- Levantamento da Teva Índices revela que apenas 14,1% dos assentos do conselho de administração das companhias de capital aberto no Brasil são ocupados por mulheres
- A baixa representatividade em altos cargos pode impactar no desempenho das empresas nos compromissos com a agenda ESG
- Segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), as empresas com a maior presença feminina em altos cargos de liderança costumam ter melhores notas de ESG
Mesmo com o avanço nas discussões sobre a presença feminina em cargos de liderança, o processo de equidade de gênero no mercado de trabalho continua a passos lentos no Brasil.
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Segundo levantamento da Teva Indices, apenas 14,1% dos assentos dos conselhos de administração das companhias de capital aberto são ocupados por mulheres. A escassez de diversidade de gênero pode implicar em baixa performance dessas empresas nas pautas de ESG (Environmental, Social and Governance).
Desde setembro de 2020, quando a Pague Menos (PGMN3) entrou para a bolsa de valores, Patriciana Rodrigues é presidente do Conselho de Administração da rede de farmácias. Ela é uma das 26 mulheres que ocupa essa posição no Brasil.
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Outros 307 postos de presidência de conselhos de administração de empresas brasileiras listadas na bolsa são ocupados por homens. Por ser minoria, Rodrigues afirma que já enfrentou preconceito para reafirmar sua posição. “Depois de uma trajetória como diretora comercial da Pague Menos, eu já sentei na mesa com diretores de multinacionais que ficaram aguardando e perguntando que horas chegaria o chefe. Eu respondi: “A chefe sou eu. É comigo que você vai negociar'”, relembra Rodrigues.
Essa situação não foi isolada. Rodrigues aponta que, independentemente do cargo que ocupam, as mulheres costumam carregar mais de uma responsabilidade além do trabalho, como o cuidado com os filhos. “Eu já precisei sair de uma reunião para levar um filho ao médico. Tive que me justificar várias vezes para isso. Pensava: ‘como vou dizer? Como vai ser?’, ressalta a presidente.
Se a necessidade partisse de um homem, ela acredita que a postura das pessoas no trabalho seria diferente. “Poderiam dizer: “Isso que é um pai”. É como se fosse uma tarefa extra curricular para o homem ou um ponto a mais, enquanto para nós é uma questão de organização”, afirma.
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Segundo dados da Teva Indices, as empresas brasileiras de capital aberto estão longe de alcançar a equidade de gênero. O levantamento mostra que 14,1% dos assentos dos conselhos de administração são ocupados por mulheres.
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Além disso, os outros órgãos de liderança, como os conselhos fiscais e diretorias, não possuem mais do que 20% de mulheres sobre o total de participantes.
Os percentuais impressionam na comparação com o tamanho da população feminina no País. De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres correspondem a 51,8% da população brasileira.
Na avaliação de Mell Dior, analista da Avenue Securities, o retrato atual mostra a visão que a sociedade possui da mulher, o que implica na baixa representatividade feminina em cargos de liderança. “Temos uma concepção de que as mulheres ou são mãe de família ou são bem-sucedidas”, afirma Dior. Por causa dessa perspectiva, as mulheres precisam entregar muito mais resultados para serem destaques e reconhecidas. “Uma mulher para chegar em um lugar de destaque precisa ter feito algo excepcional e ser impecável. Para o homem, basta ser comum”, acrescenta.
Apesar do cenário repleto de desafios, Dior é otimista sobre o processo de equidade de gênero no Brasil. No entanto, para que a conquista de espaço da mulher seja ainda maior para os próximos anos, ela acredita que exemplos são necessários para abrir caminhos para outras mulheres. “Algumas mulheres desbravaram os caminhos para a gente não passar pelos mesmos assédios e preconceito. Por isso, a necessidade de exemplos é muito grande”, diz Dior.
O problema é que alguns exemplos nem sempre recebem a visibilidade necessária da sociedade, o que pode trazer a ideia de ausência de referências. “Não significa que não existem mulheres em cargos de liderança, mas quando vemos os destaques e premiações são destinadas mais para os homens”, afirma Ana Melo, head de diversidade e inclusão da XP.
Mulheres impulsionam ESG
A baixa representatividade feminina no mercado de capitais pode implicar na baixa performance na agenda ESG. É o que mostra um estudo feito por Monique Cardoso, mestre em Gestão para Competitividade pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). O trabalho, publicado no primeiro semestre de 2021, analisou a relação da política de diversidade de gênero com os princípios de governança e socioambientais.
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O estudo apontou que 52% das empresas de capital aberto com alta pontuação em ESG possuem mulheres nos cargos de diretoras. Já nas companhias com baixa pontuação em ESG, a presença feminina no mesmo posto de liderança correspondeu a 48%.
Ainda segundo a pesquisa, a ausência de mulheres executivas dentro de conselhos administrativos e diretorias é realidade para 17% das empresas de alta performance nas pautas socioambientais e governamentais. Ao comparar com as de baixo desempenho ESG, esse percentual sobe para 31%.
Na avaliação de Monique Cardoso, responsável pelo estudo, a relação do bom desempenho das empresas em notas ESG com a maior representatividade feminina acontece porque as mulheres costumam seguir normas e têm melhor gestão de riscos políticos e controles em comparação aos homens.
“A diversidade é um fator de inovação. Se um grupo é muito homogêneo, ele não é capaz sozinho de criar coisas diferentes porque têm a mesma origem e você precisa encontrar meios diferentes para respostas diferentes que são os desafios da sustentabilidade”, afirma Cardoso.
E nesta busca por respostas diferentes, as mulheres quando ocupam altos cargos de liderança conseguem olhar para multifatores na hora de gerir riscos e são mais ponderadas em suas decisões. “Sustentabilidade é sempre associada a longo prazo. Então, se você pensa na performance financeira, é preciso olhar para o longo prazo e ter uma gestão de risco. Por isso, as mulheres estão mais associadas a isso e ajudam a ter melhores resultados”, ressalta Cardoso.
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O comportamento mais voltado para longo prazo pode estar relacionado ao histórico das mulheres por ter sido tratada pela sociedade como um grupo minoritário. Por isso, Ana Paula Hornos, colunista do E-Investidor, psicóloga clínica e especialista em educação financeira, acredita que elas aprenderam a ter um olhar mais crítico sobre o mundo, o que potencializa a sua capacidade de humanizar as relações dentro das corporações. “Quando se trata de ESG, é indispensável esse olhar para a diversidade porque, se falamos sobre o olhar social, estamos falando sobre o olhar de inclusão e o do não preconceito”, destaca Hornos.
Com a necessidade de oferecer mais espaços para as mulheres, algumas empresas adotaram ou ampliaram suas políticas internas para aumentar a representatividade nos espaços de trabalho. No caso da Pague Menos (PGMN3), além de possuir três mulheres no conselho de administração, sendo uma delas a presidente, a rede de farmácias pretende ter 50% dos cargos de executivos preenchidos por mulheres nos próximos três anos. “Precisávamos mudar um pouco o processo de seleção e de atração de talento”, explica Rodrigues sobre o processo de mudança. “Não existe só homem formado, branco, de meia idade na cadeira de presidência”, acrescenta.
Para Larissa Quaresma, analista da Empiricus, esse processo é ideal para a formação de novas executivas no mercado de trabalho. “Mulher em alto cargo de liderança é disputada no mercado. Hoje em dia, conseguir uma mulher para ocupar um cargo executivo é difícil”, informa Quaresma.
A XP (XPBR31) também segue no mesmo caminho ao assumir o compromisso de equidade de gênero em todos os níveis hierárquicos da empresa até 2025. As políticas já apresentaram mudanças na empresa. No último ano, a presença das mulheres em cargos de liderança cresceu 120%.
Segundo Melo, da XP, o fato de ter mais mulheres no time refletiu nos resultados financeiros. “O nosso EBITDA (de 2021) foi 66% maior do que em 2020. O aumento aconteceu durante o mesmo período em que houve o aumento de 120% das mulheres em cargos de liderança”, diz a Head de Diversidade e Inclusão da XP.
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O processo de equidade de gênero na XP começou em julho de 2020. Na época, as mulheres representavam apenas 22% do quadro de funcionários. Já em janeiro de 2021, o percentual subiu para 26,5% e, no fim do mesmo ano, passou para 33,46%.