- O julgamento dos casos de falência de empresas como FTX, Genesis e Celsius vão criar precedentes regulatórios para criptomoedas pela primeira vez nos EUA
- O problema é que as determinações serão elaboradas por juízes, e não por entidades e órgãos reguladores, como a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA
Conforme a febre das criptomoedas ganhava força, o Congresso americano adotou uma postura sem intervenções, mantendo o setor de rápido crescimento num limbo legal enquanto ele criava startups e atraía bilhões de dólares de investidores.
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Acabou ficando para a justiça lidar com os danos causados.
As falências do FTX Group, da Celsius Network e da Genesis Global estão prometendo transformar juízes em criadores de regras para um setor anárquico cujos pioneiros o enxergavam como uma maneira de manter o dinheiro fora do alcance do governo.
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Com pouca orientação para seguir em frente, os juízes terão de decidir questões fundamentais com altos riscos para as credoras que financiaram as empresas e os clientes que confiaram a elas seu dinheiro. Entre elas: um token se assemelha mais a dinheiro ou a um título, com uma ação ou uma debênture? O que se deve àqueles que depositaram criptomoedas em plataformas agora falidas? Quem tem o direito de ser pago primeiro?
E como a justiça vai avaliar de forma adequada os valores das dívidas denominadas em tokens – nada mais do que pedaços de um código digital inventado por alguém – em vez de dólar americano? Nada disso está claro.
“As varas de falências estão fazendo coisas que o sistema regulatório normal não é capaz de proporcionar, como orientação”, disse Yesha Yadav, professora de direito da Faculdade de Direito Vanderbilt, ex-advogada do Banco Mundial e especialista em regulação financeira e insolvência. “Está basicamente se tornando um regulador por procuração.”
Os precedentes que surgirem dos casos de falências terão a capacidade de configurar um setor que durante anos evitou a supervisão direta, já que o Congresso americano não conseguiu aprovar uma legislação para colocá-lo sob o domínio dos reguladores de Washington.
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Na ausência de uma lei específica para as criptomoedas, ficou nas mãos da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos e da Comissão de Negociação de Contratos Futuros de Commodities a decisão sobre como usar seus poderes atuais sobre as indústrias de valores mobiliários e derivativos para fechar o cerco contra supostas irregularidades com criptomoedas.
Mas as decisões em relação a essas falências têm o potencial de afetar os negócios mais depressa, porque os reguladores costumam recorrer a um tribunal para fazer cumprir suas determinações.
Os casos ainda estão em fase inicial e deve levar meses até que questões cruciais sejam resolvidas. A Celsius, uma credora de criptomoedas que oferecia taxas de juros altas aos clientes, entrou com pedido de falência em julho. A FTX, a exchange fundada por Sam Bankman-Fried, fez o mesmo em novembro. A Genesis, outrora uma das maiores credoras de criptomoedas, seguiu os mesmos passos no mês passado.
Contudo, alguns dos procedimentos já estão apontando para alguns possíveis precedentes.
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Em 4 de janeiro, o juiz de falências dos EUA, Martin Glenn, fez uma distinção fundamental no caso da Celsius, que ruiu depois dos clientes começarem a sacar seus depósitos devido a preocupações com a solvência da empresa.
Sem orientação regulatória na qual se apoiar, Glenn recorreu às letras minúsculas escondidas na apresentação dos termos de uso da Celsius. A conclusão: cerca de 600 mil usuários da Celsius não tinham mais direitos de propriedade sobre os ativos digitais que colocaram em suas contas, independentemente do que acreditem. Em outras palavras, eles são como os credores – e é quase certo que venham a enfrentar grandes perdas.
De acordo com um possível plano cogitado pela Celsius, a empresa emergiria da falência como uma nova organização de capital aberto e usaria um token recém-inventado para ajudar a pagar o que deve aos credores. Um advogado da empresa disse que isso renderia uma recuperação melhor do que conseguir dinheiro vendendo os ativos de difícil liquidez da Celsius – cujos preços provavelmente despencariam se fossem lançados no mercado.
A questão da propriedade é ainda maior no caso da FTX, que está nas mãos de um juiz em Delaware. Nele, há milhões de pessoas que serão afetadas, tornando qualquer embate por depósitos de clientes ainda mais contencioso. Também poderia semear mais confusão se a decisão do juiz estiver em desacordo com a forma como as contas serão tratadas no caso da Celsius.
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Um grupo de clientes já entrou com uma ação de preferência solicitando ao juiz de falências dos EUA, John Dorsey, a determinação de que quaisquer ativos nos livros da FTX pertencem a eles, não à empresa. Os clientes foram informados no contrato de serviço da FTX que manteriam a propriedade dos ativos, disse o grupo em um documento da ação judicial.
No entanto, a FTX ainda pode argumentar que, como todos os ativos estavam misturados como num banco, a empresa, na verdade, é dona deles e é obrigada a usá-los para reembolsar todos os credores. E simplesmente não há dinheiro suficiente para devolver a cada cliente o que eles depositaram na plataforma, segundo a FTX.
Os juízes federais também estão acompanhando ações judiciais além dessas de falência, o que poderia estabelecer precedentes legais a respeito de como os ativos digitais são tratados, mas ainda faltam muitos meses para a maioria dessas decisões. Os casos de falência costumam andar mais rápido do que as demais disputas judiciais federais devido à pressão para dar dinheiro aos credores o mais rápido possível.
Portanto, a não ser que o Congresso americano mude a lei, as decisões judiciais vão esclarecer a natureza do que as criptomoedas são e como os investidores devem esperar ser tratados se outra corretora ou credora falir. “Não tenho dúvidas de que as varas de falências definirão as regras bem antes das agências reguladoras”, disse Deirdre O’Connor, diretora-geral da Epiq Global, que oferece serviços para o processo de falência a empresas./ TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
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