Esses pequenos códigos da bolsa podem funcionar como um apelido do mercado, uma referência cultural ou um resumo direto da área de atuação da empresa. No mínimo, atuam como vitrine em letras maiúsculas capazes de transformar a identificação banal e cotidiana em algo memorável.
O que é um ticker de ação na bolsa de valores?
Ticker é o rótulo curto que identifica um ativo na bolsa de valores. Surgiu na era do telégrafo, quando era preciso condensar informações em poucas letras. Hoje, faz também parte do branding das empresas.
No momento do IPO, a Oferta Pública Inicial em que uma empresa abre seu capital pela primeira vez na bolsa, a companhia pode sugerir o código que deseja usar como ticker, desde que respeite as regras. Muitas vezes essa escolha é pensada como uma extensão da marca.
No Brasil, a B3 exige que, além das quatro letras que identificam a companhia, entre em cena um numeral que acrescenta uma camada de informação ao ticker.
Os mais comuns são: o 3, que sinaliza uma ação ordinária, com direito a voto; o 4, que indica ação preferencial, com prioridade no recebimento de dividendos; e o 11, um curinga usado para units (cesta de ações), fundos, ETFs (fundo de investimento negociado na bolsa como se fosse uma ação) ou BDRs (título emitido no Brasil que representa uma ação de companhia aberta sediada no exterior).
Além deles, existem outros numerais menos comuns, como o 5 ou o 6, que designam classes específicas de ações preferenciais, ampliando as opções de estrutura societária.
Organização do mercado de ações
Essa lógica numérica funciona como uma etiqueta extra que organiza o mercado e facilita a vida do investidor. Diferentemente das bolsas norte-americanas e europeias, que se limitam às letras, a B3 optou por esse sistema híbrido justamente para padronizar e distinguir os tipos de papéis em um mercado marcado pela convivência entre diferentes classes de ações.
Dito isso, PETR3 (Petrobras), CSAN3 (Cosan), BRKM5 (Braskem) e PCAR3 (Grupo Pão de Açúcar) seguem o modelo clássico de encurtar o nome, caminho escolhido pela maioria das empresas listadas na Bolsa brasileira. Há também casos em que o próprio nome já possui quatro letras, o que casa perfeitamente com o ticker, como AZUL3 (Azul), VALE3 (Vale) e BLAU3 (Blau Farmacêutica).
Já exemplos como BEEF3 (Minerva Foods), CAFE3 (Café Solúvel Brasília) e CASH3 (Méliuz) usam a criatividade para transformar o código em narrativa, o que cria um entrelace de função e estética, onde antes só havia letras e números aparentemente indiferentes entre si.
O poder dos códigos
Um ticker bem pensado facilita a memorização e pode despertar interesse instantâneo no investidor distraído que navega pelo home broker (plataforma de negociação de ativos), principalmente se remeter a uma ideia pré-estabelecida sobre a empresa ou tiver sonoridade agradável.
Se funciona? Uma matéria do E-Investidor explorou o assunto há alguns anos e relembra o episódio 21 da segunda temporada da série Friends, entitulado Aquele com os Encrenqueiros, quando a Monica Geller, interpretada por Courteney Cox, se aventurou no mercado financeiro da década de 90 e começou a comprar ações apenas pelo símbolo.
Na ocasião ela perdeu todo o seu dinheiro investido na base do apreço pelas letrinhas, é verdade.
Por isso, o estrategista Guilherme Zanin, da corretora americana Avenue Securities, ressalta a importância de fazer escolhas baseadas em análises da empresa e do mercado. “Os ETFs estão cada vez mais temáticos. A união entre estratégia de investimento em segmentos específicos com a tática de marketing pode funcionar para chamar atenção, mas não deve ser a motivação única e exclusiva”, aponta.
Zanin conta que já viu investidores se interessarem por tickers como SLIM, que acompanha empresas voltadas ao combate à obesidade, e GURU, um ETF que reflete as apostas de grandes nomes do mercado. Ele explica que esse interesse surge porque as pessoas confiam nas propostas, mas sempre fazem suas avaliações antes de decidir investir.
Relatórios como o Global Thematic Funds Landscape 2022 (Panorama Global de Fundos Temáticos 2022, em tradução livre), da Morningstar, mostram que ETFs temáticos e criativos costumam captar grandes volumes logo no lançamento, mas muitas vezes esse fluxo diminui depois que a novidade perde força, o que reforça o caráter de efeito manada desses produtos.
Exemplos de tickers criativos
Ticker |
Empresa/Fundo |
Bolsa |
Significado |
HODL11 |
Investo ETF Bitcoin |
B3 |
Gíria de mercado para segurar ativos, nascida de um erro de digitação de hold |
ROXO34 |
Nubank BDR |
B3 |
Referência à cor institucional do Nubank |
SOJA3 |
Boa Safra Sementes |
B3 |
Produto agrícola cultivado pela empresa |
VAMO3 |
Vamos |
B3 |
Forma coloquial de “vamos” |
BEEF3 |
Minerva Foods |
B3 |
Carne bovina em inglês |
HOG |
Harley-Davidson |
NYSE |
Gíria em inglês para motocicleta grande |
FIZZ |
National Beverage |
Nasdaq |
Onomatopeia para o som de bebida gaseificada |
CAKE |
Cheesecake Factory |
Nasdaq |
Bolo em inglês |
LUV |
Southwest Airlines |
NYSE |
Remete ao aeroporto Love Field, base da companhia |
ZZZ |
Sleep Country Canada |
TSX |
Onomatopeia que representa o sono |
BEN |
Franklin Resources |
NYSE |
Apelido de Benjamin Franklin |
PLOW |
Douglas Dynamics |
NYSE |
Arado em inglês |
ROCK |
Gibraltar Industries |
Nasdaq |
Rocha em inglês |
JNK |
SPDR High Yield Bond ETF |
NYSE Arca |
Abreviação de junk, para junk bonds |
WSTE |
Global X Waste Management ETF |
Nasdaq |
Abreviação de waste, lixo ou desperdício em inglês |
CRUD |
Teucrium WTI Crude Oil Fund |
NYSE Arca |
Abreviação de crude, petróleo bruto |
HEINY |
Heineken (ADR) |
OTC (EUA) |
Adaptação fonética de Heineken, que soa carinhosa no inglês |
GRR |
Asian Tigers Fund |
NYSE |
Onomatopeia para o rugido de um tigre |
TY |
Tri-Continental Corp. |
NYSE |
Abreviação de thank you, obrigado em inglês |
Na lista, os tickers da B3 aparecem ao lado de exemplos internacionais de bolsas como NYSE, Nasdaq e TSX.
Mas nada substitui a análise de fundamentos…
Pode ter havido um tempo longínquo em que sim, mas hoje, um ticker não é mais apenas um código. Ele pode despertar nostalgia, criar senso de comunidade e até virar meme. Funciona como isca de marketing, atalho cognitivo e gatilho instantâneo, especialmente para jovens investidores acostumados a consumir informação rápida.
Mas no fim do pregão vale lembrar que uma sigla criativa não substitui análise de fundamentos, avaliação de riscos e definição de estratégia. Como resume Zanin, a tática de marketing pode chamar atenção, mas não deve ser a motivação única e exclusiva.