Comportamento

Como investimentos ESG viraram alvos de políticos conservadores

Republicanos dos EUA dizem que Wall Street deu uma guinada "para a esquerda"

Como investimentos ESG viraram alvos de políticos conservadores
Os investimentos ESG são rotina em Wall Street há anos, mas republicanos protestam. Foto: Envato Elements
  • Os investimentos ESG são rotina em Wall Street há anos. A maioria das grandes empresas publica relatórios extensos a respeito de seus esforços para combater as mudanças climáticas e o compromisso com a diversidade no local de trabalho
  • No entanto, nos últimos meses, os conservadores têm atacado cada vez mais a prática, argumentando que ela promove prioridades liberais que vão desde a energia renovável até o movimento Black Lives Matter
  • Em todo o país, os tesoureiros estaduais republicanos têm retirado bilhões de dólares de empresas como a BlackRock

Tem sido uma tendência bastante aceita nos círculos financeiros há quase duas décadas. Entretanto, do nada, os republicanos dos EUA começaram a atacar uma filosofia que diz que as empresas devem se preocupar não apenas com os lucros, mas também com a forma como seus negócios afetam o meio ambiente e a sociedade.

Mais de US$ 18 trilhões são mantidos em fundos de investimento que seguem o princípio de investimento conhecido como ESG – a abreviação em inglês para priorizar fatores ambientais, sociais e de governança –, uma estratégia que tem sido adotada por grandes corporações em todo o mundo.

Agora, os republicanos em todo o país dizem que Wall Street deu uma guinada para a esquerda, atacando o que eles chamam de “capitalismo woke” (o termo “woke” costuma fazer referência à preocupação com injustiças sociais e políticas) e arrastando empresas, outrora vistas como aliadas, para guerras culturais.

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O rancor aumentou na última terça-feira (28), quando os republicanos no Congresso usaram sua recente maioria na Câmara para votar por uma diferença de 216 a 204 a revogação de uma norma do Departamento de Trabalho dos Estados Unidos que permite aos fundos de aposentadoria levar em consideração as mudanças climáticas e outros fatores ao escolher as empresas nas quais investir.

No Senado, os republicanos estão apoiando uma iniciativa semelhante, da qual participa o senador democrata Joe Manchin.

A estratégia no Capitólio puxou o presidente para a briga, com a Casa Branca dizendo que Joe Biden vetará qualquer projeto de lei para derrubar a norma.

Aparentemente tirando partido da repentina popularidade do assunto, o ex-vice-presidente Mike Pence manifestou-se sem receios no Twitter na terça-feira. “Decepcionante que o presidente Biden esteja colocando as políticas ESG e woke acima das contas de aposentadoria dos trabalhadores americanos!”, escreveu Pence, um possível candidato na eleição de 2024 para a Casa Branca. “Vamos continuar lutando até acabar com o ESG de uma vez por todas!”

Os investimentos ESG são rotina em Wall Street há anos. A maioria das grandes empresas publica relatórios extensos a respeito de seus esforços para combater as mudanças climáticas e o compromisso com a diversidade no local de trabalho.

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No entanto, nos últimos meses, os conservadores têm atacado cada vez mais a prática, argumentando que ela promove prioridades liberais que vão desde a energia renovável até o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).

E embora as práticas de ESG se apliquem a tudo, desde a diversidade entre os líderes nas empresas até os controles de corrupção, é o “E” na sigla – a ideia de que o setor privado precisa considerar seu impacto no meio ambiente – que despontou como o principal alvo dos republicanos.

Autoridades em estados governados por republicanos afirmam que isso levaria ao desinvestimento em empresas de combustíveis fósseis responsáveis por receitas fiscais e empregos em seus estados, tornando-se um dos principais alvos de comentaristas e políticos de direita.

“O ESG foi capturado pela mira da guerra cultural nos EUA”, disse Alexandra Mihailescu Cichon, vice-presidente executiva da RepRisk, uma empresa que ajuda as empresas a monitorar seus objetivos em ESG. “Tornou-se uma questão de progressistas versus conservadores, democratas versus republicanos.”

É provável que a norma do Departamento do Trabalho dos EUA permaneça em vigor, já que os republicanos não parecem ter os votos necessários para anular o veto prometido.

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Mas a votação da Câmara na terça-feira foi apenas o início do que se espera ser uma longa campanha contra o ESG.

O deputado republicano Patrick McHenry, que lidera o Comitê de Serviços Financeiros da Câmara, anunciou a formação de um “grupo de trabalho republicano sobre ESG”. Eles planejam audiências este ano, nas quais os legisladores conservadores devem interrogar executivos de alguns dos maiores bancos do país a respeito de suas opiniões em relação às mudanças climáticas, questões sociais e muito mais.

Existem alguns indícios de que a rejeição conservadora esteja ganhando força. A Vanguard, uma das maiores empresas de investimento do mundo, saiu recentemente da iniciativa Net Zero Asset Managers, um esforço destinado a envolver os gestores de fundos institucionais na luta contra as mudanças climáticas.

A BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, vem se esforçando bastante para lembrar aos políticos que ainda investe nas indústrias de combustíveis fósseis, embora apoie as iniciativas para reduzir as emissões dos gases de efeito estufa que provocam o aquecimento do planeta.

“Estamos vendo grandes empresas responderem a essa pressão política”, disse o deputado democrata Sean Casten, que no mês passado ajudou a implementar o grupo de Investimento Sustentável da Câmara e defensor do investimento ESG.

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Mesmo antes da votação de terça-feira no Capitólio, a norma do Departamento do Trabalho dos EUA já tinha uma contestação legal de 25 procuradores-gerais republicanos, liderados por Ken Paxton, do Texas.

Como a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês) estuda uma nova regra que exigiria a divulgação das emissões de carbono das empresas, grupos da indústria e legisladores republicanos têm pressionado para limitar seu escopo.

Em todo o país, os tesoureiros estaduais republicanos têm retirado bilhões de dólares de empresas como a BlackRock, consideradas por eles como “woke”.

E Vivek Ramaswamy, empresário e comentarista conservador, criou o que ele considera ser uma empresa de investimentos apolítica, a Strive Asset Management, posicionando-a como uma alternativa à BlackRock. Ramaswamy anunciou recentemente que iria concorrer à presidência em cima de uma plataforma que, na prática, é anti-ESG.

Para os profissionais de gestão de riscos que trabalham com as minúcias dos relatórios de práticas ESG há décadas, a rixa política é desconcertante.

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“Até bem pouco tempo, isso era obscuro e apenas aceito como parte genérica dos investimentos”, disse Josh Lichtenstein, sócio do escritório de advocacia Ropes & Gray, que está acompanhando a reação negativa ao ESG.

O termo ESG foi apresentado pela primeira vez num relatório de 2004 elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e por 20 empresas do setor financeiro, entre elas Goldman Sachs, Morgan Stanley e UBS.

À medida que mais empresas começaram a falar de suas iniciativas para combater as mudanças climáticas e fomentar a diversidade, a questão ganhou um lugar de destaque na agenda corporativa. Entre os maiores defensores do ESG está Larry Fink, CEO da BlackRock, que pediu para as empresas não se limitarem aos relatórios de resultados financeiros e levarem em consideração o papel que o setor privado poderia desempenhar no enfrentamento de problemas sociais.

Essa defesa o tornou alvo de críticas contundentes de comentaristas e políticos conservadores, assim como de teorias da conspiração sombrias.

“Pela primeira vez na minha carreira, os ataques agora são pessoais”, disse Fink na reunião anual do Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça, no mês passado. “Eles estão tentando demonizar o assunto.”

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A atual reação ao ESG pode ser atribuída ao Texas, onde em 2020 os executivos do petróleo começaram a reclamar que grandes bancos como o JPMorgan tinham parado de lhes conceder empréstimos.

Os legisladores republicanos de Austin, no Texas, assim como os funcionários da Texas Railroad Commission, a agência reguladora do estado para o setor energético, entraram na briga.

“Se o ESG não for posto em xeque, não apenas os futuros aposentados vão encarar desafios nos próximos anos, como também poderíamos nos deparar com falências e demissões recordes no setor energético”, disse Wayne Christian, um dos comissários da agência, em 2021.

Naquele ano, o governador Gregg Abbott assinou uma lei proibindo o estado de contratar ou investir em qualquer empresa que estivesse “boicotando” os combustíveis fósseis.

Desde então, outros se juntaram à luta contra o ESG.

A Heritage Foundation, um dos think tanks conservadores mais proeminentes do país, está produzindo uma série de artigos e podcasts explicando por que vê o ESG como uma ameaça ao estilo de vida americano.

“O ESG é um ataque direto ao coração e à alma da economia de livre mercado”, disse Andrew Olivastro, executivo da Heritage Foundation. “Vejo o ESG como um guarda-chuva amplo para uma relação entre o Estado administrativo e a classe empresarial. E isso não tem nada a ver com promover o progresso da humanidade em torno de indivíduos e famílias.”

Não está claro se a aplicação de princípios ambientais e sociais aos investimentos é de fato bom para as empresas. Alguns estudos mostraram que aquelas que adotam melhores práticas ambientais e sociais superam seus pares no longo prazo. Mas outras pesquisas apontam o contrário. E conforme as bolsas de valores caíam no ano passado, os preços das ações de petróleo e gás subiam rapidamente.

Outra questão controversa é que os rankings ESG, que são compilados por empresas como a S&P Global, às vezes chegam a conclusões contraintuitivas sobre quais empresas estão fazendo mais pelo meio ambiente e pela sociedade.

No ano passado, Elon Musk fez fortes críticas depois que a Tesla, sua empresa de carros elétricos, ficou de fora de um importante ranking de empresas com as melhores pontuações de práticas ESG, enquanto a Exxon Mobil, uma das maiores produtoras de petróleo do mundo, foi incluída. “ESG é uma farsa”, ele tuitou. “Tornou-se uma arma de guerreiros fajutos pela justiça social.”

O senador democrata Sheldon Whitehouse disse acreditar que o posicionamento republicano em relação ao ESG era mais para criar indignação do que para determinar quanto risco financeiro as preocupações com as mudanças climáticas representavam para os investimentos no longo prazo.

“Eles inventam provocações de guerra cultural que rendem cliques, e o capitalismo woke faz parte disso”, afirmou.

Ele também disse acreditar que a indústria de combustíveis fósseis era responsável por financiar grande parte da rejeição. Grupos como a Texas Public Policy Foundation, que se opõe às ações de combate às mudanças climáticas em todo o país, são apoiados por empresas de petróleo e gás.

E a indústria de petróleo e gás continua fazendo doações aos republicanos numa proporção muito maior do que aos democratas, de acordo com dados compilados pela OpenSecrets.

Entretanto, a cada semana, os republicanos em todo o país reforçam sua campanha. O governador Ron DeSantis, da Flórida, disse que tentaria impedir o estado de considerar os fatores ESG ao emitir títulos municipais. E um grupo de procuradores-gerais republicanos recentemente impugnou duas empresas de consultoria que aconselhavam os investidores, por levar em consideração práticas ambientais e sociais ao fazerem recomendações.

As instituições financeiras presas no meio da briga dizem que isso dificulta o trabalho delas.

“Isso está tendo um impacto”, disse Ivan Frishberg, diretor de sustentabilidade do Amalgamated Bank. “É assustador. É complicado. E nada disso é bom para os negócios.”

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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