Tudo sobre Renda Fixa

Marilia Fontes é sócia-fundadora da Nord Research e possui 12 anos de experiência de mercado financeiro. Trabalhou como gestora de renda fixa e câmbio em gestoras como Itaú, Mauá e Kondor, em fundos de até R$ 2 bilhões, com operações nacionais e internacionais. Na Empiricus, ela foi a analista fundadora e responsável pelos relatórios: Tesouro Empiricus e Empiricus Renda Fixa. Marilia é mestre em Economia pelo Insper e autora do livro “Renda Fixa NÃO é fixa!”
Twitter: @mariliadf2

Escreve na terceira sexta-feira de cada mês

Marilia Fontes

O que aconteceu com o Tesouro Direto?

Os títulos prefixados e IPCA+ estão com retornos negativos em 2021. Entenda o motivo

Site do Tesouro Direto (Foto: Reprodução)
  • O Brasil virou aquele seu parente que gasta mais do que ganha, fica pedindo cada vez mais dinheiro emprestado, mas nunca faz um ajuste importante de suas despesas
  • Saber “brincar” com essas tendências de alta ou queda das taxas de mercado pode trazer retornos bem agressivos com renda fixa

Se você der uma surfada no site do Tesouro Direto, especificamente na página de rentabilidade acumulada, perceberá que todos os títulos prefixados e IPCA+ estão com rentabilidade negativa no ano.

Os de vencimento mais curto estão com perdas menores e os mais longos com perdas maiores. Isso quer dizer que o investidor que comprou qualquer um desses títulos no primeiro dia do ano e quiser vender agora incorreria neste prejuízo.

Por que isso está acontecendo?

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As taxas de juros de mercado estão subindo ao longo de toda a curva de juros. Com o início do ciclo de alta da Selic, os títulos tiveram suas taxas revisadas para cima. Além disso, com toda a piora fiscal durante a pandemia, somada com pressões por novos programas de auxílio e aumento de gastos com emendas parlamentares no orçamento de 2021, o mercado aumentou também o prêmio de risco nos juros longos.

Em outras palavras, imagine que o Brasil virou aquele seu parente que gasta mais do que ganha, fica pedindo cada vez mais dinheiro emprestado, mas nunca faz um ajuste importante de suas despesas.

Fica fácil entender que, quando o risco fiscal sobe, os investidores cobram uma taxa maior para emprestar para esse país. Funciona da mesmíssima forma que acontece na nossa vida pessoal.

Quando essas taxas de mercado sobem, os títulos públicos são reprecificados para que o investidor que comprar esses títulos, a partir de agora, pegue essa taxa maior. Ou seja, para um mesmo título que valerá R$ 1 mil no vencimento, o preço dele hoje tem de ser menor para que ele renda mais a partir de agora.

Por exemplo, um título que vale R$ 1 mil depois de 5 anos, tem de custar R$ 783,52 hoje para que o retorno nesses 5 anos seja de 5% ao ano.

Se as taxas de mercado desse título subirem para 10% ao ano, no dia seguinte esse título tem de passar a valer R$ 620,92, para ajustar o novo retorno.

Essa reprecificação do retorno do título faz com que o investidor que desejar vender o título comprado antes do vencimento receba apenas R$ 620,92 por ele, tendo prejuízo.

Caso o detentor do título não queira vender, ele seguirá tendo a opção de receber os mesmo R$ 1 mil depois de 5 anos. Mas se precisar vender, terá que incorrer em prejuízo.

Ou seja, em épocas de alta nas taxas de juros de mercado, como é a época atual, os títulos prefixados e IPCA+ tendem a sofrer marcação a mercado negativa.

Leia também: O fim dos juros baixos no mundo. A sua carteira está preparada?

Por outro lado, em épocas de taxas de juros de mercado em queda, como 2016 até 2019, temos o efeito contrário. A queda nas taxas provoca uma marcação a mercado positiva para o detentor daquele título. Desta forma, é possível ter durante um ano específico retornos bem maiores do que a taxa acordada inicialmente no Tesouro Direto, caso haja venda antecipada.

Em 2016, por exemplo, o IPCA+ 2035 rendeu incríveis 51%, por conta das quedas nas taxas. Parece retorno de bolsa, não é mesmo?

Saber “brincar” com essas tendências de alta ou queda das taxas de mercado pode trazer retornos bem agressivos com renda fixa.

Agora o investidor tem de pensar se essas taxas continuarão subindo ou não. Apesar dessa pergunta ser bem difícil de responder, vou dar aqui minha humilde opinião.

Ao contrário de épocas nas quais as taxas sobem por riscos infundados, políticos ou passageiros, desta vez temos um fundamento econômico suportando a alta. Esse fundamento inclui dois pilares: (1) aumento de juros no Brasil por risco fiscal e aumento de inflação; e (2) aumento das taxas de juros mundiais.

Sobre os juros brasileiros, tivemos um aumento significativo da dívida pública indo para aproximadamente 90% de dívida bruta. Além disso, a piora cambial pressionou nossa inflação antecipando e aumentando o ciclo de alta da Selic. Esse cenário fiscal negativo não melhorará enquanto não pensarmos em uma reforma capaz de reduzir de forma significativa nosso déficit. Por enquanto, não vejo nada no horizonte neste sentido. Muito pelo contrário! Vejo pressões por novos aumentos de gastos, como aconteceu na aprovação do orçamento para 2021. Além disso, estamos nos aproximando das eleições de 2022, ficando difícil imaginar a aprovação de reformas impopulares.

Sobre o juro mundial, estamos vendo aumento de taxa de juros nos vencimentos mais longos no mundo inteiro – nos EUA até em países emergentes. Essa alta está ligada à forte recuperação econômica em curso com os estímulos fiscais infinitos promovidos pelos EUA. Como os juros americanos estão muito próximos da mínima histórica, vejo pouquíssimo espaço para eles caírem. Na verdade, o contrário! Com esse fundamento de excesso de estímulos, só vejo espaço para subirem bem.

Com todo esse fundamento ruim, vale a pena o investidor pensar duas vezes antes de entrar nesses títulos. Entrar no momento certo ajuda muito o retorno da sua carteira, caso você precise vender seus títulos antecipadamente.