Comportamento

Diamantes russos podem estar financiando a guerra na Ucrânia

Pedras preciosas representaram mais de US$ 4,5 bilhões em exportações para o país de Vladimir Putin em 2021

Diamantes russos podem estar financiando a guerra na Ucrânia
Conflito com a Ucrânia trouxe problemas para o mercado de diamantes na Rússia. Foto: Envato Elements
  • Os EUA e outros países estão tomando medidas que poderiam identificar oficialmente os diamantes russos como “diamantes de conflito”
  • Também conhecidos como diamantes de sangue, os diamantes de conflito são popularmente considerados tesouros vendidos para financiar guerras
  • Os diamantes russos há anos são populares entre os joalheiros americanos cansados da reputação dos diamantes de minas africanas

Dionne Searcey, The New York Times – A invasão da Ucrânia pela Rússia levou a uma autorreflexão global a respeito da dependência excessiva do petróleo e gás russos. Mas um novo drama está se revelando sobre outra das principais exportações da Rússia: os diamantes.

A Rússia é o maior fornecedor mundial de diamantes pequenos. Durante anos, anéis de noivado, brincos e pingentes à venda nos Estados Unidos e em outros lugares carregavam diamantes extraídos das profundezas do pergelissolo (camada de solo congelada) no nordeste da Rússia.

Agora, os EUA e outros países estão tomando medidas que poderiam identificar oficialmente os diamantes russos como “diamantes de conflito”, alegando que sua venda ajuda a financiar os ataques mortais da Rússia à Ucrânia.

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“Os lucros com esse produto estão beneficiando o mesmo Estado que está conduzindo uma guerra premeditada, não provocada e injustificada”, disse George Cajati, funcionário do Departamento de Estado dos EUA, em uma carta escrita em maio ao presidente do Sistema de Certificação do Processo Kimberley, organização internacional criada a partir de uma resolução das Nações Unidas para evitar o fluxo de diamantes de conflito.

A União Europeia, o Canadá e outros países do ocidente, assim como a Ucrânia e várias organizações de ativistas, uniram-se em solicitações parecidas para uma discussão do Processo Kimberley quanto às implicações da invasão da Ucrânia, entre elas se as pedras preciosas russas devem ser consideradas diamantes de conflito.

Também conhecidos como diamantes de sangue, os diamantes de conflito são popularmente considerados tesouros vendidos para financiar a guerra. O Processo Kimberley, criado como consequência dos diamantes que financiaram uma guerra mortal em Serra Leoa e em outros lugares, os define mais especificamente como “diamantes brutos usados por movimentos rebeldes ou seus aliados para financiar conflitos destinados a minar governos legítimos”.

Mas “movimento rebelde” não descreve de forma precisa a Rússia, e as autoridades de lá se opõem veementemente a classificar os diamantes do país como pedras preciosas de conflito. Elas atribuem a tentativa dos governos ocidentais em classificá-los assim como “demagogia política”, de acordo com um comunicado enviado por e-mail pela assessoria de imprensa do Ministério das Finanças da Rússia.

A questão está ganhando mais atenção conforme os países do ocidente ficam indignados com as ações da Rússia na Ucrânia, limitam o uso do gás russo e procuram alternativas de longo prazo para sua dependência dos combustíveis fósseis do país.

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As receitas de outras grandes exportações de Moscou, como os diamantes, ganharam nova relevância global tanto para a Rússia quanto para os países que buscam punir Moscou por suas ações na Ucrânia.

As pedras preciosas são uma das principais exportações não relacionadas ao setor de energia da Rússia, representando mais de US$ 4,5 bilhões em exportações no ano passado, de acordo com dados do governo americano.

Os diamantes russos há anos são populares entre os joalheiros americanos cansados da reputação dos diamantes de minas africanas – mesmo aquelas distantes das áreas de conflito –, que os consumidores poderiam confundir com diamantes de sangue. Mas o debate em relação aos diamantes russos está expondo uma realidade muitas vezes ignorada a respeito do empenho em controlar a duvidosa indústria global de diamantes de US$ 80 bilhões, que comercializa as emoções mais profundas e passou anos trabalhando para garantir às pessoas que suas pedras preciosas são confiáveis por meio da certificação do Processo Kimberley.

Por causa de brechas e detalhes técnicos, os chamados diamantes éticos não existem de fato, admitem muitos joalheiros. E a tentativa do esforço para impedir o acesso aos diamantes russos evidencia essa realidade. “Usamos o Processo Kimberley como a maior máquina de greenwashing que o mundo já viu”, disse Martin Rapaport, um dos principais negociantes de diamantes cuja lista de preços é usada como referência para o comércio atacadista de diamantes polidos.

As autoridades russas dizem que os diamantes do país estavam de acordo com os padrões ambientais, sociais e de governança muito antes disso se transformar em moda no mundo corporativo. Elas dizem que as minas russas contribuem para a economia em uma parte pouco habitada do país, perto de uma área chamada Yakutia, que de outra forma estaria desamparada.

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As receitas com os diamantes pavimentaram estradas, construíram escolas e hospitais, disse o Ministério das Finanças da Rússia por e-mail, acrescentando que os pagamentos também são feitos a investidores institucionais e privados. “O sustento de um milhão de pessoas de Yakutia depende totalmente da estabilidade da mineração de diamantes na região”, escreveu o ministério.

Mas as autoridades ucranianas dizem que os diamantes contribuem com a invasão da Rússia.

“Os diamantes russos estão envolvidos no financiamento da guerra da Federação Russa contra a Ucrânia, o que torna esses diamantes não apenas de conflito, mas cobertos de sangue”, disse Vladimir Tatarintsev, vice-diretor do Centro Gemológico da Ucrânia, que é membro do Processo Kimberley.

Autoridades ocidentais têm apoiado os ucranianos.

Em fevereiro, no mesmo dia em que a Rússia invadiu a Ucrânia, os EUA adicionaram à sua lista de sanções Serge S. Ivanov, CEO da Alrosa, maior produtora de diamantes russo e maior mineradora de diamantes do mundo. Ivanov é filho de um dos aliados mais próximos do presidente russo, Vladimir Putin, que também foi adicionado à lista de sanções.

Depois, os EUA proibiram as importações de diamantes russos, assim como de vodca, caviar e outros itens do país.

Mas a ação dos EUA tinha uma grande brecha: ela se aplicava apenas a diamantes brutos russos, pedras preciosas extraídas do solo que ainda não haviam sido cortadas e polidas. E poucos diamantes brutos da Rússia chegam ao mercado americano.

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Depois de serem extraídos do solo, a maioria dos diamantes é enviada para o exterior para serem transformados, independentemente de onde sejam extraídos. A grande maioria acaba em centros de polimento na Índia, sem qualquer proibição aos diamantes russos. Assim que os diamantes são transformados e preparados para transporte, a origem deles muda. Os diamantes extraídos na Rússia não são mais diamantes de origem russa, eles passam a ser classificados como de origem indiana.

Boicotes aos diamantes russos foram iniciados por grandes joalherias como a Tiffany. A De Beers intensificou os esforços para rastrear as pedras preciosas por toda a cadeia de suprimentos.

Os EUA intensificaram sua ação pouco tempo depois, mirando na gigante de mineração Alrosa, grupo de empresas de mineração cuja propriedade é majoritariamente dos governos federal e regional da Rússia. Os EUA acrescentaram a Alrosa a uma lista do Tesouro americano que basicamente proíbe cidadãos do país de fazer negócios com a empresa. Canadá, Reino Unido, Nova Zelândia e Bahamas tomaram medidas semelhantes.

Mas os críticos disseram que a proibição não conseguiu fechar a brecha e deixou em aberto a possibilidade de que as subsidiárias da Alrosa ainda pudessem encontrar uma maneira de enviar diamantes que são cortados e polidos no exterior para os EUA. Eles também observam que, embora os EUA sejam o maior mercado para os diamantes russos, a Alrosa ainda pode vender diamantes livremente em outros grandes mercados, como na China, que não tomou qualquer medida contra as pedras preciosas russas.

Independentemente disso, as ações da Alrosa, que segundo os EUA geraram mais de US$ 4,2 bilhões em receita no ano passado e são responsáveis por 90% da capacidade de mineração de diamantes da Rússia, despencaram. Isso foi um baque para uma empresa que há cinco anos lançou uma nova campanha de marketing nos EUA, esperando que sua identidade russa fosse uma vantagem em um país onde consumidores esclarecidos estavam cautelosos com as atrocidades na mineração de diamantes que alimentaram guerras em países africanos.

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“A Alrosa tem um foco muito forte em questões ambientais e sociais e está em conformidade com os mais altos padrões de responsabilidade social corporativa”, disse a empresa em um comunicado por e-mail. O site da Alrosa destaca os esforços da empresa para proteger a água e o solo, ajudar as populações indígenas e criar um parque para proteger renas e outros animais selvagens.

O debate sobre os diamantes russos chegou ao Processo Kimberley antes da reunião programada com o grupo em junho. Um movimento já estava em curso pelos EUA e outros países ocidentais para determinar se a Rússia estava exportando diamantes de conflito e reconsiderar os papéis de liderança da Rússia na organização.

A própria Rússia era um dos inúmeros países que há vários anos pressionavam o Processo Kimberley por uma melhor definição do que seriam diamantes de conflito, buscando ampliá-la para ser aplicável em questões como direitos humanos, trabalhistas e ambientais. Mas como a organização é governada por consenso – todas as decisões devem ser unânimes entre os mais de 80 países –, a proposta não saiu do lugar.

As tensões em relação aos diamantes russos dividiram os países-membros do Processo Kimberley em linhas geopolíticas cada vez mais familiares, com várias nações ocidentais se opondo a Rússia, que foi apoiada pela China, por Belarus e pelo Quirguistão, assim como pelo Mali e pela República Centro-Africana, onde a Rússia tem uma grande presença, inclusive por meio de seus mercenários que operam minas de diamantes.

O Processo Kimberley “tem cada vez menos a ver com diamantes e, de certa forma, tornou-se outro palco geoestratégico”, disse Hans Merket, pesquisador da indústria de diamantes e direitos humanos cuja organização faz parte da participação da sociedade civil no Processo Kimberley.

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Na reunião de junho em Botsuana, as discussões a respeito da invasão da Ucrânia pela Rússia e suas implicações para o Processo Kimberley chegaram ao fim após vetos da Rússia, da China e de Belarus. Os jornalistas foram convidados a deixar as reuniões que normalmente teriam permissão para acompanhar, disseram alguns participantes, e as conversas com o presidente da organização tornaram-se caóticas com os desentendimentos quanto a se a Rússia deveria participar. Os representantes dos EUA e do Reino Unido boicotaram as reuniões lideradas por representantes russos.

Merket disse que o grupo se tornou “um órgão de burocratas” que rejeita diamantes problemáticos, mas acolhe endossos que tranquilizam de forma equivocada os compradores de joias. “Os consumidores esperam algo que não é verdade”, disse ele.

A reunião deixou tanto ele como outros participantes frustrados e preocupados com o fato de um trabalho importante estar tendo o foco desviado.

Um novo processo a respeito da exportação de diamantes da República Centro-Africana (onde mercenários russos operam na indústria de diamantes e foram acusados de violações dos direitos humanos), devastada pela guerra, aguarda revisão. Relatos de violência em minas de diamantes no Brasil e na Venezuela não estão sendo investigados, disseram alguns participantes. Alegações de violência envolvendo autoridades de segurança em minas no Congo, em Angola e na Tanzânia não foram abordadas.

Tradução Romina Cácia

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