O olhar do mercado internacional

Thiago de Aragão é diretor de estratégia da Arko Advice e assessora diretamente dezenas de fundos estrangeiros sobre investimentos no Brasil e Argentina. Sociólogo, mestre em Relações Internacionais pela SAIS Johns Hopkins University e Pesquisador Sênior do Center Strategic and International Studies de Washington DC, Thiago vive entre Washington DC, Nova York e Brasília.
Twitter: @ThiagoGdeAragao

Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias

Thiago de Aragão

Bolsonaro x Lula: a polarização e o fetiche no passado

Qualquer que seja o resultado da eleição, dificilmente teremos grandes novidades

Polarização nas eleições desse ano é cada vez mais evidente. (Fotos: Amanda Perobelli/Reuters e Dida Sampaio/Estadão)

De todas as possibilidades que o futuro nos apresenta, nenhuma é mais certa do que o passado. A conjuntura das coisas, principalmente na política, nos oferece uma enormidade de variáveis que geram novas possibilidades.

No entanto, justamente nessa área, apesar dos novos cenários oferecidos pelo futuro, observamos que o passado sempre volta. Estamos habituados a tentar prever o desconhecido, mas não trabalhamos o suficiente com o passado para prever o conhecido se apresentando sob nova roupagem.

A polarização na política brasileira entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula parece desvendar um resultado futuro baseado no passado. Qualquer que seja o resultado, dificilmente teremos grandes novidades e o futuro de um ou de outro não passará de uma roupagem diferente de tudo aquilo que já conhecemos.

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Na eleição italiana de 1976, o candidato (e vencedor) Benigno Zaccagnini, da Democracia Cristã, disse em uma das inúmeras entrevistas dadas na época: “trago o passado para impedir um futuro fora do controle”. Esse fetiche pelo passado, como um tempo nostálgico e puro, acaba sendo o jogo de narrativas proposto por candidatos que duvidam da própria capacidade de entrega. No fim, é bem mais fácil purificar o que passou ao invés de tentar acertar as próprias decisões para o futuro.

A eleição presidencial brasileira de 2022 é uma das primeiras na nossa história onde a plataforma primordial de cada um dos líderes de pesquisa (Lula e Bolsonaro) se baseia na negação do outro e não necessariamente na construção de um futuro próprio, particular.

Para Lula, ilustrar os posicionamentos e narrativas erráticas de Bolsonaro vale mais do que apresentar a sua própria visão de futuro. Para Bolsonaro a mesma lógica se aplica: baseado no passado petista, coloca para o eleitor a possibilidade mais negativa que Lula pode trazer para a mesa.

Essa dinâmica é resultado da própria vontade do eleitor brasileiro. O agrupamento ao redor de Lula ou Bolsonaro se dá muito mais pela visão comum de um grupo ou do outro “daquilo que se odeia” e não necessariamente em torno “daquilo que se deseja”. A força de Lula surge no ódio a Bolsonaro, assim como a força de Bolsonaro é oriunda do ódio a Lula.

Essa dinâmica é a certeza de que o Brasil se mantenha polarizado e só flexibilize suas expectativas em relação ao vitorioso, pois o combustível primordial de escolha se deu em cima da exclusão do outro.

Como vimos de 2018 para cá, esse estilo de polarização forçou Bolsonaro a manter-se em campanha durante todos os dias de seu mandato. A lembrança recorrente de Lula e do PT manteve o petista vivo como o antagonista necessário para justificar a campanha incessante dos últimos 4 anos.

O engajamento social do universo político é um outro fator de extrema relevância. As pesquisas de popularidade e de intenção de voto passam a ter um papel secundário, quando o número de seguidores e de likes se torna a métrica preferida.

Essa métrica, totalmente aleatória, indica um ambiente que não é, necessariamente, representativo, e gera dúvidas em torno da sua lisura , mesmo sendo raro encontrar alguém que leia o calhamaço metodológico de cada pesquisa registrada no TSE.

A validação de um governo ou de popularidade por meio das redes sociais estimula a dinâmica de um governo de intenções, o que se dá quando um governante expõe o que gostaria de fazer, mas não o faz, quando forças complexas e burocráticas impedem sua agenda.

Esse mecanismo é de valiosa observação, pois percebemos que joga no colo do eleitor um emaranhado de fios, demonstrando como funciona em desequilíbrio a divisão dos poderes e o conteúdo complexo das regras constitucionais.

Com esse ambiente de polarização, com eleitores agrupados ao redor do que desejam excluir ao invés do que desejam incorporar, encontramos uma das razões pelo qual a chamada “terceira via” não consegue emplacar. Como candidatos como João Doria, Eduardo Leite, Ciro Gomes ou Sergio Moro se encaixariam em uma dinâmica onde a rejeição do outro deveria focar em dois e não em um?

Tradicionalmente, antes da explosão do ambiente polarizado, campanhas presidenciais envolviam o mínimo de proposições sobre o futuro, num jogo onde o eleitor aceita ser iludido em relação a um futuro minimamente melhor do que o existente.

A terceira via ainda se encontra na lógica propositiva, quando o ambiente político-eleitoral demanda uma lógica excludente: exclusão do risco da vitória do outro em relação ao possível benefício da sua vitória. Essa postura da terceira via é ingênua, mas ao mesmo tempo não nos resta alternativa. Estão lacrados naquilo que foi gerado no País muito por conta de seus próprios comportamentos. Praticamente todos os expoentes da terceira via, em um momento ou outro estiveram fielmente ao lado de Lula ou Bolsonaro.

O brasileiro não quer aceitar que o voto dado em um candidato a deputado ou senador afete mais o seu futuro do que o voto para presidente da República. Aos que sabem que o Estado brasileiro funciona num parlamentarismo disfarçado, há o reconhecimento frustrante de que o poder final não está no Palácio do Planalto, mas no Congresso Nacional.

No entanto, a personalização histórica da política nacional cria a aura de que o presidente é todo poderoso e só não executa o que gostaria por conta dos empecilhos fabricados nos outros poderes.

Tivemos uma pandemia que gerou uma tragédia sanitária, impacto econômico negativo e desemprego. A guerra na Ucrânia destrambelhou o preço do combustível e de outras commodities. Antes, tivemos (e ainda temos) uma “guerra fria” entre China e EUA que nos levou a uma falta de semicondutores e pressões dos dois lados para que o Brasil navegue na política internacional.

No fundo, é muito fácil para Lula dizer que sob sua liderança o governo teria resultados melhores na economia e na balança comercial. Por outro lado, é muito fácil para o governo Bolsonaro argumentar que teríamos um crescimento expressivo se não tivéssemos esses eventos externos.

A vida é feita de eventos externos que nos colocam pressão diariamente e nos obrigam a tomar decisões difíceis para atingir a adaptação. É assim em nossas vidas particulares. Os anos entre 2023 e 2026 trarão mudanças e impactos econômicos, políticos, geopolíticos e comerciais inesperados que farão o papel de justificativa para o que não conseguimos resolver internamente por mil fatores distintos.

Independentemente do resultado eleitoral, a tendência é que nosso futuro próximo seja recheado de intenções e justificativas para aquilo que não atingimos.