 dos quais em Gestão de Patrimônio, com passagens por Vinci Partners, Gávea Arsenal Gestão de Patrimônio, Standard Bank, Deutsche Bank e Merrill Lynch. Ela é uma das fundadoras do Instituto LiveWright, OSCIP dedicada a gestão do esporte olímpico no Brasil e faz parte do Conselho da ONG Atletas pelo Brasil.

Escreve mensalmente, às sextas-feiras

Fernanda Camargo

A agenda ESG e o G de ganância

Se a adoção do ESG é um caminho sem volta, o que nos impede de avançar rumo a uma economia mais verde?

Cada letra da sigla ESG representa um critério que as empresas utilizam para reduzir os danos ambientais, sociais e de governança. (Foto: Shutterstock/TH2I Shutter Rich/Reprodução)
  • A ganância está ligada ao ganho pelo ganho, indiferenciado. O ganancioso busca o que o torna mais rico, mais poderoso. E por trás dessa ambição desmedida está a covardia da escolha: por medo de errar, ele não se arrisca a escolher o que deseja e, na dúvida, quer tudo
  • Parente próximo da ganância, o “curto-prazismo” também atrapalha o avanço da agenda ESG.  O economista J. W. Mason descreveu o curto-prazismo (ou “short-termism”) como o “foco em horizontes de curto prazo tanto por gestores corporativos quanto por mercados financeiros
  • Como mudar comportamentos tão enraizados? Com persistência, imposição regulatória e, principalmente, a mudança dentro de cada um, inner change, traduzida em um conceito idealizado pelo investidor e empreendedor Marco Gorini: o ODS Zero

O ano é 2004. Por uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), com a colaboração do governo suíço, foi publicado e endossado por mais de 20 instituições financeiras – entre elas o International Finance Corporation (IFC)  do Banco Mundial – representando coletivamente mais de US$ 6 trilhões sob gestão o relatório “Who Cares Win” (WCW), ou “Ganha Quem se Importa”, em tradução livre, com diretrizes e recomendações sobre como integrar melhor questões ambientais, sociais e de governança (ESG) nas frentes de gestão de ativos, serviços de corretagem e research.

Um avanço, ainda que tímido, em uma pauta incipiente de sustentabilidade em um setor estruturalmente e historicamente movido por interesses estritamente financeiros.

Abril de 2022, dezoito anos depois. A matéria do Financial Times intitulada “Investidores dos principais bancos dos EUA se recusam a apoiar propostas climáticas” aponta que, apesar das pressões por políticas mais rigorosas de financiamento de combustíveis fósseis em três grandes bancos dos Estados Unidos (Wells Fargo, Bank of America e Citibank), as resoluções apresentadas pelas instituições foram apoiadas por cerca de apenas 11% a 13% de seus acionistas.

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Os números decepcionantes da baixíssima adesão dos acionistas a propostas climáticas no Wells Fargo, no Bank of America e no Citibank não são, de toda forma, representativos da sociedade em geral. Um levantamento mais recente – e animador – da Global Sustainable Investment Alliance, uma aliança de organizações de investimento sustentável que tem a missão de aprofundar o impacto e a visibilidade dessas entidades em âmbito global, mostra que os investimentos sustentáveis somam cerca de US$ 35,3 trilhões nas economias desenvolvidas, ou aproximadamente 36% do total da indústria de investimentos, com tendência de alta.

Nada desprezível, mas longe do montante de investimentos necessários apenas para limitar o aquecimento global a 2⁰C ou menos entre 2015 e 2050 calculados pelo Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), o órgão das Nações Unidas para avaliar a ciência relacionada às mudanças climáticas, e evitar maiores catástrofes ambientais e sociais: mais de US$ 140 trilhões (ou aproximadamente US$ 4 trilhões por ano no intervalo mencionado).

Se a adoção de práticas ESG é de fato um caminho sem volta, se a pressão da sociedade e dos agentes regulatórios, direta ou indiretamente, é uma realidade e se há tantas e incontestáveis evidências científicas dos riscos ambientais e sociais da negligência dos aspectos ESG nos negócios, o que nos impede de avançar efetivamente rumo a uma economia mais verde e justa?

A resposta envolve uma característica essencialmente humana: a ganância.

A ganância está ligada ao ganho pelo ganho, indiferenciado. O ganancioso busca o que o torna mais rico, mais poderoso. E por trás dessa ambição desmedida está a covardia da escolha: por medo de errar, ele não se arrisca a escolher o que deseja e, na dúvida, quer tudo.

Em um contexto de recursos – tempo, dinheiro, energia – limitados, querer e buscar tudo implica, inevitavelmente, em prejuízos à sociedade e ao ambiente.

Um investidor ganancioso vai preferir o máximo lucro no menor horizonte de tempo. Ainda que, para chegar nesse resultado, a empresa investida tenha que, nos bastidores de um discurso de sustentabilidade, adotar práticas comerciais predatórias e antiéticas, pressionar demasiadamente fornecedores e estabelecer metas não realistas para seus funcionários. É o G da ganância superando o G de governança. O mundo está cheio de boas intenções e investidores gananciosos.

Parente próximo da ganância, o “curto-prazismo” também atrapalha o avanço da agenda ESG.  O economista J. W. Mason descreveu o curto-prazismo (ou “short-termism”) como o “foco em horizontes de curto prazo tanto por gestores corporativos quanto por mercados financeiros, priorizando os interesses dos acionistas de curto prazo sobre o crescimento a longo prazo da empresa”.

Sob essa perspectiva, fica claro que um olhar de curto prazo pode ser letal para uma empresa que almeja ser sustentável no sentido de resiliência, longeva e bem-sucedida, e, portanto, prejudicial também à integração de aspectos ESG no processo de investimento.

Muitas instituições financeiras vêm falando muito de ESG, lançando fundos sustentáveis, ou emitindo títulos verdes, mas um dos grandes problemas é que o sistema de metas dos executivos é baseado em resultado de curto prazo e isso não conversa com ESG, com a bioeconomia ou com a sustentabilidade.

Outra questão é que somente os fatores que afetam retornos financeiros são considerados materiais para investidores ESG. Além disso, o S (Social) do ESG segue abandonado, ignorando aquilo que é importante para as pessoas e o para o planeta mas que não afetam o resultado financeiro final.

Reparemos que os compromissos de sustentabilidade assumidos por governos e companhias são de muito longo prazo; mais especificamente, ao menos de acordo com as projeções do IPCC mencionadas anteriormente, 25 a 30 anos. Temos trilhões sendo investidos nestes temas, mas não apenas para o próximo semestre ou ano. É um processo crescente e necessário. Do contrário, poucas serão as metas ambientais ou sociais publicamente assumidas que serão alcançadas. E todos que confiam na ciência sabem as consequências climáticas e sociais às quais estamos nos expondo a cada instante de inércia. Infelizmente, nossa natureza é de muito curto prazo.

Como mudar comportamentos tão enraizados? Com persistência, imposição regulatória e, principalmente, a mudança dentro de cada um, inner change, traduzida em um conceito idealizado pelo investidor e empreendedor Marco Gorini: o “ODS Zero”, ou uma mentalidade transformadora que cada indivíduo deve desenvolver para ter sucesso nessa jornada.

Tema de livro publicado pelo Instituto Capitalismo Consciente do Brasil, o “ODS Zero”, como um paralelo aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU que compõem a Agenda 2030 e endereçam iniciativas para proteger o planeta, acabar com a pobreza e assegurar a paz e prosperidade, diz respeito ao “nosso discernimento em relação às escolhas saudáveis que precisamos fazer, em direção ao propósito que desejamos servir”.

Envolve um elevado nível de pertencimento e consciência, além do reconhecimento dos impactos positivos ou negativos de todas as ações, sem espaço para omissões. Ao nos tornarmos responsáveis por algo maior, que vai além do nosso próprio ego, teremos uma virada de chave na jornada da sustentabilidade.

Neste contexto, ainda, segundo o Instituto Capitalismo Consciente, é preciso redefinir o que é êxito para nós mesmos, para os outros e para o meio ambiente. O desafio é fazer a transição do modelo de negócios e indústrias extrativistas para uma nova economia de serviços, inovadora e sustentável, de modo a preservar e ampliar oportunidades de trabalho e a inclusão social.

Sendo assim, quando buscamos investimentos sustentáveis, é importante ter um olhar de longo prazo, do contrário estaremos incentivando as empresas a tomarem decisões que priorizam apenas o ganho financeiro imediato. Essa cobrança por resultado leva empresas a incorrer em riscos cada vez mais severos, tanto regulatórios (as regras, taxas e impostos virão), como tecnológicos, sociais (consumidores, principalmente de uma nova geração) e principalmente climático.

Ao escolher um fundo, é importante entender como endereçam estes fatores ESG na sua tomada de decisão, como mapeiam e avaliam tais riscos. Além disso, é vital acompanhar o resultado, entender se a mudança aconteceu de verdade.

Por fim, é importante entender se seu investimento está atingindo o resultado que você gostaria. Adoraria chegar nas conferências que tratam do tema ESG ou de Impacto Social e ver no palco central a fala das comunidades afetadas, daqueles que estão recebendo o serviço. Precisamos aprender a ouvir. Muitas vezes, as intenções são boas, mas não era aquilo que a comunidade queria ou precisava.

Enquanto o capital for dominado pela ganância e pelo curto-prazismo, ele não escolherá servir à sociedade e ao meio ambiente, tratando-os apenas como externalidades, mas não como investimentos essenciais à manutenção da vida.

Se isso não mudar, seguiremos engatinhando na pauta de sustentabilidade. Acredito que para isso acontecer, talvez o único caminho seja a ODS Zero.

Sigo otimista. Acredito na evolução.