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Comportamento

Dado de 10 anos mostra resistência em ampliar espaço para mulher na Bolsa

Mulheres são 24% dos CPFs da B3, mesmo percentual de 10 anos atrás; especialistas apontam causas e caminhos

Dado de 10 anos mostra resistência em ampliar espaço para mulher na Bolsa
Especialistas explicam o 'gender gap' por trás da baixa representatividade feminina na B3. (Foto: Envato)
  • A última década trouxe poucas mudanças em relação à participação feminina na B3: mulheres continuam sendo apenas 24% do todo, ainda que o número de investidoras tenha saltado de 137 mil para 1,4 milhão no período
  • Falta de educação financeira, estereótipos de gênero que ainda afastam mulheres do mercado financeiro, mas, sobretudo, desigualdades de salário e emprego contribuem para esse cenário
  • Especialistas explicam o que é o "gender gap" e o que pode ser feito para atrair e manter mais mulheres no mercado de investimentos

O número de CPFs cadastrados na Bolsa de Valores brasileira cresce ano após ano. Desde 2014, a quantidade total de investidores na B3 saiu de 564 mil para os atuais 5,8 milhões em 2024. Mas a última década trouxe poucas mudanças em relação à participação feminina: mulheres continuam sendo apenas 24% do todo, ainda que o número de investidoras tenha saltado de 137 mil para 1,4 milhão no período.

No Tesouro Direto, o cenário é bastante semelhante. O Brasil tem 26,6 milhões de investidores cadastrados no sistema, mas apenas 7,1 milhões são mulheres – 27% do total. Se mulheres são 51,5% da população brasileira, segundo o Censo 2022, por que elas não estão acessando o mercado de investimentos em pé de igualdade?

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Falta de educação financeira, estereótipos de gênero que ainda afastam mulheres do mercado financeiro, mas, sobretudo, desigualdades de salário e emprego, apontam os especialistas ouvidos pelo E-Investidor.

No exterior, o cenário já começa a apresentar algumas mudanças. Um estudo realizado pela Fidelity Investments mostrou que, em 2021, 67% das mulheres dos Estados Unidos investem no mercado de ações. Em 2018, na edição anterior da pesquisa, esse número era de 44%.

O grande catalisador para aumentar a presença feminina na Bolsa lá fora foi o início da pandemia da covid-19, mostra a pesquisa da Fidelity: 50% das mulheres ficaram mais interessadas em investir depois da crise sanitária e 9 de cada 10 entrevistadas tinham planos para fazer o dinheiro render.

Mas a covid-19 não teve o mesmo efeito no mercado brasileiro. A presença feminina na B3 realmente teve seu pico em 2020, quando mulheres representaram 26% dos CPFs cadastrados, mas logo caiu para 23% e 22% nos anos seguintes.

Para Juliana Benvenuto, coordenadora de conteúdo e treinamento da Avenue Securities DTVM, as disparidades no número de investidores homens e mulheres é maior no Brasil por uma barreira de renda, que afeta mais países menos desenvolvidos do que países ricos, como os EUA.

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"Estudos globais mostram que temos muito menos mulheres investidoras do que homens no mundo inteiro. Mas isso acontece mais no Brasil, porque uma das principais barreiras para as mulheres investirem é a renda", explica. "Considerando que temos uma renda per capita muito menor do que países desenvolvidos, é natural que tenhamos ainda menos mulheres investidoras, porque basicamente não sobra dinheiro no final do mês."

Por que elas investem menos?

Um outro estudo feito pelo Bank of New York Mellon (BNY Mellon) em 2021 com mais de 8 mil pessoas em 16 mercados globais tentou entender o que está por trás desse comportamento econômico quando o assunto é investimento feminino. Chamado de "The Pathway to Inclusive Investment", ele traz alguns insights nessa direção:

  • Globalmente, apenas 1 em cada 10 mulheres sente que entende totalmente sobre investimentos;
  • Menos de um terço delas (28%) se sente confiante para investir parte de seu dinheiro;
  • Em média, as mulheres acreditam que precisam de cerca de US$ 4 mil de renda disponível em um mês, antes de considerar investir algum valor;
  • 45% delas acham que investir em ações é muito arriscado.

“Vemos que as mulheres têm uma tendência maior em fazer um planejamento antes de investir, são mais cautelosas e buscam entender todo o processo por meio de estudos. Quando se sentem seguras, fazem investimentos maiores, com um objetivo mais certeiro, fugindo, na maioria dos casos, de apostas corriqueiras e menos confiáveis”, destaca Camila Comin, assessora de investimentos da Valore Elbrus.

Mas para muitos especialistas este é apenas o "sintoma" de um problema maior: a desigualdade salarial e de oportunidade. Se mulheres ganham menos, têm menos oportunidades de ascensão na carreira e ainda precisam sustentar seus lares – pesquisas recentes indicam que cerca de 50% das famílias brasileiras são sustentadas por mulheres sozinhas –, parece difícil que tenham o mesmo recurso financeiro que os homens para investir.

"Para investir, é preciso sobrar dinheiro. E as mulheres estão em uma posição de desvantagem em relação a isso", pontua Cláudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de estudos em finanças da FGV EAESP. "Além de ganhar, na média, menos e não progredir hierarquicamente na carreira da mesma forma que os homens, muitas ainda tentam sustentar uma casa sozinhas. É mais difícil ainda poupar."

A igualdade salarial entre homens e mulheres no Brasil só foi determinada por lei em 2023 – um indício de como essa é uma discussão ainda atrasada no País. Mas ainda é preciso ir além em outros tipos de incentivos, inclusive na iniciativa privada.

"Claro que é importante tentar empoderar mais essas mulheres com relação à educação financeira e investimentos, mas não podemos esquecer nunca dessa primeira ponta. A regulação ajuda muito, mas políticas corporativas também vão fazer muita diferença", diz Yoshinaga.

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Algumas iniciativas já vêm sendo adotadas nessa direção, ainda que a passos lentos. A própria B3 definiu uma nova regra de diversidade e inclusão que determina que empresas de capital aberto no País tenham ao menos uma mulher ou um integrante de minorias na liderança a partir de 2025. Como mostramos aqui, o Tesouro Nacional também quer lançar uma modalidade de investimento voltada para as mulheres.

Mas muita coisa ainda pode ser feita no sentido de estimular a entrada, permanência e ascensão de mulheres no mercado financeiro, seja como investidoras ou como profissionais, destaca Paula Sauer, professora de economia comportamental e coordenadora do laboratório de finanças pessoais da ESPM.

"Políticas de diversidade e inclusão, assim como programas de mentoria e de desenvolvimento de carreira específicos para mulheres, visando alcançar não só maiores salários, mas também carreiras mais estáveis. Evidenciar modelos de sucesso feminino no setor financeiro pode ser inspirador também, assim como uma tributação específica para o público feminino pode ser um estímulo para a inclusão dessas no mercado investidor", afirma.

Como começar

A presença feminina na Bolsa pode ainda ser pequena em termos de porcentagem, mas há muitas mulheres querendo virar esse jogo.

Contamos nesta reportagem do ano passado como uma investidora está ajudando mais mulheres a trilharem seus caminhos nos investimentos, a partir de um projeto que começou para ajudar as amigas mais próximas e cresceu até virar uma profissão. Também mostramos aqui nomes de peso que comandam corretoras e casas de investimento na Faria Lima.

Há muita gente na missão de diminuir o gap salarial, promover mais educação financeira e direcionar melhor a comunicação para alcançar o público feminino e mostrar que investimentos também são assunto de mulher. E não é somente pela causa, mas pelo potencial que isso poderia destravar no mercado: a pesquisa do BNY Mellon mostrou que se mulheres investissem o mesmo tanto que homens haveria US$ 3,2 trilhões de capital a mais disponível para aportes globais. Desses, US$ 1,87 tri iriam para investimentos de impacto social relevante.

"Mulheres tendem a investir em causas que elas acreditam e que não sejam só benéficas para elas, mas que tenham um propósito social", destaca Juliana Benvenuto, da Avenue. "Mas, para isso, ainda precisamos mudar um pouco a nossa cabeça para não olhar para o investimento como algo a ser feito só se sobrar dinheiro no final do mês."

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Para quem está começando a dar os primeiros passos, algumas dicas podem ajudar. Camila Comin, assessora da Valore Elbrus, lista alguns pontos importantes: conhecer o próprio perfil de investidora, fazer um controle assertivo das finanças e gastos mensais, estabelecer metas e objetivos, e começar, ainda que seja com um valor pequeno.

"Muitas mulheres acham que por não terem uma grande quantia não podem investir, mas isso é um mito, uma vez que existem investimentos para todos os perfis. O tempo, sabemos que é mais curto para as mulheres que têm jornadas triplas com casa, filhos e trabalho, mas saiba que alguns minutos por mês já são suficientes para acompanhar os seus investimentos", orienta. "Busque as recomendações compatíveis com o seu perfil e vá em frente."

Bateu uma insegurança? Além de ajuda especializada, que é sempre bem-vinda para aquelas que tiverem condição de contratar um assessor ou planejador financeiro, o contato com outras mulheres pode ajudar. "Faça networking com outras investidoras, isso dará mais segurança e informações. Busque vídeos, livros, palestras e eventos que possam inspirar", ressalta Comin.

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