- Breon Peace, procurador do Distrito Leste de Nova York, disse que o esquema para surrupiar o fundo conhecido como 1MDB foi “enorme em sua dimensão” e “descarado em sua execução”
- Jho Low, empresário malaio conhecido por suas grandes despesas e arquiteto do esquema, foi indiciado junto com Ng, mas está foragido e acredita-se que esteja vivendo na China
Matthew Goldstein, The New York Times – Um ex-banqueiro do Goldman Sachs foi condenado em 8 de abril pelas acusações de suborno e lavagem de dinheiro decorrentes de um escândalo de fraude que ganhou proporções globais: o saque de mais de US$ 4 bilhões de um fundo soberano da Malásia.
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Um júri federal considerou o ex-banqueiro Roger Ng culpado depois de um julgamento de quase dois meses no qual a principal testemunha do governo admitiu mentir com frequência. Mesmo assim, os jurados consideraram Ng culpado de todas as três acusações após mais de dois dias de deliberação.
Ele pode pegar até 30 anos de prisão.
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Breon Peace, procurador do Distrito Leste de Nova York, disse que o esquema para surrupiar o fundo conhecido como 1MDB foi “enorme em sua dimensão” e “descarado em sua execução”.
“O veredicto de hoje é uma vitória não apenas para o Estado de direito, mas também para o povo da Malásia, para quem o fundo deveria ajudar arrecadando dinheiro para projetos de desenvolvimento da economia de seu país”, disse Peace. “O réu e seus comparsas viam o 1MDB não como algo para fazer o bem ao povo da Malásia, mas como um cofrinho para enriquecer a eles mesmos.”
Ainda não foi definida uma data para a sentença. O advogado de Ng, Marc Agnifilo, não respondeu às solicitações de entrevista.
O julgamento, que começou em meados de fevereiro em um tribunal federal no Brooklyn, provavelmente será o único relacionado ao escândalo a acontecer nos Estados Unidos. Os bilhões roubados financiaram estilos de vida suntuosos para poderosos malaios – entre eles o ex-primeiro-ministro do país – e outros, comprando pinturas de Van Gogh e Monet, pagando por propriedades de luxo de Londres a Beverly Hills e ajudando a financiar o filme hollywoodiano “O Lobo de Wall Street”.
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Jho Low, empresário malaio conhecido por suas grandes despesas e arquiteto do esquema, foi indiciado junto com Ng, mas está foragido e acredita-se que esteja vivendo na China. Tim Leissner, ex-sócio do Goldman e principal testemunha do governo durante o julgamento, deve receber sua sentença em julho; ele se declarou culpado das acusações de suborno e lavagem de dinheiro em 2018.
Low é acusado de embolsar cerca de US$ 1 bilhão em dinheiro desviado de uma série de ofertas de títulos que o Goldman organizou para o fundo 1MDB. Leissner recebeu mais de US$ 60 milhões em propinas e os promotores disseram que Ng recebeu US$ 35 milhões em rendimentos ilegais.
Promotores federais disseram que outros – inclusive o ex-primeiro-ministro Najib Razak e sua família, assim como autoridades em Abu Dhabi e nos Emirados Árabes Unidos – receberam centenas de milhões de dólares em subornos para aprovar o Goldman como o principal subscritor das ofertas de títulos. Najib foi exonerado do cargo e, depois, condenado por um tribunal da Malásia com uma sentença de até 12 anos de prisão. Ele entrou com recurso.
O julgamento foi incomum quase desde o início: os procedimentos foram postergados durante vários dias devido à lentidão dos promotores para entregar documentos possivelmente cruciais para a defesa, o que os advogados de Ng disseram ter prejudicado sua preparação para o caso e poderia servir como justificativa para um recurso.
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As audiências também contaram com o depoimento de uma testemunha-chave que admitiu ser um mentiroso de mão cheia. Leissner, que já foi uma figura de sucesso no Goldman na Ásia, depôs durante dez 10 dias, sendo seis deles com um interrogatório feroz pelos advogados de Ng. Ele foi obrigado a admitir já ter mentido para os agentes federais, para seus colegas do Goldman e para suas namoradas e esposas.
A lista de mentiras confessadas por Leissner foi longa e, em alguns casos, inacreditável. Ele admitiu ter sido casado duas vezes com duas mulheres ao mesmo tempo. Leissner afirmou ter entregado uma sentença de divórcio falsa para sua atual esposa, a modelo e estilista Kimora Lee Simmons, quando a estava convencendo a se casar com ele. (O casal, que tem dois filhos, está separado.) E ele disse que enquanto estava namorando com Kimora, conversou com ela usando uma conta de e-mail falsa que criou para se passar por sua segunda esposa, Judy Chan.
Leissner também foi obrigado a reconhecer que mentiu para os investigadores sobre suas ações com respeito ao 1MDB e foi interrogado de forma intensa em relação às declarações anteriores, que conflitavam com o que ele disse durante o depoimento no tribunal. Quando pressionado, Leissner admitiu que “mentia muito”.
Em seus argumentos finais, Agnifilo disse ao júri que “não havia ninguém como Leissner” quando se tratava de mentir e ele não era confiável para dizer a verdade em relação a qualquer coisa, inclusive sobre seu envolvimento no esquema de corrupção e propina. Mas os promotores disseram que Leissner estava dizendo a verdade a respeito dos crimes pelos quais Ng era acusado, entre eles um pagamento de US$ 35 milhões que as autoridades disseram ser suborno.
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A esposa de Ng, Hwee Bin Lim, disse em seu testemunho que os US$ 35 milhões recebidos por ela e seu marido eram os rendimentos de um investimento de US$ 6 milhões que ela havia feito muitos anos antes com Judy Chan.
No início do julgamento, Agnifilo disse à juíza Margo K. Brodie que estava considerando pedir a anulação do julgamento por causa do que chamou de “má conduta do governo” por entregar dezenas de milhares de páginas de e-mails de Leissner apenas após o início do julgamento. Os promotores chamaram o atraso de “imperdoável” e colocaram a culpa em uma equipe jurídica à parte responsável pela análise dos documentos quanto a possíveis questões de privilégios legais.
Agnifilo decidiu não pedir a anulação do julgamento, mas especialistas jurídicos disseram que os atrasos podem ser usados para defender um novo julgamento na apelação.
O julgamento foi um exemplo incomum de um gestor testemunhando contra um subordinado. Em casos de crimes corporativos de destaque, as principais testemunhas cooperantes costumam ser usadas para apoiar acusações contra executivos de alto escalão de uma empresa. Mas, no caso de Leissner, sua cooperação foi usada pelos promotores federais não apenas para provar as acusações contra Ng, mas, também, para ajudar em um processo criminal contra seu ex-empregador.
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A cooperação de Leissner levou a subsidiária do Goldman Sachs na Malásia a se declarar culpada de uma única acusação de violar a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior – o primeiro caso em que o Goldman esteve perante um juiz dos EUA e admitiu ser culpado de um crime.
O banco concordou em pagar US$ 2,3 bilhões em multas às autoridades federais e bilhões a mais às autoridades de outros países, entre eles a Malásia. O banco também fez um acordo de acusação diferida em três anos com as autoridades americanas.
O julgamento de Ng não ajudou muito a explicar as ações de outros no Goldman, mas ofereceu detalhes sobre as estratégias empregadas para encobrir o envolvimento de Low na orquestração das três ofertas de títulos. Estas ofertas arrecadaram US$ 6,5 bilhões para o fundo e geraram US$ 600 milhões em taxas para o Goldman.
Uma das três acusações criminais pelas quais Ng foi condenado envolvia conspiração para violar controles e procedimentos no Goldman que tinham como objetivo impedir o pagamento de subornos a funcionários estrangeiros.
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Os promotores apresentaram provas de que Ng e Leissner se comunicavam com frequência usando contas de e-mail pessoais, em vez das corporativas. Eles também disseram que os dois homens apagaram alguns e-mails depois de o escândalo envolvendo o fundo 1MDB começar a vir à tona na Ásia.
Em seu depoimento, Leissner afirmou que ele e Ng estavam dispostos a pagar propina porque sabiam que conseguir as ofertas de títulos era uma grande vitória para o Goldman e eles pareceriam “heróis” dentro do banco.
Como parte de seu acordo judicial, o Goldman concordou com uma exposição de fatos que destacaram uma série de falhas de controle interno que, segundo as autoridades, deveriam ter detectado os delitos de seus ex-funcionários, assim como o envolvimento de Low para organizar as ofertas. // TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA