Criptomoedas

De ostentação de celebridades a pior momento: o que acontece com os NFTs?

Fechamento de empresas e medo de medidas severas por parte de reguladores impactaram o mercado

De ostentação de celebridades a pior momento: o que acontece com os NFTs?
NFTs da coleção Bored Ape Yacht Club tornaram-se queridinhos de celebridades. (Foto: Open Sea/Reprodução)
  • O principal mercado de NFTs, o Blur, viu seu volume de vendas – medido em Ether – cair 96% entre o pico do final de junho e o início de agosto
  • O hype e o FOMO, ou “medo de ficar de fora”, em torno dos NFTs sumiram desde o pico em janeiro de 2022, deixando compradores e vendedores arrasados e tendo dificuldades para encontrar valor a longo prazo nos ativos especulativos

A primeira vez que Daniel Maegaard ouviu falar em NFTs foi em 2018. Ele começou a investir nos tokens em 2019. Em 2021, tinha centenas deles e acabou se tornando um dos colecionadores de NFT mais conhecidos e influentes do mundo. Sob o pseudônimo de Seedphrase, ele acumulou o equivalente a milhões de dólares em criptoativos e ficou famoso por vender um deles por US$ 4,45 milhões em 2022.

Mas, nos últimos meses, Maegaard tem diminuído a coleção, ao mesmo tempo em que uma parte importante do mercado tem, nas palavras dele, “despencado completamente”.

Os tokens não fungíveis, associados popularmente à arte digital e outros itens colecionáveis registrados em blockchains de criptoativos, perderam a maior parte de seu valor depois de conquistar entusiastas do setor como a próxima grande aposta.

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O hype e o FOMO, ou “medo de ficar de fora”, em torno dos NFTs sumiram desde o pico em janeiro de 2022, deixando compradores e vendedores arrasados e tendo dificuldades para encontrar valor a longo prazo nos ativos especulativos. O volume mensal de negociações de NFTs despencou 81% entre janeiro de 2022 e julho de 2023, mostram os dados da DappRadar.

Durante o mesmo período, as vendas mensais de NFT caíram 61%, segundo a DappRadar. E os preços mínimos para NFTs valiosos, como Bored Ape Yacht Club e CryptoPunks, estão em seu menor valor em mais de dois anos, de acordo com o monitoramento de dados do setor da NFT Price Floor. “Quando você olha os gráficos, tudo está caindo”, disse Lorenzo Melendez, presidente do projeto de NFT Pudgy Penguins – cujo nome (Pinguins Rechonchudos, em tradução livre) faz referência à arte digital com versões fofinhas e que lembram desenhos animados das aves que não voam. “Muita gente está desistindo e dizendo ‘não sabemos o que fazer ou para onde ir’.”

Os NFTs, junto com o restante dos criptoativos, receberam uma punição dolorosa no ano passado, quando uma sequência de falências e escândalos com grande impacto azedou para os investidores um mercado de ativos digitais já cheio de dificuldades pelo aumento das taxas de juros. Mas, embora o mercado de criptoativos no geral tenha se estabilizado um pouco este ano, os NFTs não conseguiram encontrar seu equilíbrio.

Os investidores não são os únicos sofrendo. O mercado de NFTs Recur, que é apoiado pelo bilionário Steve Cohen e conhecido por sua parceria com o NFT da Hello Kitty, disse estar encerrando as atividades gradualmente devido aos “desafios e mudanças não previstos no horizonte dos negócios”. A plataforma de mídia social da Nifty, apoiada por Mark Cuban e Joe Lubin, que fez parceria com a Warner Bros para os NFTs com o tema Looney Tunes antes de mudar de estratégia, também disse que está fechando as portas, citando oportunidades de investimento que “não deram certo”.

As plataformas e projetos sobreviventes também não estão se saindo bem: o principal mercado de NFTs, o Blur, viu seu volume de vendas – medido em Ether – cair 96% entre o pico do final de junho e o início de agosto, mostram dados da Dune Analytics.

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Os criadores por trás da arte digital também ficaram preocupados depois que o mercado de NFTs OpenSea decidiu tornar o pagamento de royalties das vendas secundárias das obras opcional, em vez de obrigatório, no mês passado. “Há muito desespero em certos aspectos neste ramo”, disse Melendez.

Junto com isso está o medo de possíveis medidas severas contra o setor por parte das agências reguladoras. Na segunda-feira, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos adotou sua primeira ação coercitiva contra os NFTs, alegando que os tokens oferecidos por uma empresa com sede em Los Angeles eram, na verdade, títulos não registrados.

Embora os NFTs existam há quase uma década, eles só decolaram de fato em 2017, quando a Dapper Labs lançou seu jogo CryptoKitties com gatos de olhos esbugalhados e negociáveis. O sucesso foi tão grande que a rede Ethereum ficou congestionada.

Alguns anos depois, a Bored Ape Yacht Club – uma coleção NFTs de macacos de desenho animado – entrou em cena, tornando-se uma sensação e inspirando festas disputadas no mundo real com apresentações de artistas como a banda The Strokes e o comediante Chris Rock.

Outras celebridades também se juntaram à festa, entre elas Madonna, Paris Hilton e Justin Bieber. Alguns colecionadores se tornaram milionários da noite para o dia conforme o valor de seus NFTs disparava.

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No início de 2022, o hype atingiu um apogeu. Mas, desde então, o mercado inverteu o rumo em praticamente todas as medidas. O clima entre os investidores esfriou, com colecionadores entrando com ações judiciais contra criadores e vendedores de NFTs depois de ver o valor de seus criptoativos despencar. Os traders também estão seguindo em frente, muitas vezes voltando a investir nas criptomoedas: o preço do Bitcoin subiu cerca de 60% este ano.

Até mesmo o peso pesado do setor, a Yuga Labs – que desenvolveu a Bored Ape e adquiriu os CryptoPunks –, “encara um desafio considerável”, disse Sara Gherghelas, analista da DappRadar. Isso porque pode ela perder uma “receita enorme” todo mês devido à nova política de royalties da OpenSea. A Yuga anunciou recentemente que está encerrando aos poucos a contribuição para a OpenSea, o que, por sua vez, pode afetar os volumes da plataforma, acrescentou Nicolas Lallement, cofundador da NFT Price Floor. A Yuga não quis se posicionar.

“Estamos provavelmente no pior momento desde o início da febre dos NFTs”, disse Lallement.

Mais especificamente, Lallement chama a atenção para a “crise sistêmica” nos tokens não fungíveis de imagens de perfil (PFPs), que os entusiastas compartilhavam em suas redes sociais, inclusive na X (o antigo Twitter).

“Infelizmente, o mercado de PFPs despencou completamente ao ponto de eu me sentir confortável em ficar apenas com os CryptoPunks”, disse Maegaard, referindo-se ao grupo colorido de personagens digitais, comumente retratados usando chapéus ou fumando. “Vendi todo o resto.”

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“Os CryptoPunks são a única grande coleção PFPs que está se saindo melhor, pelo menos em termos de ETH”, disse Lallement. “Por isso, o que estamos vendo é uma fuga para a segurança.” Ele também prevê que alguns colecionadores talvez simplesmente abandonem o mercado.  A parte mais recente da queda geral também tem muito a ver com a redução do preço do token nativo de NFT do Blur, que incentiva a atividade na plataforma. O token caiu mais de 30% nos últimos 30 dias de acordo com a CoinMarketCap.

“Com a chegada do Blur, os NFTs foram totalmente financeirizados”, explicou Lallement. “De alguma forma, passamos de um mercado orientado por colecionadores com muita ênfase nos atributos, raridade e propriedades emergentes dos itens de cada coleção, para um mercado guiado por traders, onde itens com preços mínimos, ofertas incentivadas, empréstimos e inventários no geral eram elementos-chave.”

Até o termo “NFT” está caindo em desuso.

A casa de leilões Sotheby’s – que em 2021 promoveu “uma venda de NFTs com curadoria” – agora se refere aos NFTs como “arte digital” ou “arte generativa”, classificando-os em um gênero que já existe há anos. O projeto de NFTs Pudgy Penguins chama seus produtos de “peças de coleção digital”.

“Não proibimos a palavra NFT, mas gostamos de nos referir a isso como peças de coleção digital porque é mais fácil para as pessoas entenderem”, disse Melendez. “A palavra NFT tem muitas conotações devido às fraudes que aconteceram logo no início”, acrescentou. Os criminosos tentaram de tudo, roubar NFTs das carteiras dos usuários por meio de phishing, assim como vender NFTs falsos – cópias digitais não autorizadas dos ativos verdadeiros.

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No entanto, as obras de artistas famosos continuam mantendo seu valor. A Sotheby’s vendeu uma peça da coleção Grails por cerca de US$ 6,2 milhões em junho, segundo o diretor de arte digital e NFTs, Michael Bouhanna, enquanto a Christie’s está notando demanda pelas criações do artista canadense Mad Dog Jones, disse Nicole Sales Giles, vice-presidente e diretora de vendas de arte digital.

No extremo oposto do espectro, os NFTs de valor baixo usados em games também estão com demanda. Os NFTs no blockchain da Coinbase, o Base, custam em média US$ 9 cada, de acordo com a DappRadar. “Estou investindo principalmente em NFTs de games e arte generativa”, disse Maegaard.

Quanto ao restante do mercado, os tormentos estão longe de acabar.

“Acho que ainda temos um caminho bem difícil até o fundo do poço”, disse Melendez. “Ainda não chegamos lá ainda.”

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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