Comportamento

As lições do ‘hall da vergonha’ de CEOs para novos empreendedores

O E-Investidor separou cinco histórias de presidentes que caíram em um redemoinho de desprezo e desprestígio

As lições do ‘hall da vergonha’ de CEOs para novos empreendedores
Harvey Weinstein, um dos mais poderosos executivos de Hollywood, responde na Justiça por assédio sexual. A história dele desencadeou o movimento #metoo (Foto: Shannon Stapleton/Reuters)
  • Cometer erros na função de CEO é praticamente imperdoável. Alguns poderosos caíram em um redemoinho de desprezo e desprestígio do qual não conseguiram – ou não devem conseguir – sair
  • O E-Investidor separou cinco histórias envolvendo presidentes de empresas conhecidas mundialmente que podem ser colocadas no "hall da vergonha". E explicamos quais são as lições que novos empreendedores e candidatos a CEO podem extrair dessas verdadeiras tragédias
  • Harvey Weinstein, por exemplo, foi um dos homens mais poderosos de Hollywood e hoje está preso após uma série de relatos de assédio e abuso sexual que deram início ao movimento #MeToo

(Murilo Basso, especial para o E-Investidor) – Invariavelmente, CEOs de grandes empresas são algumas das pessoas mais ricas e poderosas do mundo – Jeff Bezos e Mark Zuckerberg que o digam. Conduzir uma companhia rumo ao sucesso leva, automaticamente, o executivo ao hall da fama. Que empreendedor não admira Steve Jobs, por mais defeitos que ele possa ter tido?

Ao mesmo tempo, cometer erros na função é praticamente imperdoável. Alguns poderosos CEOs caíram em um redemoinho de desprezo e desprestígio do qual não conseguiram – ou não devem conseguir – sair.

O E-Investidor separou cinco histórias envolvendo presidentes de empresas conhecidas mundialmente que podem ser colocadas no “hall da vergonha”. E vamos explicar quais são as lições que novos empreendedores e candidatos a CEO podem extrair dessas verdadeiras tragédias. Confira:

1. Abuso e assédio sexual

Harvey Weinstein foi um dos homens mais poderosos de Hollywood nas últimas quatro décadas. Cofundador da Miramax e, posteriormente, da The Weinstein Company, foi produtor e produtor executivo de uma série de filmes premiados, com destaque para os do diretor Quentin Tarantino. Era, também, amigo de grandes estrelas da sétima arte, como Gwyneth Paltrow e Meryl Streep.

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No segundo semestre de 2017, contudo, veio à tona uma série de relatos de assédio e abuso sexual – tentado e consumado – envolvendo o produtor.

O episódio deu início ao movimento #MeToo, que marcou a cerimônia do Oscar do ano seguinte. Atualmente, Weinstein está preso, sendo que no início de 2018 a The Weinstein Company declarou falência. Pelos depoimentos, há décadas Weinstein praticava seus crimes.

Por que, então, eles demoraram tanto para vir à tona, permitindo ao produtor usufruir de seu poder por anos a fio?

“De uma maneira geral, acredito que existe uma problemática que transpassa tudo, que é a existência de culturas corporativas altamente tóxicas e distorcidas, com seus próprios códigos de ética. Há uma grande política de autoproteção dentro desses grupos. Os conselhos de administração são dominados por uma espécie de compadrio que existe neste clube predominantemente masculino, que cria situações nas quais todos estejam comprometidos em certo nível”, opina Alessandra Andrade, coordenadora do Faap Business Hub, da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap).

A lição que fica do escândalo de Harvey Weinstein é a de que não importa o quão rico e poderoso você pensa que é, pois condutas abusivas e criminosas não serão mais toleradas na sociedade contemporânea.

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“Por muitos anos, a ideia de poder sempre caminhou lado a lado com a ideia de impunidade. O caso Weinstein é emblemático porque, de certa forma, abala duas perspectivas muito arraigadas no mundo dos negócios e dos famosos. A primeira diz respeito ao fato de que ter um desempenho genial justificaria desvios de caráter e daria uma espécie de ‘salvo conduto’ para comportamentos mais do que inapropriados. A segunda seria de que quaisquer questionamentos a quem está no topo seriam ataques infundados ou com algum tipo de interesse, o que fazia com que muitos ficassem calados. O movimento #MeToo se torna muito importante nessa mudança de perspectiva, pois encoraja a reação das vítimas e legitima a reação pública”, afirma Marcelo Jacques Fonseca, professor da Escola de Gestão e Negócios da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

2. Demora para assumir um erro

Em 2017, uma violação de dados no serviço de relatórios de crédito da Equifax, um dos três maiores bureau de crédito dos Estados Unidos, afetou as informações pessoais de mais de 140 milhões de pessoas. Quando a violação foi revelada, em setembro daquele ano, as ações da empresa caíram 26%.

À época, o CEO da companhia era Richard F. Smith – que chegou à Equifax em 2005 após 22 anos ocupando cargos de chefia na General Electric (GE) – foi destituído do cargo por dois principais motivos:

1) demora em agir para solucionar um problema; e

2) resistência em admitir o erro perante a opinião pública.

Ao ser ouvido por uma comissão do Congresso norte-americano sobre o caso, Smith admitiu que só foi solicitar à investigação de cibersegurança responsável um briefing sobre a atividade suspeita envolvendo os dados dos clientes aproximadamente duas semanas após o processo ter começado.

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Para Fonseca, o caso de Richard F. Smith mostra a dificuldade que muitos CEOs têm de admitir um erro, o que poderia manchar a imagem de “inabalável” que costuma ser associada a grandes executivos.

“Nessa situação, se o vazamento dos dados decorreu de uma falha técnica, vê-se a dificuldade do CEO de se mostrar vulnerável, uma postura que tem sido cada vez mais aceita nos últimos anos. Por outro lado, se o vazamento decorreu de uma conduta errada, de deliberada violação, vê-se a naturalização do comportamento antiético, muitas vezes amparada pela ausência de uma lei mais clara ou pela obscuridade dos tais ‘termos de aceite/compromisso’, em que usuários acabam por indicar sua concordância com uma infinidade de autorizações que raramente são lidas”, aponta.

3. Currículo falso

No início de 2012, Scott Thompson foi contratado como CEO do Yahoo!, tendo como uma de suas credenciais o fato de ser formado em Contabilidade e Ciências da Computação. Pouco mais de um mês depois, foi levantada a suspeita de que somente o diploma de Contabilidade existia. Após uma série de negativas da empresa e do executivo, o Stonehill College, instituição de ensino localizada em Massachusetts, onde Thompson estudou, respondeu a inúmeros pedidos de imprensa e confirmou que o CEO possuía apenas o certificado de Contabilidade.

“Inflar” currículos tanto no meio público quanto empresarial, a fim de passar mais credibilidade, não é novidade. No Brasil, o caso mais recente foi o de Carlos Alberto Decotelli, que permaneceu apenas cinco dias à frente do Ministério da Educação, tendo renunciado, após controvérsias acerca de sua formação acadêmica. Se nesses casos a intenção do sujeito é passar credibilidade, quando a farsa é desmascarada o efeito é, justamente, o contrário, de descrédito.

“Mentir em um currículo é, além de antiético, uma grande demonstração de insegurança. O caso de Scott Thompson é um exemplo da necessidade que muitas pessoas bem sucedidas têm de configurar uma personagem supostamente ideal e que saia bem na foto. Ao longo dos anos, a pessoa acaba por se convencer de sua própria história e passa a acreditar e repetir uma narrativa que não é verdadeira.

Ocorre que a vida real nem sempre se presta para um storytelling ficcional que, quando revelado, acaba por cobrar um preço elevado”, opina o professor da Unisinos.

4. Má administração e desonestidade

Kenneth Lay morreu há quase 15 anos e ainda é lembrado pelo escândalo da Enron, considerado uma das maiores “tragédias” contábeis do mundo. Lay ajudou a criar a empresa, em meados da década de 1980, e foi um dos responsáveis pela companhia ter ido de um simples empreendimento de gás natural a uma gigante da energia e commodities, que chegou a ser avaliada em US$ 68 bilhões e a ter mais de 21 mil funcionários.

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Lay foi um dos CEOs mais bem pagos dos Estados Unidos à época em que esteve à frente da empresa, mas caiu em desgraça devido ao grande escândalo contábil que resultou na falência da Enron e estourou em 2001. Hoje, considera-se que o empresário deixou um “legado de vergonha”, marcado pela má administração e desonestidade.

De forma bastante resumida, a empresa lançava mão de lacunas contábeis com o objetivo de esconder bilhões de dólares em dívidas. Ao mesmo tempo, inflacionava os ganhos da companhia. O escândalo levou, inclusive, à promulgação de uma lei federal nos EUA a fim de evitar o esvaziamento de investimentos e a fuga de investidores por conta de uma aparente insegurança sobre a governança adequada das empresas. A Lei Sarbanes-Oxley, apelidada de SOX, foi assinada em julho de 2002.

Marcelo Jacques Fonseca, da Unisinos, diz que o episódio envolvendo a Enron é um dos principais exemplos de dissociação entre o que a empresa anunciava a respeito de valores e ética e como a companhia de fato operava. Segundo ele, nesse caso, a cultura corporativa que tanto enaltece a criatividade e os riscos acabou por estabelecer um terreno fértil para a ganância e o abuso de poder.

“A manipulação dos livros contábeis comandada por Lay evidencia também o quão difícil é questionar as grandes lideranças a respeito de suas condutas, especialmente quando os resultados de tais condutas trazem altas recompensas e regalias a todos os envolvidos. Muitos dos executivos que trabalhavam com e para Lay sabiam dessas práticas, mas não as questionaram por medo ou conivência. No entanto, o legado deixado pelo caso Enron é o de que que credibilidade, integridade e confiabilidade se tornam mais importantes do que nunca”, pontua.

5. Um produto que sequer existia

Em 2003, a promissora estudante de Engenharia Química de Stanford Elizabeth Holmes abandonou os estudos naquela que é uma das mais prestigiadas universidades do mundo para dar início à uma empreitada que prometia revolucionar as áreas médicas e de saúde: uma empresa de diagnósticos que precisaria de uma quantidade menor de sangue para realizar os exames, bem como reduziria os custos para o consumidor final. Os testes seriam realizados por uma máquina do tamanho de uma impressora, batizada de Edison.

A companhia de Elizabeth recebeu o nome de Theranos e começou a atrair os olhos do público em 2010. A jovem conseguiu convencer investidores experientes a mergulharem em seu negócio, com o aporte de US$ 600 milhões.

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Em seu ponto mais alto, a Theranos atingiu US$ 9 bilhões em valor de mercado. Elizabeth foi comparada a gênios como Steve Jobs e Beethoven, estampou capas de revistas como Fortune e Forbes, foi considerada uma das pessoas mais influentes de 2015 pela Time, foi nomeada pesquisadora parceira da Escola de Medicina de Harvard e fez uma apresentação no TED.

Depois do aparente sucesso inicial, a bomba: descobriu-se que a empresa era uma fraude e que a Theranos estava envolta em mentiras. A tal tecnologia revolucionária proposta por Elizabeth sequer existia. A história, que até parece enredo de filme, vai realmente virar um longa, estrelado por Jennifer Lawrence e dirigido por Adam McKay, de “Vice” (2018) e “A Grande Aposta” (2015): “Bad Blood”, ainda em fase de pré-produção.

“Não se pode dar mais valor para um bom pitch do que para a consistência de uma ideia. O caso de Elizabeth Holmes é um bom exemplo da ânsia que muitos empreendedores têm de emplacar uma grande ideia, o que acaba fazendo com que a realidade, muitas vezes mais complexa, seja retratada de maneira idealizada. Ser franco e reconhecer certas vulnerabilidades – pessoais ou de um projeto – tendem, cada vez mais, a ser características mais valorizadas do que promessas, literalmente, incríveis”, opina Fonseca.

Aqui, além da lição para os empreendedores de que não se deve prometer o que não se pode cumprir e também que é preciso ser franco, fica um ensinamento para investidores em potencial: desconfie de produtos extraordinários, com ares de milagroso, e exija transparência em relação ao negócio.

“O caso da Theranos envolve uma situação bastante óbvia. Investir num negócio que não é transparente só revela falta de honestidade de ambos os envolvidos. O que está em jogo no caso é a ‘lei do mais esperto’. Quem se coloca nessa posição, para mim, está fora da ética como ponto de partida. Não é que o mundo não seja dos espertos, mas sim que qualquer pessoa com discernimento moral não deve se envolver em uma situação que se apresenta como pouco transparente, ou suspeita, no ponto de partida. Quem assim o fizer, para mim, é cúmplice da desonestidade do outro”, finaliza Humberto Silva, professor de Ética da Faap.

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