- As corretoras de investimentos acompanham o mercado financeiro em tempo real. Por isso, ao constatar a queda acentuada dos índices, os operadores já sabem que o circuit breaker está chegando
- Iniciada a parada, gestores e analistas fazem uma análise do cenário político e econômico e dos indicadores para tentar entender o que está acontecendo com a Bolsa
- O objetivo é acalmar os clientes, mostrar qual será o impacto em cada carteira e orientá-los nas decisões de aumentar ou diminuir a exposição em renda variável, comprando ou vendendo ações
As más notícias do dia trazem nervosismo ao mercado financeiro. Na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, a ordem do momento é abandonar o barco antes que ele afunde: os investidores em pânico correm para se desfazer de suas posições o mais rápido possível. Com isso, o preço das ações começa a derreter.
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No enorme painel que domina a sala do pregão, o gráfico com o índice Bovespa começa a cair, cair, cair… até que uma estridente sirene irrompe no salão. No mesmo instante, todos os operadores se entreolham assustados e viram seus rostos para o painel, enquanto balões vermelhos despencam sobre eles. O mecanismo de segurança da Bolsa dispara e é como um alarme convocando a brigada de incêndio para apagar aquele fogo.
Se essa é a imagem que você tem de um circuit breaker, caro leitor, sinto estragar sua fantasia: a vida real não é tão cinematográfica assim. Até porque os pregões não são mais presenciais há muito tempo – eles passaram a ser eletrônicos em 2005 na Bovespa e em 2009 na antiga BM&F.
O que é circuit breaker?
O circuit breaker é um mecanismo de segurança que a Bolsa de Valores aciona em momentos de grande estresse no mercado.
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Quando o índice Bovespa (composto pelos 64 principais papéis da Bolsa, portanto uma referência importante do preço médio das ações ali comercializadas) atinge uma queda de 10% em relação ao fechamento do dia anterior, esse gatilho interrompe as negociações por 30 minutos.
Ao impor um freio forçado nos investidores, ele evita que o pânico puxe o preço das ações ainda mais para baixo e resulte em perdas graves. Quando as negociações são retomadas, se a queda do Ibovespa persistir e atingir 15%, será feita nova parada, desta vez de uma hora.
Em casos extremos, em que nem esse segundo balde de água fria aplaca o pânico e a queda chega a 20%, um terceiro circuit breaker determina a suspensão das negociações por tempo indeterminado – em geral, a Bolsa só retoma as atividades no dia seguinte.
É isso o que ocorre em linhas gerais. “Quando os indicadores futuros apontam queda maior que 10%, o mercado pode abrir em circuit breaker, mesmo que as negociações ainda não tenham iniciado e algumas ações não tenham nem chegado a abrir”, diz Everton Ribeiro, superintendente de trading da Ágora Investimentos. “Por outro lado, se o mercado cair 9,99% e depois essa queda se reverter, a Bolsa não chega a parar.”
Medida de segurança
Vale observar que o circuit breaker não é disparado pela queda das ações de uma única empresa, por mais relevante que ela seja, e sim por algo que abale a Bolsa como um todo. “Quando um índice formado por 64 papéis tem uma oscilação de 10%, isso não pode ser normal: é algo macro, e não micro”, explica o head de renda variável da Veedha Investimentos, Rodrigo Moliterno.
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A economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto, conta que esse mecanismo é resultado das finanças comportamentais. Em um momento de caos, o indivíduo não pensa racionalmente. O circuit breaker ajuda o investidor a retomar a consciência.
“O investidor em pânico quer fazer liquidez a qualquer custo, mesmo quando o preço das ações cai abaixo do valor patrimonial, em uma bola de neve que deteriora o valor de mercado das empresas”, diz Simone.
De acordo com a economista, as pessoas são movidas pelo que se chama de fear of missing out ou medo de ficar de fora: por que todo mundo está vendendo suas ações e eu não?!. “O circuit breaker dá um tempo para pensar. É como um tapa na cara no meio do surto.”
Como funciona o Circuit Breaker
É claro que um circuit breaker coloca todo mundo em alerta. Afinal, ele costuma estar cercado de fatos graves, capazes de causar um impacto agressivo no patrimônio dos investidores. Mas essa tempestade não pega ninguém de surpresa. Como as corretoras e gestoras de investimentos estão sempre monitorando o mercado, elas já conseguem ver quando chegam as primeiras nuvens negras e o tempo começa a fechar.
“Acompanhamos o mercado em tempo real e ficamos de olho nos índices das Bolsas mundiais, como Nasdaq, Dow Jones e Standard & Poor. As notícias e os indicadores futuros nos ajudam a prever cenários”, explica a head de assessoria e mesa de operações da Toro Investimentos, Andréa Abreu. “Quem mais vivencia isso é a mesa de operações. Ela vê a queda brusca dos índices e avisa: estamos chegando perto do sinal vermelho.”
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Essa informação é transmitida rapidamente para as outras áreas da corretora. Não raro, aqueles clientes que estão mais expostos a risco, pela própria composição de suas carteiras, também são alertados diretamente.
“O dia que ficou conhecido como Joesley Day [17 de maio de 2017, quando vazaram conversas dos irmãos Joesley e Wesley Batista, do frigorífico JBS, com o então presidente Michel Temer, provocando caos no mercado], já tinha um cenário pronto para o circuit breaker“, diz Simone Pasianotto, da Reag.
Ela ressalta que essas previsões também já eram esperadas em outros momentos históricos, como a queda das bolsas chinesas em novembro de 1997 e a moratória da Rússia em setembro de 1998. “No fundo, todos sabem os motivos daquela parada. Só pelo contexto, já sabemos quando vai parar”, diz.
Mesmo acostumados com essas turbulências, os operadores do mercado financeiro nunca se tornam indiferentes a um circuit breaker. Simone relata que, no dia 12 de março [terceiro dia de parada devido à pandemia do coronavírus], ela estava na porta do edifício da B3 quando todos que estavam na rua correram para ver o telão no saguão. “Parecia um jogo de futebol”, conta.
Circuit breaker: Bolsa para, está todo mundo no mesmo barco
Quando o gatilho do circuit breaker entra em ação, todas as negociações são congeladas. É como um disjuntor que, diante de uma sobrecarga ou curto-circuito, interrompe a circulação da energia, protegendo a rede elétrica.
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“O sistema simplesmente trava. O investidor tenta colocar uma ordem e não consegue. Fala com o amigo, que também não consegue. E então liga para cá: ‘o que está acontecendo?’. Aí a gente explica para ele”, diz o analista Márcio Lórega, da Ativa Investimentos.
Iniciada a parada, operadores e gestores tratam de entender o que está acontecendo, para depois fazer as correções de estratégia necessárias. O primeiro passo é buscar informações que possam jogar luz sobre os fatos que detonaram o circuit breaker, confirmar ou dissipar temores e sugerir qual será o caminho a seguir. Noticiários e serviços de broadcast (de informações econômicas em tempo real) são aliados indispensáveis.
“Enxergamos o cenário político e econômico: a evolução dos casos de coronavírus, os projetos de estímulo às economias pelos bancos centrais, as relações do governo com o Congresso. Os indicadores futuros, os movimentos das commodities e as projeções para o dia”, enumera Lórega.
Nessa hora, vale também trocar ideias com analistas e operadores de outras casas de investimentos. Um ajuda o outro, como em uma comunidade. “Acionamos outros agentes de mercado para entender o que eles estão vendo. É uma troca generalizada para entender a situação”, conta Moliterno, da Veedha.
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O head de renda variável lembra que, nesses momentos, estão todos no mesmo barco, ninguém é concorrente. “Em uma fase de grande estresse, dificilmente alguém está ganhando.”
Relacionamento com o cliente
Ao mesmo tempo em que tentam trocar figurinhas com colegas de mercado, analistas e operadores são bombardeados por ligações de clientes. A ordem do momento é explicar o que está acontecendo e qual será o possível impacto na carteira de cada um.
Como era de se esperar, muitos deles, assustados, só pensam em se livrar logo das ações que sofreram queda. Cabe a quem cuida da carteira ajudá-los a controlar os impulsos e tomar uma decisão com mais calma.
“Nesses casos, eu sempre digo: não venda!”, diz Simone, da Reag. “Se você não precisa do dinheiro imediatamente, não tem motivo para vender e gerar uma perda para o seu patrimônio. Não faz sentido você colocar suas posições à venda no estresse e perder dinheiro.”
Outros clientes, com mais apetite, sabem que as crises também trazem boas oportunidades. Para eles, pode ser a chance de engordar o portfólio com ações de boas empresas que sofreram descontos. “Para não perder o timing, eles querem comprar assim que o circuit breaker acaba, antes que o mercado retome com mais fôlego e os preços voltem a subir”, diz Ribeiro, da Ágora.
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Mesmo para os mais corajosos, algum comedimento sempre é bem-vindo, e cabe a quem está do outro lado fazer o contraponto necessário. “Também orientamos os mais arrojados, que gostam de risco, para ponderarem se a estratégia deles está coerente com o momento”, diz Andréa, da Toro.
Márcio Lórega, da Ativa, orienta os clientes a aproveitar o momento de baixa e comprar aos poucos, escolhendo empresas que valem a pena. “Vender ao som de violinos e comprar ao som de canhões: essa é a métrica que a gente utiliza”, descreve. “Vamos com cautela. A queda pode ter sido forte, a empresa está descontada, mas ela ainda é sólida e preserva seus fundamentos de longo prazo.”
Depois de 30 minutos, a Bolsa entra em dinâmica de leilão de abertura. Cinco minutos mais tarde, as negociações dos papéis são retomadas. “Os 30 minutos do circuit breaker passam bastante rápido. Quando você vê, já foi”, diz Rodrigo Moliterno.