- Apesar do ritmo do crescimento populacional mundial estar diminuindo, ainda crescemos em torno de 1,1% a cada década e devemos chegar a 9,7 bilhões de pessoas em 2050
- A grande questão é o estilo de vida de grande parte dessas pessoas, o quanto ele consome de recursos naturais e quanto gera de emissões de gases de efeito estufa
Você consegue imaginar como vai ser a vida num planeta mais quente, menor e com mais gente? Hoje somos 7,7 bilhões de seres humanos. Apesar do ritmo do crescimento populacional mundial estar diminuindo, ainda crescemos em torno de 1,1% a cada década e devemos chegar a 9,7 bilhões de pessoas em 2050.
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A grande questão é o estilo de vida de grande parte dessas pessoas, o quanto ele consome de recursos naturais e quanto gera de emissões de gases de efeito estufa.
Ainda é difícil imaginar como seria uma sociedade futura descarbonizada, movida por energias renováveis, que respeite a biodiversidade, que seja moderada no uso de recursos renováveis e não renováveis, capaz de recuperar os meios naturais degradados e com número de habitantes compatível. São apenas especulações.
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Como já falamos nessa coluna, uma das grandes iniciativas para criar essa sociedade futura foi o Acordo de Paris, um compromisso internacional discutido entre 195 países com o objetivo de minimizar as consequências do aquecimento global, reduzindo emissões de gases de efeito estufa. Ele foi adotado durante a Conferência das Partes – COP 21, em Paris, no ano de 2015. O compromisso se resume em manter a temperatura média da Terra abaixo de 2 °C, acima dos níveis pré-industriais. Além de esforços para limitar o aumento da temperatura até 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais.
Limitar o aquecimento a 1,5˚C exige transformação imediata e um dos compromissos assumidos na COP-26 é a transição para um cenário de neutralidade de emissão de carbono. De acordo com o relatório “The net-zero transition” da McKinsey, “a transformação da economia global necessária para atingir emissões líquidas zero até 2050 seria universal e significativa, exigindo US$ 9,2 trilhões em gastos médios anuais em ativos físicos, US$ 3,5 trilhões a mais do que hoje.”
Todos os setores da economia estão expostos a esse cenário, mas aqueles com maior grau de exposição são os que emitem diretamente quantidades significativas de gases de efeito estufa, como os setores de carvão, energia a gás, combustíveis fósseis e automotivo. Esses setores correspondem a cerca de 20% do PIB mundial.
Para analisar setores e empresas, o Transition Pathway Initiative (TPI), iniciativa que reúne grandes investidores globais com mais de US$40 trilhões sob gestão, divulgou este mês uma metodologia. Para cada setor desenharam três curvas – uma para cada cenário de emissão de CO2 e comparou com os respectivos benchmarks esperados de intensidade de emissões de CO2, a cada ano, até 2050. O estudo avalia a qualidade da gestão de carbono e a intensidade de carbono de cada empresa dando notas numa escala de 0 a 4. Muitas empresas brasileiras já podem ser encontradas no estudo.
O Brasil, que ocupa a posição de sexto maior emissor de gases de efeito estufa no mundo, tem uma matriz energética limpa, principalmente quando comparada aos outros países. Segundo as estimativas do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o Brasil liberou 2,16 bilhões de toneladas de gás carbônico em 2020, contra 1,97 bilhão em 2019.
Um estudo do CarbonBrief mostra que de 1850 a 2020, o Brasil foi responsável por 4,5% de todas as emissões de carbono do mundo, isto é, 112,9 bilhões de toneladas de CO2 (GtCO2). O maior problema, como já falamos anteriormente, é que mais de 85% dessas emissões vêm do desmatamento (96,9 GtCO2).
Ao contrário da maioria dos países, as emissões brasileiras estão concentradas nas mudanças do uso da terra e desmatamento; agropecuária; energia (principalmente para transportes e eletricidade) e processos industriais e resíduos.
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Se levarmos em consideração a pegada de carbono como um custo ambiental nos diversos setores, empresas nos setores de biogás, energia renovável, soluções baseadas na natureza, agroflorestal ou empresas que já estão adiantadas nos seus processos de descarbonização tem grandes oportunidades nesse novo mercado.
A regulação do mercado de carbono e sua precificação está se tornando uma ferramenta para incentivar a redução das emissões de carbono em vários setores. Segundo o Banco Mundial, “a precificação do carbono é um instrumento que capta os custos externos das emissões de gases de efeito estufa (GEE) – os custos das emissões pelos quais o público paga, como danos às plantações, custos de saúde por ondas de calor e secas e perda de propriedade por inundações e aumento do nível do mar - e os vincula às suas fontes por meio de um preço, geralmente na forma de um preço do dióxido de carbono (CO²) emitido. O preço do carbono ajuda a transferir o ônus dos danos causados pelas emissões de GEE para aqueles que são responsáveis por eles e que podem evitá-los.”
Muitos governos já usam a tributação sobre emissões como uma alternativa. Nela, o gerador da externalidade negativa deve pagar um tributo que equaliza o custo marginal social e o privado. Com tributação sobre as emissões, empresas precisariam calcular o custo de suas emissões não só para exportar, mas para atrair investidores. Nesse contexto, os setores mais poluentes têm um maior desafio.
Como ressaltou Nicholas Stern, “as mudanças do clima são a maior falha de mercado de todos os tempos”. Do ponto de vista da eficiência econômica, a precificação de carbono é justificada como meio de internalizar alguns dos custos ambientais associados à produção e ao consumo de bens e serviços intensivos em carbono e demais gases de efeito estufa.
No Brasil, a maior parte das empresas não tem meta de redução de emissões ou calcula sua própria meta – o que torna mais difícil a avaliação e comparação. Cada vez mais investidores tem pressionado empresas para que façam parte da iniciativa Science Based Targets (SBTi) que mobiliza empresas para que adotem metas baseadas na ciência para a redução de suas emissões de gases de efeito estufa (GEE). Atualmente há 30 empresas brasileiras com compromissos e apenas 5 com metas baseadas no SBTi.
Para os investimentos, a resiliência dos portfólios considerando diferentes cenários de mudanças climáticas é uma das recomendações da TCFD (Task Force on Climate Related Financial Disclosure), uma iniciativa que busca a elaboração e implementação de recomendações para a divulgação e análise de riscos e oportunidades relacionados às questões climáticas. As instituições financeiras devem considerar diferentes cenários de mudanças climáticas, incluindo um cenário igual ou inferior que 2ºC.
A TCFD faz as seguintes recomendações na construção de análises de cenários: 1) Adoção de mais de um cenário, incluindo o cenário de 2ºC ou inferior; 2) Seleção de premissas e parâmetros de entrada, incluindo premissas sobre possíveis respostas e prazos de tecnologias, diferenças nos parâmetros de entrega entre regiões e sensibilidades aproximadas às principais premissas; 3) Definição de horizontes de tempo nos cenários, incluindo marcos de médio e longo prazo.
O Itau Asset Management divulgou o White Paper “Integração de Cenários Climáticos nos Investimentos da Itaú Asset”, em que apresenta três cenários com premissas para a precificação do carbono em cada um deles: 1) limita o aumento da temperatura global a 1,5º C até 2050; 2) o intermediário mantém o aquecimento global abaixo de 2 ºC ; 3) 'Business as usual', cenário onde não fazemos nada para mudar.
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Para isso, utilizaram dois cenários de preços adotados por institutos de pesquisa renomados no tema: O Grantham Institute da London School of Economics (LSE) e o IPCC (IPCC SR 15).
Cenário 1,5°C | 2030 | 2050 |
IPCC SR15 | 135-6.050 USD/tCO2e | 245-14.300 USD/tCO2e |
LSE | 100-185 USD/tCO2e | 220-430 USD/tCO2e |
Cenário 2°C | 2030 | 2050 |
IPCC SR15 | 15-2200 USD/tCO2e | 45-1050USD/tCO2e |
LSE | 40-80 USD/tCO2e | 100-250 USD/tCO2e |
Ao levar em consideração esses cenários e o impacto nas diversas empresas, a conclusão do estudo indica o Ibovespa tendendo a zero em 2050. Segundo o estudo, as empresas que compõem o índice estão mais expostas a riscos do que oportunidades climáticas. Isso significa que apesar de já estarmos em um período de transição, seus modelos de negócios ainda têm grandes oportunidades e desafios em uma transição para uma economia de baixo carbono.
O estudo ressalta ainda que os valores cobrados pela emissão de gases de efeito estufa atualmente na maioria das jurisdições estão bem aquém das referências citadas acima. Segundo o relatório State and Trend of Carbon Pricing 2021, do Banco Mundial, os valores cobrados pelo carbono, seja em modelos de mercado ou taxação, são usualmente inferiores a USD 40/tonCO2eq, com 3 jurisdições chegando a superar os USD 100/ tonCO2eq.
Por isso, para os governos, um dos principais desafios é estabelecer políticas para todos os setores de forma gradual, para que nenhuma empresa deixe de existir. Para Joaquim Leite, ministro do Meio Ambiente, “ao contrário do que alguns pregam, regular um mercado não é obrigar uma empresa brasileira a comprar de outra empresa brasileira, não é impor mais um custo Brasil às atividades econômicas, não é criar mais uma agência reguladora. Devemos, sim, regular um mercado para sermos os maiores exportadores de crédito de carbono do mundo, aproveitando os compromissos de reduções de emissões, alinhadas às reais possibilidades de cada setor e região. O Brasil tem uma oportunidade imensa de se tornar um dos maiores fornecedores mundiais de crédito de carbono. Para isso, é importante desenvolver uma taxonomia com critérios mínimos de integridade ambiental e adicionalidades climáticas.”
Ainda veremos muita discussão sobre que preço de carbono usar para cada cenário e esse será um tema para prestar atenção dado o impacto que terá nos investimentos.
Um gráfico desses assusta e talvez isso ajude a acelerar a criação de metodologias e padronização para a precificação de carbono e políticas para a transição para uma economia de baixo carbono. Acredito que veremos programas específicos para cada setor. Certamente, o cenário Business as Usual não é uma alternativa para a vida na terra./Colaborou Thais D’Alessio