- Kátia Margareth Dias é sócia da One Investimentos, um dos maiores escritórios do BTG. A história da executiva começa no bairro Sagrada Família, em Belo Horizonte (MG)
- Filha de uma lavadeira, teve que assumir muito cedo a responsabilidade pelo seu próprio futuro. Nos primeiros passos no mercado financeiro, chegou a ser recusada em um escritório por não ter contato com clientes de alta renda
- Hoje, é responsável por um programa de capacitação para novos assessores
É possível ter sucesso no mercado financeiro começando do zero, sem herança, contatos ou atalhos? A história de uma das poucas executivas negras do mercado, vinda de uma família humilde, e hoje sócia de um dos maiores escritórios de investimentos do banco BTG Pactual mostra que sim.
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Em 1994, Kátia Margareth Dias, então com 11 anos, repetia a 5ª série em uma escola estadual do bairro Sagrada Família, em Belo Horizonte (MG). Sua mãe, Maria das Graças, surpreendentemente não a castigou. Ainda assim, deixou uma lição que ecoaria para sempre na mente da hoje sócia da One Investimentos, escritório com R$ 4,8 bilhões sob gestão.
“Minha mãe disse: Kátia, você é a única responsável pelo seu futuro. Se hoje é isso que quer para a sua vida, você vai colher os frutos lá na frente. E serão bem amargos”, relembra a executiva. “Foi uma lição que levei para a vida”, diz.
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A atitude de delegar à filha a responsabilidade em relação ao futuro tinha uma forte motivação. Dona Maria estava muito longe de ser uma mulher rica e deixar uma herança confortável para os seus quatro filhos.
Depois que seu marido faleceu em 1985, teve que criar sozinha não só Dias, que tinha apenas 2 anos na época, mas os gêmeos de Filipe e Priscila, de 5 anos, e a filha mais nova, Júnia, de quem ainda estava grávida.
A solução encontrada por ela para criar as crianças foi trabalhar lavando roupas para outras famílias. Apesar de conseguir apenas o suficiente para alimentação e contas básicas, o trabalho podia ser desempenhado em casa, permitindo que ela estivesse sempre presente no desenvolvimento dos pequenos.
Maria segurou sozinha as pontas do orçamento familiar até o fim da adolescência dos filhos e todo o sacrifício vinha com apenas uma exigência: que eles se esforçassem ao máximo nos estudos e construíssem as próprias carreiras.
“Eu não tinha herança, nem perspectiva de alguém me ajudar (a ser bem-sucedida). Somente eu poderia fazer isso”, afirma a sócia da One. “Eu precisava correr atrás de estudar e ter o meu próprio dinheiro.”
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A partir da lição dada pela mãe, Dias não parou mais de estudar. Nunca mais repetiu um ano e manteve suas notas sempre altas. Inspirada nos irmãos mais velhos, que saíram da escola pública comum para cursar o ensino técnico, a então estudante do ensino fundamental se inscreveu e passou para o curso técnico em Estradas do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG).
Dessa forma, cursou o ensino médio paralelamente ao técnico, um período considerado por ela como crucial para o sucesso de anos depois no mercado financeiro.
“Basicamente eu ficava o dia inteiro na escola. Isso me fez mudar da água para o vinho”, afirma Dias. “Não que minha escola no bairro no Sagrada Família fosse ruim, mas existiam escolas técnicas federais que tinham realmente um ensino melhor”, pontua.
A decisão de se tornar especialista
Depois que terminou o ensino médio, Dias começou a trabalhar como atendente em uma farmácia de manipulação para pagar um cursinho e entrar na faculdade. No ano seguinte, passou para o curso superior de administração no próprio CEFET-MG.
Paralelamente, deixou o cargo de atendente para trabalhar no setor administrativo e financeiro da farmácia, onde permaneceu por mais de uma década. De profissional júnior chegou ao patamar de gerência da área financeira da companhia.
Nessa função, teve o primeiro contato com as finanças, cuidando de balanços, demonstrações financeiras (DRE), fluxo de caixa e orçamento. Contudo, não estava totalmente satisfeita.
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“Era algo muito rotineiro, todo os meses a mesma coisa”, afirma Dias. “E queria ser especialista, referência para a equipe. E ali no financeiro, você é muito generalista.”
Buscando a especialização, se matriculou no curso de pós-graduação em Finanças no Ibmec de Minas Gerais, em 2015, e se encantou por macroeconomia e produtos financeiros. Começou a procurar conteúdos extras na internet e aprofundar os temas vistos em aula.
“Foi aí que entrou o mercado financeiro na minha vida. Minha mãe, meus irmãos, nós nunca tínhamos tido capacidade de poupar. Nem sabíamos o que era o mercado financeiro”, ressalta Dias. “A cada dia que eu lia o material, eu sabia que o universo que estava por trás era imenso.”
Dentro da Ibmec, a pós-graduanda começou a traçar seu caminho nas finanças. “Eu vi no mercado financeiro aquilo que eu procurava: ser especialista em algo e sair da rotina, que massacra a gente quando estamos no setor financeiro de uma empresa”, afirma Dias. “No mercado financeiro, toda nova informação que surge, muda todo o contexto.”
Conversando com professores e alunos do Ibmec, descobriu que a maneira mais rápida de entrar no mercado financeiro era por meio de bancos. O conselho, entretanto, não agradou.
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“Nunca me vi trabalhando em um banco, não era isso que eu queria. O banco sempre tem aquele viés de bater meta, de entregar produtos que não são para o perfil dos clientes”, afirma a sócia da One.
Vale lembrar que, naquela época, entre 2015 e 2017, haviam muito menos escritórios de investimentos, casas de análise e gestoras. As oportunidades para trabalhar no mercado financeiro eram muito mais escassas e concentradas em poucos players do que hoje, porém, Dias conseguiu encontrar uma alternativa.
O lugar dela no mercado financeiro veio por meio da XP Investimentos, que trazia um modelo inovador de assessorias de investimentos especializadas. Um serviço diferente do oferecido até então pelos bancos comerciais.
Dias participou do curso preparatório da XP para tirar a certificação da Associação Nacional das Corretoras de Valores (Ancord), necessária para atuar com assessoria de investimentos.
“Passei nessa prova e a XP me encaminhou para dois escritórios, um deles em Belo Horizonte e outro em Nova Lima, que era a One Investimentos”, afirma Dias. Na época, a One Investimentos era vinculada à XP. Em 2018, foi a primeira assessoria a migrar para o concorrente BTG.
Porta fechada
A primeira opção de Dias não foi pela One Investimentos, mas o escritório em Belo Horizonte. Lá, percebeu as dificuldades de ser uma pessoa de origem humilde iniciando em uma carreira de finanças. Por não ter networking sólido com pessoas de alta renda, a assessoria recusou a entrada dela como advisor – pessoa responsável por montar a carteira de investimentos dos clientes.
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“Fui questionada sobre uma carteira de clientes própria, respondi que não. Aí eles disseram que não havia como eu trabalhar com eles”, afirma Dias. Diante da recepção negativa, a especialista foi encaminhada para a One Investimentos, onde foi acolhida desde o início, mesmos sem portfólio.
“Me identifiquei instantaneamente com os valores da One Investimentos. Eles me falaram: Kátia, você não tem nenhum cliente, correto? Respondi que não e que nem meu networking (contatos profissionais) era com pessoas de alta renda. Afinal, venho de uma família humilde, simples, e não tenho contatos assim”, afirma Dias.
Em resposta, o profissional que conduzia a entrevista explicou que não havia problema. O escritório projetava crescer de forma acelerada e abririam muitas oportunidades. Dias poderia atuar como assessora de investimentos na mesa de renda fixa, fundos e até de trader.
“Cerca de 15 dias após a minha entrada na One, que eu estava começando a prática comercial, foi ofertada a mim uma vaga na mesa de renda fixa. Rapidamente aceitei porque ali poderia aprender muito mais até eu conseguir criar vínculos com clientes e desenvolver uma carteira comercial”, explica a executiva.
Durante cinco anos, Dias foi advisor na One. O cenário mudou. Ela conheceu vários clientes, fez prospecção e adquiriu conhecimento técnico. A partir de 2020, ela se tornou sócia do escritório e, em outubro de 2021, migrou para a assessoria comercial. Ou seja, ela se tornou a pessoa responsável por conversar e traçar o perfil dos clientes para o advisor.
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“Independentemente de ser mulher e negra, tracei o objetivo de entrar no mercado financeiro e progredir na minha carreira”, diz. “Sim, o mercado tem um ambiente muito masculino, mas já vemos muitas gerentes no setor financeiro.”
Inclusão na prática
Hoje, a executiva é responsável pelo programa de capacitação da One Investimentos. Ela trabalha para facilitar a inclusão e adaptação de novos assessores mercado financeiro. O programa dura cerca de 20 dias e os novatos aprendem desde técnicas comerciais básicas, como a forma de receber os clientes e conduzir reuniões, até finanças comportamentais e produtos de investimentos.
Na parte da manhã, os assessores estudam a parte técnica, com conteúdos de instituições financeiras globais. Durante o período da tarde, os conteúdos são voltados para o comportamental. A ideia é entender o que o cliente precisa para adaptar a carteira às necessidades específicas do investidor.
“Trabalhei muitos anos como advisor e percebi que o assessor não conseguia extrair as informações necessárias sobre o cliente para montarmos uma carteira”, diz. “Ensinamos quais perguntas são necessária para entender o perfil dele do investidor e montar uma. Mas treinar é só o início, o meio e o fim é no dia a dia do trabalho.”
Para Dias, depois de um longo caminho até chegar ao mercado financeiro e uma porta fechada logo na primeira indicação, proporcionar capacitação é uma grande satisfação pessoal. “O principal ponto é fazer uma inclusão efetiva dos profissionais”, afirma.