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Comportamento

Bancos de Wall Street alcançam lucro de US$ 1 trilhão em uma década

Enquanto grande parte da atenção do mundo voltava-se para o Vale do Silício, eles estavam ganhando força

Bancos de Wall Street alcançam lucro de US$ 1 trilhão em uma década
Wall Street é o principal centro financeiro global e local de sede da NYSE, a bolsa de valores com o maior volume de negociação no mundo. (Fonte: Gettyimagens/Reprodução)
O que este conteúdo fez por você?
  • O JPMorgan Chase, o Bank of America e até mesmo o Wells Fargo estão prestes a obter mais lucro nesses dez anos do que todos os concorrentes
  • Uma conquista assim não parecia possível antes do início da década, quando Wall Street era alvo de uma onda de protestos globais
  • Não é apenas a dimensão dos lucros que é impressionante, mas a capacidade do setor de resistir a escândalos e prosperar outra vez

Malick Diop percebeu que algo estava diferente em Wall Street.

Ele começou a trabalhar no Morgan Stanley naqueles dias sombrios de 2009, quando os grandes bancos estavam tentando pagar os resgates dos contribuintes e se esquivar da fúria pública. Mas, quatro anos depois, a ira sumia aos poucos e a ambição estava em voga.

“Parecia que, pela primeira vez, o trabalho e a carreira não estavam definidos pelo contexto da crise financeira”, disse Diop. “Isso é coisa do passado. E agora é hora de fecharmos novos negócios.” Nos anos seguintes, a ascensão dele ao cargo de diretor-geral sinalizou um novo boom. Ele ajudou a orquestrar um acordo multibilionário com o SoftBank Group, cujos investimentos vertiginosos definiram uma era, depois fechou uma enorme fusão SPAC no auge daquela febre.

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Diop não sabia disso, mas estava tendo uma pequena participação em algo quase inexplicavelmente lucrativo: a primeira década de trilhões de dólares para os seis gigantes do setor bancário dos Estados Unidos. Não se trata de US$ 1 trilhão de receita total, mas de puro lucro.

Uma conquista assim não parecia possível antes do início da década, quando Wall Street era alvo de uma onda de protestos globais e políticos de várias correntes estavam irritados pelos resgates ou tentando dar fim aos credores grandes demais para falir.

Em vez disso, eles cresceram, superando o mundo corporativo dos EUA com tanta facilidade que o JPMorgan Chase, o Bank of America e até mesmo o prejudicado Wells Fargo estão prestes a obter mais lucro nesses dez anos do que todas as demais corporações, com exceção de algumas empresas americanas de capital aberto, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.

O Citigroup, o Goldman Sachs e o Morgan Stanley não ficam muito para trás. E juntos, os seis estão prestes a lucrar ainda mais em 2023.

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Enquanto grande parte da atenção do mundo voltava-se para o patrimônio criado pelo Vale do Silício, os bancos estavam ganhando força. Não há uma resposta única para explicar como eles conseguiram isso: a volatilidade incentivou a safra de negociações de Wall Street, os banqueiros de investimentos como Diop conduziram um boom de negociações e Donald Trump reforçou os resultados reduzindo impostos. Do mesmo modo, não há apenas uma única reação em todo o setor em relação à conquista.

“Às vezes, há a sensação de que o fato de eles terem lucrado tanto é de certa forma terrível, e eu simplesmente não acho que esse seja o caso”, disse Betsy Duke, ex-integrante do conselho de governadores do Federal Reserve que presidiu o conselho do Wells Fargo até 2020. “Quase tudo que poderia ocorrer com o sistema financeiro aconteceu nos últimos dez anos. Esses bancos não apenas sobreviveram, mas, de fato, prosperaram.”

Em uma década de indignação pública contra os bancos, regras mais rígidas, caos geopolítico, pandemia e algumas oscilações de mercado traiçoeiras, os bancos “conseguiram lidar com tudo isso, e não apenas enfrentar, mas lucrar US$ 1 trilhão”, disse Betsy.

US$ 1 trilhão

Estimativas de analistas mostram que os seis bancos estão se aproximando rapidamente dessa façanha – US$ 1 trilhão em uma década – e que, se não alcançaram o marco até o fim de 2022, vão atingi-lo nas primeiras semanas deste ano. No entanto, não é apenas a dimensão dos lucros que é impressionante, mas a capacidade do setor de resistir a escândalos e prosperar outra vez.

Dez anos atrás, o JPMorgan, hoje o banco americano mais lucrativo e com maior avaliação de mercado, estava em apuros após o fiasco com seus controles internos, caso que ficou conhecido como “London Whale” (Baleia de Londres). O Wells estava no topo dos seis maiores bancos, era o mais bem avaliado e o único do grupo a arrecadar mais de US$ 20 bilhões. Embora seus lucros tenham sido posteriormente atrapalhados por revelações de condutas inadequadas com clientes, os analistas o veem se aproximando daquele patamar outra vez em 2023.

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O que não mudou ao longo desses anos foi a vasta descrição do ramo: os bancos vendem ações e títulos, negociam instrumentos financeiros, aconselham sobre aquisições de empresas, administram patrimônio, lidam com pagamentos e oferecem empréstimos. Em 2013, alguns traders já estavam lamentando as tomadas de risco ameaçadas pela lei Dodd-Frank de 2010, mesmo que Washington ainda estivesse elaborando as regras propriamente ditas.

Para se livrar do fantasma da crise global, os bancos tiveram de pagar. Em 2014, o Bank of America aceitou um acordo histórico de US$ 16,7 bilhões para encerrar as investigações a respeito de práticas hipotecárias fraudulentas, ultrapassando os US$ 13 bilhões pagos pelo JPMorgan. Até então, alguns bancos estavam explorando novos caminhos para o lucro que os colocaram em apuros.

Os funcionários do Wells Fargo, sob pressão para atingir as metas de vendas, criaram milhões de contas para clientes que não tinham solicitado o serviço, o caso mais famoso de uma série de escândalos que acabaram por abranger boa parte das atividades do banco. E, na Malásia, o Goldman Sachs acabou arrecadando bilhões de dólares em 2013 para um fundo soberano conhecido como 1MDB, que depois foi surrupiado por um grupo que incluía o ex-primeiro-ministro do país.

“Meu maior arrependimento na última década foi não frear a transação do 1MDB”, disse o ex-sócio do Goldman, Robert Mass, um executivo de compliance. “Cada questão foi examinada, em alguns casos várias vezes, mas, no fim, as respostas que recebemos nos convenceram”. Mass, que agora ensina filosofia no Hunter College, em Nova York, disse que a empresa foi “enganada pelos próprios funcionários, que estavam envolvidos com suborno, de modo que não tínhamos motivos para duvidar e não podíamos contestar.” Ele não tem certeza se aprendeu alguma lição, “além de desconfiar mais”.

Gastos com impostos caíram

A magnitude do lucro faz com que esses erros pareçam contratempos. Uma pessoa a quem o setor pode agradecer, Trump, insultou os bancos durante a campanha eleitoral antes de colocar dois ex-funcionários do Goldman no comando de uma reforma tributária que ajudou a transformar os lucros das empresas. Os bancos que se acostumaram a pagar US$ 3 ao governo a cada US$ 10 obtidos, viram-se desembolsando a contragosto menos de US$ 1 dólar a cada US$ 5 recebidos em 2018. Seus gastos com impostos diminuíram depois disso.

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Aquele ano viu um novo grau de crescimento em Wall Street. Os bancos que lucraram menos de US$ 70 bilhões em 2017 ganharam US$ 120 bilhões em 2018, graças a redução nos impostos, um aumento nas taxas de juros e o crescimento no setor bancário de varejo e nas negociações. Seus ativos combinados, que giravam em torno de US$ 10 trilhões há anos, começaram a disparar.

Do ponto de vista de um dos principais advogados de Wall Street, H. Rodgin Cohen, tudo isso não deveria ser uma surpresa. “Os bancos talvez sejam vistos como instituições que estão sempre ganhando, com algumas exceções por causa de seu papel na economia”, disse Cohen, que agora é presidente sênior do escritório Sullivan & Cromwell LLP. “Eles são intermediários. Estão tomando empréstimos e emprestando.”

A década foi um período interessante para ser um banqueiro. As despesas com funcionários para as seis empresas, que oscilaram em torno de US$ 148 bilhões no início da década antes de cair por alguns anos, saltaram para US$ 154 bilhões em 2019, não importando que o número total deles tenha, na verdade, diminuído. A certa altura, Jamie Dimon, o chefe do JPMorgan que já havia se tornado um bilionário, recebeu um pacote de remuneração e benefícios tão alto que um representante de uma empresa de consultoria disse aos acionistas para votar contra a proposta.

“Um dos objetivos de uma boa sociedade é que todos, inclusive aqueles na parte mais inferior dela, tenham o suficiente para sobreviver e prosperar”, disse Mass, ex-sócio do Goldman que agora estuda ética. “Tudo bem para mim as pessoas serem bem remuneradas pela produção de produtos e prestação de serviços que aumentam o nível global de riqueza na sociedade, mas apenas quando combinamos isso com tributação adequada e segurança social apropriada para que aqueles na parte mais baixa [da pirâmide] possam progredir.” Ele observou que não tinha os conhecimentos necessários para dizer se os impostos atuais e as redes de segurança têm o tamanho certo.

A pandemia

Poucas coisas transformaram o cenário de Wall Street tão profundamente quanto a chegada da pandemia em 2020. Para evitar o cataclismo econômico, o governo americano lançou programas de auxílio aos consumidores e às empresas, e o Fed comprou trilhões de dólares em ativos. O caos no mercado trouxe de volta a volatilidade que os pregões almejam. As empresas fizeram fila para tomar empréstimos, levantar capital ou comprar concorrentes enfraquecidos.

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As coisas também estavam mudando dentro dos bancos. Quando a polícia assassinou George Floyd em maio de 2020, Diop sentiu-se sobrecarregado com as mensagens de amigos da universidade e de colegas do trabalho. “As intenções tinham boas intenções, mas receber essas 20 ligações porque você é a única pessoa negra que eles conhecem…”, disse ele. Foi “cansativo ser o amigo negro de todos naquele momento”.

Em setembro do mesmo ano, a notícia de que Jane Fraser se tornaria a primeira mulher a dirigir um dos maiores bancos americanos foi recebida por seus colegas com aplausos, mas também com frustração por isso estar acontecendo apenas agora.

“Tentei mudar o setor de dentro para fora nos três maiores bancos e falhei – tenho cicatrizes na cabeça para provar”, disse Anne Clarke Wolff, ex-executiva do Citigroup, JPMorgan e Bank of America que fundou a Independence Point Advisors em 2021. “Durante meus dez anos em um desses bancos, o CEO não passou nem dez minutos comigo – e eu estava entre as mulheres com cargo mais elevado.”

No início de 2020, os analistas estavam escrevendo os obituários dos lucros recordes de Wall Street. Em vez disso, os bancos ajudaram a desencadear o boom das empresas de cheques em branco conhecidas como SPACs. Mais tarde, depois que os reguladores ficaram nervosos e os preços azedaram, coube aos investidores lidar com a situação difícil com a qual ninguém queria se ocupar.

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Os lucros em 2021 também tiveram uma mãozinha de uma mudança na contabilidade: graças à intervenção do governo, os bancos estavam se sentindo bem o suficiente em relação à economia e liberaram algumas das reservas que tinham separado para o caso de os empréstimos azedarem. Os seis maiores bancos alcançaram lucros maiores em 2021 do que a soma dos obtidos em 2013 e 2014. Mesmo quando a Rússia invadiu a Ucrânia em 2022, o caos ajudou os traders a contrariar as expectativas de tempos difíceis.

O cálculo dos lucros dos últimos dez anos ofusca a década anterior, mesmo se levarmos em conta a inflação e as grandes fusões bancárias durante a crise financeira.

Contudo, outros titãs corporativos, principalmente no Vale do Silício, se deram tão bem que Wall Street não pode reivindicar o monopólio do sucesso. Só a Apple lucrou mais de meio trilhão de dólares. A Microsoft, a Berkshire Hathaway e a Alphabet ficaram à frente do JPMorgan, seguidas pela Exxon Mobil, desbancando o Bank of America e o Wells Fargo.

Inovação

Os bancos atribuiriam alguns de seus lucros à inovação, após os investimentos em plataformas tecnológicas e em ofertas melhoradas, inclusive nas recompensas por uso de cartão de crédito. Eles também ajudaram as empresas a usar os mercados de capitais para fazer crescer a economia. E conservaram parte do lucro, adicionando mais de US$ 200 bilhões às suas reservas de capital na última década para tornar menos provável um repeteco de 2008.

Os críticos diriam que os bancos não conseguiram isso sozinhos. Muitos deles não teriam sobrevivido a 2008 sem a ajuda dos contribuintes, e essas reservas são o resultado de regras de capital mais rígidas, às vezes aprovadas com objeções ferrenhas dos banqueiros. Além disso, foi outra intervenção do governo que amparou a economia durante a pandemia, preparando o setor para esses lucros recordes. Entre outras fortes críticas: alguns bancos focam numa fatia mais restrita de clientes, limitando as oportunidades para muitas comunidades, e demoraram a repassar os aumentos das taxas de juros aos clientes, apostando que eles não os abandonariam pelos rivais menores.

No fim das contas, as fortunas dos bancos dependem do bem-estar de seus clientes, disse Cohen. Esses lucros épicos vão despencar “se a economia sofrer uma desaceleração, uma recessão de verdade”, afirmou.

A carreira de Diop mostra as possíveis armadilhas. Duas grandes companhias hipotecárias que ele ajudou a levar para o mercado de capital aberto durante a pandemia caíram mais de 50%, prejudicadas por taxas de juros mais altas e preocupações econômicas.

Mesmo quando os mercados estavam em alta, Diop se preocupava com como as coisas estariam quando o clima mudasse. “Mas você não pode ficar de lado em todos os acordos”, disse ele. Em 2022, ele deixou o Morgan Stanley para se tornar executivo da Hoorae, a empresa de mídia comandada pela atriz e produtora Issa Rae, sua irmã. “Na verdade, já sinto um pouco de saudade”, disse ele. “Sinto falta de descobrir o que vem a seguir.”

*Colaboração: Mathieu Benhamou, Jennifer Surane, Katherine Doherty, Alexander McIntyre e Michael Moore/ Tradução de Romina Cácia

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