Marco Saravalle é analista CNPI-P e sócio-fundador da BM&C e da MSX Invest. Foi estrategista de Investimentos do Banco Safra, estrategista de Investimentos da XP Investimentos, analista e co-gestor de fundos de investimentos na Fator Administração de Recursos e GrandPrix e analista de ações na Coinvalores e Socopa. Formado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, Pós-graduado em Mercado de Capitais pela USP e Mestrando em Economia e Finanças pela FGV/EESP. Iniciou sua carreira no programa de Trainee do Citibank. Atualmente é Diretor Administrativo/Financeiro da Apimec Nacional, membro do comitê de
educação da CVM e presidente do Conselho da ONG de educação financeira,
Multiplicando Sonhos.

Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras

Marco Saravalle

2024 é o ano da renda variável, se o fiscal não atrapalhar

No orçamento de 2024, a meta de déficit primário zero foi mantida

(Foto: Envato Elements)
  • Em primeiro lugar, a queda da Selic não se torna sustentável. O elevado gasto do governo pressiona a inflação e a política monetária perde a sua eficácia
  • A queda do investimento estrangeiro direto é preocupante
  • A economia americana está praticamente em pleno emprego

Se fosse para destacar um acontecimento macroeconômico em 2023, qual você apontaria? Na nossa opinião, o arrefecimento inflacionário, tanto aqui quanto nos EUA, foi o evento econômico mais importante de 2023. No Brasil, o IPCA-15 acumulou alta de 4,72% em 2023 e o IPCA deverá encerrar o ano em 4,55% (ainda será divulgado). A queda da inflação possibilitou a queda da Selic e dos juros futuros, impulsionando o Ibovespa em 2023.

Os números mostram que os momentos de elevação da bolsa coincidem com a queda dos juros futuros. A queda dos juros afeta a bolsa por três canais: i. o valuation das empresas sobe por conta do menor custo de capital, ii. o prêmio para investir na renda fixa se torna menor, aumentando a demanda por investimento em ações e iii. a aposta de maior aquecimento na economia, elevando o lucro futuro das empresas.

Com relação ao aquecimento da economia (item iii), uma pergunta se torna inevitável: por que a queda da Selic ainda não trouxe efeitos significativos na atividade econômica? Para responder à essa pergunta, temos que levar em conta que a queda da taxa básica de juros demora aproximadamente 9 meses para fazer efeito na economia real. Portanto, ela deverá começar a ter impacto a partir do 1º trimestre de 2024. No entanto, este efeito não deverá ser muito significativo dado que, apesar da redução da Selic, ela ainda continua em patamar restritivo (11,75% a.a).

Outro ponto de atenção é que não adianta ocorrer uma redução da Selic sem uma melhora do lado fiscal. A piora das contas públicas traz incertezas, impedindo uma maior demanda por investimentos no país. Mas se a redução dos juros ainda não teve impacto significativo na atividade econômica, como explicar o crescimento do PIB em 2023 próximo de 3%, bem acima do projetado (0,9%) no início do ano? O principal motivo para o desvio foi o crescimento excepcional da agropecuária no 1º trimestre.

Em menor escala, o crescimento do consumo, puxado principalmente pela demanda de serviços, e o aumento dos gastos do governo também explicam o melhor resultado em 2023. Porém nem tudo são flores. Em sentido contrário, o investimento das empresas caiu 2,5% comparativamente a 2022 até o 3º trimestre de 2023.

O maior PIB possibilitou a continuidade da recuperação do mercado de trabalho iniciada a partir do 1º trimestre de 2021. No entanto, nota-se que a taxa de desemprego tem caído em proporções cada vez menores. Em outras palavras, os ganhos no mercado de trabalho têm se tornado cada vez mais difíceis, dependendo de uma recuperação mais robusta da economia.

Se no conjunto da obra, as notícias foram positivas em relação à atividade econômica, à política monetária, à inflação e ao mercado de trabalho, não se pode dizer o mesmo em relação à política fiscal e aos investimentos diretos no Brasil. Em 2023, o governo deverá apresentar déficit primário de -1,40% do PIB. Já a dívida bruta deverá ficar próxima de 75% do PIB. Mas a preocupação nem é tanto com 2023, mas principalmente com 2024.

No orçamento de 2024, foi mantida a meta de déficit primário zero. Porém, nem o presidente Lula e muito menos o mercado financeiro acreditam no cumprimento desta meta. E qual o problema se não houver um saneamento das contas públicas?

Em primeiro lugar, a queda da Selic não se torna sustentável. O elevado gasto do governo pressiona a inflação e a política monetária perde a sua eficácia. Além disso, com a piora fiscal, o mercado pede um prêmio de risco maior para investir em títulos públicos e privados. A deterioração das contas públicas traz incertezas, pressionado as taxas de juros de longo prazo, dificultando o financiamento do governo e das empresas no país.

Um governo mais gastador drena recursos do setor privado para financiar as despesas públicas, tornando o capital privado mais caro e escasso. Este problema se torna ainda mais grave no Brasil tendo em vista que houve queda investimentos estrangeiros diretos no país em 2023 (40% no acumulado de 2023 até novembro contra mesmo período de 2022).

A queda do investimento estrangeiro direto é preocupante, pois, em parte, as aquisições de máquinas e tecnologia pelas empresas são financiadas pela poupança externa (capital estrangeiro). É difícil saber qual foi o fator preponderante para a queda dos investimentos por aqui, ainda mais num cenário de melhora da inflação e da atividade econômica.

Em outras palavras, se houve crescimento econômico e queda da inflação, por que o capital externo não fluiu mais intensamente para o Brasil? Uma hipótese plausível para explicar o fenômeno é que as incertezas do lado fiscal têm afastado o investidor estrangeiro do Brasil. No final das contas, o investidor sabe que apesar da melhora pontual da economia, não há crescimento econômico e estabilidade monetária no médio e longo prazo sem sustentabilidade fiscal.

Enquanto no Brasil as incertezas ocorrem pelo lado fiscal; nos EUA, a preocupação é inflacionária e, na China, a dúvida recai sobre o crescimento econômico.

A economia americana surpreendeu novamente em 2023. Mesmo com patamares de juros altamente restritivos para o padrão histórico americano, o PIB deverá crescer 2,4% em 2023. O crescimento acima do esperado é puxado principalmente pelo consumo elevado em decorrência de um mercado de trabalho aquecido.

A economia americana está praticamente em pleno emprego. A taxa de desemprego está hoje em 3,7%. Mesmo com o mercado de trabalho aquecido, a inflação tem arrefecido. O relativo controle inflacionário sem grandes prejuízos ao mercado de trabalho mostra que o Fed tem sido bem sucedido em sua missão de subir os juros sem gerar grandes danos à atividade econômica. Assim, o cenário de soft landing (pouso suave) tem se concretizado.

Os dois indicadores, CPI e o PCE, mostram que a inflação tem caído nos EUA e se aproximado da meta de 2%. O CPI chegou a bater 8,97% no acumulado de 12 meses e hoje está em 3,21%. Já o PCE, de 5,5% no seu auge, recuou para 3,16% atualmente.

Com a inflação mais sob controle, o mercado aposta que o Fed diminuirá a taxa de juros a partir de março de 2024. Aliás, o mercado antecipa este movimento pela curva de juros futuros. A partir de meados de outubro de 2023, a queda do yield da Treasury de 10 anos coincide com uma forte elevação do S&P 500.

Com a provável queda do Fed Fund Rate nos EUA em março de 2024, a pergunta de 1 milhão de dólares é: será que, com a queda dos juros, a bolsa americana subirá ainda mais principalmente devido aos efeitos benéficos nos setores mais cíclicos e sensíveis a política monetária?

Para aqueles que acreditam que o mercado é eficiente e já precificou essa queda, a resposta é não. Para aqueles mais céticos quanto à eficiência de mercado, a resposta é sim, há mais espaço para a bolsa subir nos EUA (nós particularmente acreditamos nesta hipótese).

A queda da taxa de juros nos EUA pode nos favorecer em 2024 porque diminui o diferencial de taxa de juros entre Brasil e EUA, ajudando a conter uma alta do dólar por aqui. Com o dólar em queda, há menor pressão inflacionária. Além disso, os juros menores nos EUA levam os investidores a correrem mais e risco e buscarem mais retorno nos países emergentes, atraindo o capital para o Brasil.

O cenário externo para o Brasil pode ser ainda mais positivo se houver um crescimento da economia chinesa. O governo chinês tem anunciado uma série de medidas para impulsionar a economia do gigante asiático. Um maior crescimento da China significa ganhos para empresas de commodities e maior crescimento da economia brasileira, favorecendo o mercado acionário como um todo.

O Brasil tem a frente um cenário internacional bem mais favorável. Evidentemente não se trata de um cenário como aquele de 2003 a 2007, mas certamente é melhor do que o do pós pandemia, marcado pela disrupção das cadeias produtivas e inflação global. Se o governo fizer a parte dele, focando em medidas de corte de gastos, e não apenas no aumento de arrecadação, a bolsa tende a performar bem em 2024.

De qualquer modo, a queda dos juros no Brasil e nos EUA tendem a ter efeitos positivos para as ações cíclicas tanto aqui quanto lá. Para 2024, nossa estratégia é: diversifiquem globalmente e apimentem as suas carteiras com um pouco mais de renda variável, seja no Brasil ou nos EUA (de preferência em ambos!). Lembre-se a economia é cíclica; a bolsa também. Assim, fechamos o ciclo de 2023 e iniciamos o ciclo de 2024. Vamos juntos nessa jornada!