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Comportamento

Taxas extras no financiamento imobiliário: você pode ser vítima de crime e nem saber disso; entenda seus direitos

De abertura de conta a seguros para o imóvel, consumidores relatam seus casos; bancos afirmam que seguem as regras

Taxas extras no financiamento imobiliário: você pode ser vítima de crime e nem saber disso; entenda seus direitos
Especialistas orientam vítimas de venda casada no financiamento imobiliário a abrir primeiro uma reclamação de forma administrativa. (Foto: Nina Lawrenson/peopleimages.com em Adobe Stock)
  • A compra de um imóvel próprio vem acompanhada de burocracia. Nos bancos, as várias páginas e números de um contrato de financiamento imobiliário podem confundir os consumidores
  • No meio desses dados, alguns “penduricalhos” conseguem passar despercebidos
  • Por vezes, o cliente fica anos pagando produtos e taxas adicionais desnecessárias, achando que são obrigatórias - até se dar conta de que, na verdade, foi vítima de “venda casada”

A compra de um imóvel próprio vem acompanhada de um complicado processo que, na etapa que envolve os bancos, pode confundir o consumidor com as diversas páginas e números presentes em um contrato de financiamento imobiliário. No meio de toda essa documentação, alguns “penduricalhos” conseguem passar despercebidos e a consequência, por vezes, aparece na forma de taxas e produtos adicionais desnecessários que o cliente paga por anos acreditando que são obrigatórios até se dar conta de que, na verdade, foi vítima de uma “venda casada”.

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a venda casada acontece quando o fornecimento de um produto ou serviço é condicionado ao fornecimento de outro produto ou serviço. No caso dos financiamentos imobiliários, um exemplo clássico e recorrente desse tipo de irregularidade vem da aprovação do crédito atrelada à abertura de uma conta bancária na instituição. E há contas que incluem a cobrança de taxas mensais por “cestas de serviços bancários”, como saques, transferências ou emissão de extratos, por exemplo.

Almir Albuquerque, advogado especialista em direto bancário e membro da Comissão Nacional de Direito Bancário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), explica que por muitas vezes o consumidor não tem um relacionamento prévio com o banco em que tenta conseguir o financiamento imobiliário. Assim, a área comercial dessas instituições pode aproveitar da situação para coagir o comprador a adquirir produtos bancários, como a própria conta, para ter alguma melhora nas condições do financiamento ou até mesmo a aprovação do contrato.

Abrir conta não é obrigatório para o crédito imobiliário

Ter “relacionamento com o banco”, entretanto, não deveria ser requisito obrigatório para conseguir financiamento. Além de também nem sempre resultar em melhores taxas, segundo Albuquerque.

“A imposição da necessidade de abrir uma conta corrente na instituição financeira pela qual você pretende financiar o imóvel, por si só, já é algo não necessário. O financiamento pode ser pago via boleto físico ou digital, por exemplo”, diz Albuquerque. A situação piora e pode ser entendida como “venda casada”, quando a conta corrente indicada não é gratuita. “A legislação diz que cada cidadão tem direito à abertura de uma conta bancária sem qualquer tipo de cesta de serviços, mas isso nem sempre é divulgado.”

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A mesma visão tem Alberto Feitosa, advogado da área cível do Lassori Advogados. “Se o banco indicar uma conta não gratuita, a instituição acabará se beneficiando de pagamento de anuidade e tarifas e isto configurará uma venda casada”, afirma.

Esta situação aconteceu com Maya Silva, contadora. Ela e o marido financiaram a casa própria em março de 2023, pelo Santander. Contudo, foram obrigados a abrir uma conta com tarifas mensais de R$ 79, referentes ao pacote de serviços bancários. Segundo ela, ambos não foram informados de que era possível adquirir uma conta sem tarifas ou da não obrigatoriedade da contratação do produto.

“Quando fomos assinar o contrato, simplesmente disseram que eu tinha que aceitar as taxas, senão o financiamento não seria liberado. Falaram que fazia parte do processo, mesmo eu explicando que só abri a conta para ter o financiamento e que não ia movimentar”, afirma a cliente do Santander. “Por querermos a casa própria, a gente acabou se submetendo a esses valores.”

Procurado, o Santander afirmou que segue rigorosamente as regras de comercialização de produtos e serviços bancários. “Quanto à abertura de conta corrente, o pagamento das parcelas ocorre por débito em conta, mas o cliente pode optar pela cesta de serviços que atenda às suas necessidades, inclusive o Pacote Essencial (gratuito)”, diz o banco, em nota.

Produtos financeiros “paralelos” e seguros residenciais

Fora a abertura “obrigatória” de conta bancária para conseguir financiamentos, outros produtos financeiros costumam ser inclusos nesses contratos de forma irregular. São eles: títulos de capitalização, cartões de crédito, previdências privadas e consórcios. Ou seja, aplicações que não possuem qualquer relação com o financiamento do imóvel. “A natureza de financiamento é de ‘simples empréstimo’. Isto significa que o consumidor não deve ser vinculado a outros produtos para que o empréstimo seja liberado”, diz Feitosa, advogado da área cível do Lassori Advogados. “Essa liberação deve ser feita com base em análise de crédito.”

Outro ponto que acaba causando confusão – e que abre margem para “vendas casadas disfarçadas” – são os seguros obrigatórios e os optativos. Neste âmbito, o consumidor tem de ficar ciente de que só existem dois seguros, de fato, mandatórios em financiamentos imobiliários feitos pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH) – modalidade que abarca grande parte dos contratos e inclui imóveis de até R$ 1,5 milhão e taxas de juros máxima de 12% ao ano mais uma taxa referencial (TR). Esses seguros são chamados de “MIP”, para riscos de morte e invalidez permanentes do mutuário, e “DFI”, de danos físicos ao imóvel.

No fundo, são seguros “habitacionais”, não “residenciais”. “Você pode adquirir o crédito imobiliário sem ter o seguro residencial, que é optativo. A obrigatoriedade existe apenas no seguro habitacional”, reforça Albuquerque.

Lorrane Oliveira (nome fictício), advogada, se diz outra vítima desse tipo de situação, quando fez um financiamento imobiliário junto com o marido em uma agência da Caixa Econômica. De acordo com ela, o gerente avisou que ela precisaria adquirir um produto, um “seguro residencial de danos físicos ao produto” (DFC), para ter o contrato aprovado. Na época, o correspondente bancário alegou que a documentação do marido de Oliveira estava irregular e, para suprir essa necessidade, seria preciso adquirir um produto imobiliário a mais. Isto mesmo após o casal ter dado uma entrada de 50% do valor do imóvel, ou seja, R$ 250 mil.

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“Eles vieram com essa proposta de eu pagar um valor de R$ 3 mil por esse novo produto, junto com o financiamento imobiliário”, diz Oliveira. “Minha corretora me orientou a assinar (a compra do produto junto com o financiamento) e depois cancelar, mas eu bati o pé e disse que não queria, que era advogada e sabia meus direitos. Então eu não assinei esse produto adicional e o financiamento foi aprovado.”

Procurada, a Caixa Econômica afirmou que a oferta de produtos e serviços é realizada nos atendimentos prestados em suas unidades, porém a aquisição desses produtos e serviços não serve de condição para conclusão de qualquer tipo de contratação. “A Caixa reforça seu compromisso de orientar, de forma constante, os empregados e os correspondentes parceiros quanto à vedação de condicionamento de fornecimento de crédito à aquisição de produtos. O banco prima pela melhoria constante dos seus processos, visando à eficiência no atendimento e valorizando a experiência do cliente em todas as suas interações”, diz a o banco, em nota.

Cliente pode escolher outra empresa que oferece os seguros do financiamento

Também vale lembrar que mesmo em relação ao MIP e ao DFI há uma nuance: o consumidor não é obrigado a realizar a contratação com a seguradora indicada pelo banco em que o financiamento está sendo feito. Em tese, o cliente deveria ter a liberdade de escolher a companhia responsável pelo seguro, considerando preços e taxas.

“Não há ilegalidade na contratação (obrigatória) de seguro habitacional, desde que o consumidor tenha a possibilidade de escolher com qual seguradora realizar o negócio”, diz Yuri Fernandes Lima, sócio do Bruno Boris Advogados. Há também um possível conflito de interesse a se considerar. “Em quase todos os casos, a seguradora responsável pelo seguro obrigatório é do mesmo grupo econômico da instituição financeira em que você está realizando o financeiro. Então, isso não é esclarecido ao consumidor”, diz Albuquerque.

A contadora Silva afirma que também não teve opção, a não ser adotar a seguradora indicado pelo Santander – ainda que no contrato assinado esteja escrito que o banco ofereceu mais de uma opção de apólices. “Não me foi ofertado nenhum outro seguro para que eu optasse”, afirma. Por último, além de produtos paralelos, outra cobrança considerada ilegal é a taxa de abertura de crédito (TAC), abolida desde 2008.

Taxas lícitas, mas que possuem limites

Algumas taxas dos financiamentos imobiliários são lícitas, mas possuem limites de cobrança. A taxa mensal de administração do contrato, por exemplo, possui teto de R$ 25 estabelecido pelo Banco Central, enquanto a tarifa de análise de proposta de apólice de seguro habitacional individual está limitada a R$ 100. A cobrança vinculada à avaliação do imóvel também é regular. O preço varia, em média, entre R$ 3 mil e R$ 3,5 mil. Cobranças muito mais altas do que a média podem ser consideradas abusivas.

Outro ponto diz que o banco deve comprovar que a análise foi feita. “Para o banco cobrar taxa de avaliação ou reavaliação de imóvel financiado, ele deve lhe entregar extrato do laudo de avaliação ou documento equivalente, com a análise técnica do imóvel e demonstrativo com a discriminação dos custos e das despesas realizadas. Além disso, o cliente precisa concordar por escrito com o laudo”, diz nota do Banco Central.

Os especialistas consultados pelo E-Investidor apontam que, caso o cliente esteja sendo vítima de venda casada, o primeiro passo consiste em uma reclamação de forma administrativa, por meio da ouvidoria dos bancos. Também há a possibilidade de requerer o cancelamento e reembolso das taxas extras. “Se não for atendido de forma administrativa, o cliente pode recorrer ao Consumidor.gov.br, que é uma ferramenta oficial do governo para registrar reclamações, ou registrar a queixa no Banco Central”, diz Albuquerque. “Caso não tenha sucesso de forma administrativa, pode contratar um advogado para ingressar com uma ação judicial.”

Lima, sócio do Bruno Boris Advogados, recomenda ainda que o consumidor reúna a maior quantidade de provas possíveis, como contratos, e-mails, gravações de ligações telefônicas e conversas em aplicativos de mensagens. De posse das comprovações, é possível procurar órgãos de defesa ao consumidor, como o Procon. “Persistindo o problema, recomenda-se a contratação de advogado para buscar a resolução por vias judiciais”, diz Lima, da Bruno Boris Advogados.

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Essa também é a recomendação de Feitosa, advogado da área cível do Lassori Advogados. “Em última instância, também poderá ingressar com ação judicial em face de prática abusiva”, afirma.

Oliveira, advogada, conseguiu se livrar da contratação do seguro residencial no financiamento imobiliário, mas precisou abrir conta corrente e fazer um cartão de crédito – produtos que ela sabia serem desnecessários, mas que aceitou para evitar problemas no financiamento. Não deve tomar medidas a respeito. “Se você falar que não vai fazer (abrir conta, anuir a emissão do cartão de crédito e etc), não consegue o financiamento. Durante o processo, tudo é muito estressante e acabamos pagando muita coisa que talvez não fosse necessário”, desabafa.

Silva ainda está pagando as tarifas da conta corrente, aberta apenas para o financiamento imobiliário. Fez uma reclamação a respeito no site Reclame Aqui e espera um retorno na plataforma antes de procurar diretamente o Santander. Em última instância, abrirá um processo judicial para tentar reaver os valores pagos.

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