Tudo sobre Renda Fixa

Marilia Fontes é sócia-fundadora da Nord Research e possui 12 anos de experiência de mercado financeiro. Trabalhou como gestora de renda fixa e câmbio em gestoras como Itaú, Mauá e Kondor, em fundos de até R$ 2 bilhões, com operações nacionais e internacionais. Na Empiricus, ela foi a analista fundadora e responsável pelos relatórios: Tesouro Empiricus e Empiricus Renda Fixa. Marilia é mestre em Economia pelo Insper e autora do livro “Renda Fixa NÃO é fixa!”
Twitter: @mariliadf2

Escreve na terceira sexta-feira de cada mês

Marilia Fontes

O que inflação em queda e juros altos têm a ver com IA e globalização

O mundo está se reinventando e chegou a hora de ajustar os investimentos para aproveitar a nova era

(Foto: Envato Elements)
  • Dados de atividade americana revelam uma economia robusta e um mercado de trabalho aquecido, desafiando as expectativas convencionais
  • O chamado "Choque de Produtividade" permite a desinflação simultânea ao crescimento econômico
  • Estamos na era em que o crescimento será impulsionado por avanços tecnológicos e mudanças nas dinâmicas do trabalho

Enquanto experimentamos uma alta significativa na Bolsa motivada por dados de inflação americana mais baixos, há uma narrativa intrigante que se desdobra nos bastidores e merece uma análise mais profunda. A queda da inflação nos Estados Unidos, surpreendentemente, não está acompanhada por uma desaceleração da atividade econômica.

Tradicionalmente, a desinflação ocorre durante períodos de retração econômica, quando o aumento das taxas de juros desencadeia uma série de eventos, incluindo redução do consumo, queda nas vendas das empresas e demissões em massa. No entanto, os dados de atividade americana revelam uma economia robusta e um mercado de trabalho aquecido, desafiando as expectativas convencionais.

A única explicação plausível para essa desinflação em meio a uma atividade econômica vigorosa seria um “choque de produtividade”. Esse fenômeno, observado em épocas como na Revolução Industrial e na ascensão da internet permite a coexistência da desinflação e do crescimento econômico.

Mas se estamos passando por um choque de produtividade, quem seriam os responsáveis? Eu tenho dois candidatos que me chamam muito a atenção atualmente.

Globalização da mão de obra

Primeiramente, o trabalho remoto. Essa resposta à pandemia é, para mim, um dos grandes candidatos responsáveis pela força desinflacionaria. Trabalhadores de todo o mundo agora podem contribuir para qualquer empresa, marcando uma nova era na “globalização da mão de obra”.

Nos últimos anos, testemunhamos uma narrativa na qual a globalização, que uma vez parecia imparável, deu um passo para trás. Disputas geopolíticas e a imposição de tarifas ao comércio entre países alimentaram uma visão sombria a respeito do futuro do intercâmbio internacional. Parecia que estávamos à beira de um retrocesso, em que fronteiras físicas e econômicas se tornariam mais proeminentes do que nunca.

No entanto, a pandemia não mudou apenas a vontade de colaboração entre os países.  Enquanto as tensões geopolíticas e as disputas comerciais deram origem a um período de incerteza política, há sinais claros de que a globalização, longe de retroceder, está, na verdade, se transformando.

A ideia convencional de globalização muitas vezes esteve associada à livre circulação de mercadorias e capital. No entanto, diante das barreiras comerciais impostas recentemente e o possível aumento nos custos que isso gera para os preços das mercadorias, surge uma nova dinâmica no mercado de trabalho com o potencial de reduzir mais custos.

Com as empresas inclinadas a aceitar e até estimular o trabalho remoto, a proximidade geográfica passou a ser desnecessária em vários cargos. Ao permitir que milhares de profissionais exerçam suas atividades fora dos limites geográficos tradicionais, o trabalho remoto não apenas desafia a ideia de fronteiras para o trabalho, mas também inaugura uma era de flexibilização e inclusão de pessoas na força de trabalho.

Nova força de trabalho

Um novo mercado de trabalho está surgindo com força total nos Estados Unidos. As mulheres, que antes preferiam ficar em casa para ajudar na educação dos filhos agora se veem mais disponíveis para fazer tarefas 100% remotas, podendo entrar na força de trabalho.

Além disso, trabalhadores de outros países podem se candidatar a vagas “globais” sem que haja necessidade de deslocamento. Sociedades com falta de mão de obra não precisam mais lidar com uma questão imigratória necessariamente. Uma empresa americana pode contratar um desenvolvedor na Índia, por exemplo.

Esse movimento acaba gerando progresso para os dois países, reduzindo o custo de produção em um e aumentando o poder de consumo do outro.

Inteligência artificial

A segunda candidata à revolução da década, a meu ver, seria a inteligência artificial (IA), representada pelo ChatGPT e outras ferramentas. Com ela podemos executar tarefas em tempo recorde e personalizar experiências de maneira inédita.

Uma empresa de fabricação de automóveis implementa sistemas de robótica guiados por IA em sua linha de montagem. Os robôs utilizam visão computacional para identificar defeitos e realizar ajustes precisos durante a produção, resultando em veículos com qualidade superior e em aumento significativo da eficiência do processo.

Na área da saúde, a inteligência artificial impulsiona avanços notáveis em diagnóstico, tratamento e gestão de recursos. Algoritmos de aprendizado de máquina podem analisar grandes conjuntos de dados médicos para identificar padrões e prever diagnósticos com maior precisão. Sistemas de IA também são aplicados em robótica cirúrgica, permitindo procedimentos mais precisos e menos invasivos.

Uma empresa de e-commerce implementa um sistema de gestão de estoque com IA. O algoritmo analisa dados históricos de vendas, padrões sazonais e tendências de mercado para prever a demanda futura. Isso permite à empresa manter níveis ideais de estoque, reduzindo custos de armazenamento e evitando perdas de vendas devido à falta de produtos.

Uma empresa de exploração de petróleo adota um sistema de IA que integra dados sísmicos, geológicos e históricos para prever com precisão a probabilidade de encontrar reservatórios de petróleo em determinadas áreas submarinas. Esse sistema utiliza algoritmos de aprendizado de máquina para analisar padrões de subsuperfície e identificar características geológicas associadas à presença de petróleo.

Como resultado, a empresa pode direcionar seus esforços de perfuração para locais com maior probabilidade de sucesso, reduzindo custos e aumentando a eficácia na descoberta de novos campos petrolíferos.

Nova onda de valorização

As implicações desses fenômenos são significativas para os investidores. A perspectiva de uma recessão nos Estados Unidos é substituída por um cenário de crescimento econômico sustentável e inflação controlada. Isso sugere que os juros podem permanecer estáveis ou experimentar ajustes moderados.

A recessão, que praticamente todos os economistas previam para 2023 e que ficou para 2024, pode ser substituída por um crescimento sustentável. Isso poderia gerar uma nova onda de valorização dos ativos.

Na Bolsa, muitos investidores estão focando na compra de ações de empresas ligadas diretamente à inteligência artificial, como Nvidia (NVDC34) ou Microsoft (MSFT34). As ações techs já estão precificadas a valuations (valor do ativo) bem esticados, com muito crescimento já na conta.

Mas o que não nos damos conta é que outras empresas em setores alternativos podem acabar sendo as mais beneficiadas dessa tecnologia. Pelos exemplos que eu dei acima, podemos ver que vários setores terão seus processos otimizados e seus custos reduzidos.

Estamos no início de uma transformação monumental, em que o crescimento será impulsionado por avanços tecnológicos e mudanças nas dinâmicas do trabalho. Ignorar essa tendência seria perder uma oportunidade única.

O mundo está se reinventando e é hora de ajustar as velas de nossos investimentos para aproveitar essa nova era.