- A “BeeFund” é uma nova plataforma que promete rendimentos de mais de 1000% ao ano com investimentos em criptomoedas - ainda que não fique totalmente claro com qual estratégia
- No site da BeeFund, Jan Brzezek, grande executivo do mercado cripto, é apresentado como “líder do fundo de criptomoedas”. Contudo, ele já desmentiu a informação por meio do Linkedin
- Já no aplicativo, usuários podem escolher um "trader profissional" para gerir o capital aportado. Todos são apresentados com um histórico de retorno anual de mais de 1000%
(Jenne Andrade, com Janize Colaço) – Jan Brzezek é o fundador e ex-CEO da Crypto Finance Group, uma gestora suíça de investimento em criptoativos. Antes de criar a holding, trabalhou oito anos no banco UBS, onde foi trader e gerente de negócios do presidente da instituição. O seu histórico de peso, porém, tem sido utilizado como um fator de credibilidade na “BeeFund”, uma plataforma que promete rendimento superior a 1 .000% ao ano com investimentos em criptomoedas – um retorno irreal, até mesmo pelos negociadores mais experientes do mercado.
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Até a última sexta-feira (25), o Reclame Aqui da BeeFund tinha 1.091 reclamações principalmente relacionadas a problemas com saques e depósitos. Já no Telegram, o número de usuários e interessados na plataforma impressiona: o grupo principal possui 177,7 mil membros.
No site, Brzezek é apresentado como “líder do fundo de criptomoedas” ao lado de uma equipe com outros grandes nomes do mercado suíço, como os investidores Tobias Reichmuth, fundador da gestora de fundos de infraestrutura com 2 bilhões de euros sob gestão SUSI Partners, e Marc P. Bernegger, empreendedor do setor de tecnologia que já foi membro do conselho da Crypto Finance Group.
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Contudo, Brzezek já confirmou por meio de seu perfil oficial no LinkedIn, em mais de uma ocasião, que não tem qualquer ligação com a BeeFund. “Isso é falso, não estou envolvido”, afirmou o executivo, ao ser questionado na rede social por um usuário. Ele não respondeu os nossos pedidos de contato. Já Bernegger respondeu às solicitações do E-Investidor e foi categórico. “Eu não estou envolvido com esse fundo e tudo isso é falso. Por favor, informe seus leitores sobre esse golpe”, ressaltou. Reichmuth também pontuou que não possui vínculo algum com a plataforma. “Muito provavelmente é uma farsa”, disse ele, ao E-Investidor.
O E-Investidor também não encontrou porta-vozes da BeeFund. A companhia não disponibiliza dados institucionais oficiais, como e-mail e telefone, ou qualquer indicação dos sócios que estão por trás do negócio. Dentro do aplicativo, há um link que direciona para o WhatsApp e o Telegram de “gerentes de investimento” da BeeFund, mas com ocultação dos números associados às contas e de fotos do perfil. A reportagem tentou comunicação com esses gerentes, sem sucesso. O espaço está aberto.
Rentabilidade incomum
O E-Investidor encontrou dois sites supostamente vinculados a BeeFund, ambos com basicamente as mesmas informações, com poucos detalhes de discrepância. O primeiro deles, que possui mais de um ano de registro, oferece três planos de investimento. Todos com rendimentos altos, mas com uma leitura ambígua. Os produtos “para novatos”, “hot” e “alta qualidade” são apresentados com retornos de 4,22%o, 8,55%o e 12,75%o ao dia, respectivamente. O “o” ao lado do símbolo da porcentagem não vem de um erro de digitação. Significa permilagem, ou seja, os rendimentos diários seriam na verdade de 0,422%, 0,855% e 1,275% ao dia. Isso quer dizer 13,4%, 30% e 46% ao mês ou 352%, 2.229% e 9.280% ao ano.
Os valores estampam uma rentabilidade alta e discrepante em relação ao mercado tradicional. “Mesmo no Brasil, que tem uma taxa de juros altíssima, esses rendimentos continuam surrealistas”, afirma Mario Goulart, analista CNPI-P. Em termos de comparação, o Tesouro Selic, produto considerado como um dos mais seguros do mercado, rende 10,75% ao ano. Já o bitcoin (BTC), voltado para um público com perfil mais agressivo, rendeu 171% em 1 ano (8,66% ao mês).
A BeeFund disponibiliza uma calculadora que induz o investidor a visualizar que se trata de um rendimento em porcentagem, como é o mais comum, o que resultaria em um retorno ainda mais absurdo. A taxa de 12,75% ao dia transformaria R$ 10 em em uma fortuna impronunciável em 12 meses pelo efeito dos juros compostos. Veja abaixo.
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Em um segundo site, com registro feito há apenas 12 dias, a rentabilidade apresentada está em “%”. Isto é, de 4,2%, 8,55% e 12,75% ao dia. Também há mais foco em direcionar usuários para grupos no Telegram e apresentar novidades da plataforma.
Vale lembrar que a BeeFund não está entre as instituições autorizadas, reguladas ou supervisionadas pelo Banco Central do Brasil (BC), o que significa que a plataforma não tem liberação do regulador brasileiro.
Cristina Helena de Mello, professora de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), aponta que mais do que os retornos extravagantes, a falta de chancela do BC é a primeira “bandeira vermelha” para qualquer investidor. “Todo serviço financeiro que não esteja sob a regulamentação do Banco Central do Brasil é um investimento de risco, porque não há a segurança de uma supervisão e não está sob regulamentação”, diz. “O segundo indicador é a promessa de ganhos excessivos. Não existe dinheiro fácil.”
A BeeFund também não tem registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “É muito importante confirmar essa informação consultando o registro da instituição no site da CVM”, afirma Rodrigo Azevedo, economista, planejador financeiro e sócio-fundador da GT Capital. “Não havendo essa informação lá, já é um grande sinal de que a empresa não é segura.”
Perfis falsos de traders profissionais
A BeeFund possui um aplicativo em que é possível selecionar um trader profissional para aportar o capital dos usuários. Esses traders possuem nomes inspirados em profissionais do mercado , como “Anne Richards”, vice-presidente da gestora Fidelity International. Ao selecionar Richards, o usuário precisaria deixar o dinheiro rentabilizando por 15 dias para conseguir sacar. A taxa de retorno anual da especialista, segundo a plataforma, é de 1.164%.
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Procurada, a Fidelity afirma que a executiva não tem qualquer ligação com a BeeFund. “Estamos tomando medidas para remover qualquer referência a Anne ou à Fidelity International. Aconselhamos os investidores a terem extrema cautela para evitar serem vítimas de um golpe”, disse a gestora à reportagem.
Outra trader que aparece “disponível” na BeeFund é “Sabrina Gan”, nome da especialista em sudeste asiático da Fidelity. A foto utilizada pela plataforma, entretanto, pertence a uma modelo. Utilizando a ferramenta de buscas reversas Google Lens, foi possível identificar a mesma imagem sendo utilizada para ilustrar diferentes campanhas publicitárias.
Além da inconsistência nas informações sobre os profissionais, todos os traders são apresentados com um histórico de retorno anual de cerca de 1.000%. “A confiabilidade da BeeFund é questionável. Embora a plataforma ofereça promessas atraentes de altos retornos, a falta de regulamentação pelo Banco Central e de transparência levantam bandeiras vermelhas para qualquer investidor experiente”, afirma Marlon Glaciano, planejador financeiro e especialista em finanças.
Problemas no saque e nova criptomoeda
Um promotor de vendas que não quis se identificar contou ao E-Investidor que conheceu a plataforma há cerca de dois meses e aplicou R$ 10 mil. Em 30 dias, o valor dobrou e ele continuou contabilizando lucros e aportando mais. No entanto, foi no dia 9 de outubro que os problemas começaram e os usuários não conseguiram mais sacar os valores do aplicativo. “Eles colocaram a culpa no governo e mudanças no Pix. Agora, o dinheiro voltou para o aplicativo, mas continua preso e sem poder sacar”, relatou.
Em um anúncio publicado dentro do aplicativo da BeeFund, a plataforma afirma que o governo e os bancos estão intensificando a “verificação e conformidade” de todas as empresas, e que a companhia também precisaria cooperar com esse processo. “Por isso, cada retirada precisa ser aprovada individualmente pelos bancos, o que pode resultar em um tempo de processamento mais lento. Assim que o período de adaptação passar, tudo voltará ao normal. Não se preocupem”, informa o texto.
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Apesar das dificuldades e saques não concluídos, há usuários que ainda demonstram confiança na plataforma. Um acompanhante terapêutico e investidor da BeeFund, e que também não quis se identificar, começou a investir na BeeFund em 21 de setembro, com US$ 171 (cerca de R$ 970). Conseguiu retirar um lucro de US$ 72, o equivalente a 42% do valor, em 15 dias. Agora, enfrenta dificuldades em sacar o saldo, mas isso não o desanima. “Eu vou deixar lá até o governo normalizar a verificação dos saques”, afirma o profissional da saúde, citando as justificativas apontadas pela BeeFund no app. “Eu acredito que não seja nenhum golpe, a empresa está sempre informando o que está acontecendo por meio de anúncios na plataforma.”
Para os especialistas consultados pela reportagem, há vários sinais que indicam problemas. O primeiro é a promessa de rendimentos altos, rápidos e fáceis, depois vem a falta de regulação pelo Banco Central, a dificuldade de encontrar representantes oficiais no Brasil e o incentivo ao recrutamento de novos membros. Dentro do app, há uma seção dedicada a esse tipo de atividade, com comissões aos usuários que se tornarem “promotores” e passarem a recrutar pessoas para a plataforma. “São grandes indicativos de que pode se tratar de um esquema fraudulento”, diz o planejador financeiro Glaciano.
No dia 18, um novo anúncio foi feito pela BeeFund e surpreendeu os usuários ao avisar que devido a problemas no “processamento do sistema bancário”, os valores alocados nas contas de todos os investidores seriam convertidos em uma criptomoeda, a “BEEB 2.0”, na proporção de 1 para 1.
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A empresa diz que os ativos serão listados em uma “bolsa de ativos digitais de renome internacional” e que os saques serão disponibilizados a partir de 1º de novembro. Na última sexta (25), a corretora SuperEx foi anunciada oficialmente como parceira. O E-Investidor tentou entrar em contato com a SuperEx pelos e-mails oficiais, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. Nesta corretora, qualquer usuário pode listar um token, de forma simples e sem taxas, conforme diz a própria exchange.
Como saber se uma plataforma de investimentos é confiável
Se os sinais de que uma plataforma não é confiável são falta de clareza sobre os ativos investidos, retornos garantidos, rápidos e muito acima daqueles praticados no mercado, as características de empresas sérias são opostas. O primeiro passo para identificar se a empresa de investimentos é séria, por exemplo, consiste em verificar se a companhia está regulada pelo Banco Central. Neste site, você pode encontrar as empresas autorizadas e reguladas pelo BC, basta pesquisar os dados da companhia, como nome e CNPJ.
“Empresas confiáveis seguem legislações e regras do mercado financeiro, se enquadrando nas normas do Sistema Financeiro Nacional e oferecendo produtos registrados e com retornos condizentes com o mercado financeiro tradicional. Sem prometer ganhos fixos acima do praticado pelo mercado e sempre apresentando os riscos de cada aplicação”, diz Eric Zapparoli, educador financeiro e especialista em investimentos.
Mello, professora de economia da PUC-SP, aponta ainda que em caso de perdas o investidor pode ficar de mãos atadas. “Não se sabe onde está a origem desse aplicativo e se têm representante legal no Brasil”, afirma. “Esse é outro risco, porque juridicamente você não tem como acionar os proprietários da BeeFund.”
O consenso entre especialistas é de que os investidores da BeeFund correm um risco elevado de perder o dinheiro aplicado. “Sem garantias de regulamentação ou de segurança, os investidores podem enfrentar perdas significativas. Plataformas não regulamentadas costumam ser voláteis e não oferecem proteção ao capital”, afirma Glaciano, planejador financeiro.
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