As stablecoins são um tipo de criptomoeda projetada para manter um valor estável, geralmente atrelado a um ativo de reserva, como o dólar. Um exemplo é a USDC, moeda criada para que o seu preço seja sempre equivalente a US$ 1, em uma proporção de um para um com o dólar. Isso significa, portanto, que o pagamento de 1 USDC deve corresponder ao valor de US$ 1, ou muito próximo disso.
A iniciativa reflete um momento de maior aceitação das moedas digitais por grandes empresas, que vêm se sentindo mais seguras para atuar nesse mercado após a aprovação do Genius Act, neste ano, nos Estados Unidos, uma legislação que estabeleceu regras claras para emissores de stablecoins.
Os primeiros testes começam oficialmente com repasses para criadores de conteúdo, freelancers e pequenos negócios por meio da rede de pagamento digital Visa Direct. E a proposta é simples: quem paga pode continuar usando uma moeda tradicional, enquanto quem recebe pode optar por stablecoins lastreadas em dólar, a exemplo da USDC.
Em entrevista exclusiva ao E-Investidor, Nelsen afirma que a iniciativa deve se expandir no segundo semestre de 2026, à medida que avança a regulação de criptoativos em mercados mais consolidados, como os Estados Unidos. Ele também detalha como a empresa enxerga o papel das stablecoins no futuro dos pagamentos, o impacto para bancos e os desafios de segurança e educação financeira em um ambiente movido por novas tecnologias.
E-Investidor – Mark Nelsen: A Visa gasta mais de US$ 200 bilhões com tributos e transações. O avanço desse novo modelo de pagamentos pode gerar economia para a empresa?
Ainda não há uma estimativa. Desde 2020, já movimentamos mais de US$ 140 bilhões em transações envolvendo criptos, mas ainda é cedo para afirmar que isso trará redução de custos ou impostos. O foco, por enquanto, é entender o potencial do modelo.
Com essas mudanças no sistema financeiro tradicional, qual será o papel dos bancos? Eles continuam essenciais?
A falta de clareza regulatória manteve os bancos fora das discussões sobre cripto e stablecoins. Sem regras definidas, era difícil avançar. Nos últimos cinco meses, isso começou a mudar. Com a aprovação do “Genius Act”, os grandes bancos dos Estados Unidos passaram a entender melhor o que precisam fazer para participar desse novo ambiente. Agora, estão conversando conosco sobre estruturas regulatórias e possíveis modelos de atuação. É provável que fintechs e neobanks adotem essas soluções primeiro, enquanto os bancos tradicionais devem se mover com mais cautela. No fim, os bancos continuam relevantes. E os consumidores confiam neles para guardar dinheiro. Além disso, têm capital e capacidade de aquisição para se adaptar. Alguns podem ficar para trás, mas os melhores vão encontrar seu espaço.
O Sr. diria que as Stablecoins são o futuro dos meios de pagamentos?
Em alguns mercados, sim. Em países com alta inflação ou baixa liquidez de câmbio, stablecoins fazem muito sentido. Nos EUA, muitos perguntam “por que preciso disso se já tenho dólar?”. No entanto, em mercados com moedas instáveis ou pouca liquidez, a stablecoin é muito atraente. Em vários lugares você já pode ter uma carteira de stablecoin e manter reserva de valor na stablecoin escolhida.
E elas podem substituir ou superar o bitcoin?
O bitcoin não foi projetado para pagamentos cotidianos. Ele funciona melhor como um ativo de investimento. Já as stablecoins foram criadas justamente para uso em transações, por serem lastreadas em moedas fiduciárias e, portanto, muito menos voláteis. São casos de uso diferentes, embora ambos se baseiem na tecnologia blockchain. Continuamos apoiando carteiras com bitcoin por meio de cartões Visa vinculados, mas o papel das stablecoins no sistema de pagamentos é muito mais prático e imediato.
As stablecoins vêm ganhando espaço com a promessa de pagamentos mais rápidos e baratos. O movimento de vocês reflete uma resposta à pressão da indústria?
O nosso objetivo é oferecer aos consumidores, comerciantes e criadores o máximo de opções possível para enviar e receber dinheiro. Por isso, além de cartões e transferências entre contas, agora também vamos suportar transações feitas por carteiras digitais com stablecoins. Enxergamos as stablecoins como mais uma moeda dentro do nosso ecossistema. Mas, por serem baseadas em blockchain, elas oferecem vantagens reais em relação ao dinheiro fiduciário, especialmente pela liquidação em tempo real.
O projeto piloto está previsto para se expandir no segundo semestre de 2026. Quais metas ou métricas vão determinar se a Visa avança para uma implantação em larga escala?
Estamos trabalhando com menos métricas e mais clareza regulatória. As stablecoins existem há um tempo, mas o motivo de haver tanta adoção e interesse agora é a recente clareza regulatória. Com esse avanço, conseguimos entrar em novos mercados. O que estamos fazendo agora é identificar quais mercados serão os próximos. Já vimos Emirados Árabes Unidos, Singapura e Japão avançando. À medida que mais mercados publicarem seus requisitos para avançar no setor, poderemos lançar novos pilotos.
E por que começar um piloto com criadores de conteúdo?
A solução funciona para qualquer recebedor, seja pessoa física, criador de conteúdo ou empresa. Criadores são um bom começo porque influenciam outros criadores. Se alguém muito influente recebe em stablecoin, os demais observam e seguem.
E para o público geral? Ainda estamos longe dessa realidade?
Sim, um pouco. Acredito que o uso começará primeiro entre empresas, especialmente em transações internacionais, onde ainda existem muitas fricções e pouca liquidez cambial. Nessas operações entre compradores e fornecedores, o uso de stablecoins faz bastante sentido. Depois, a adoção deve se expandir para criadores de conteúdo e mercados com moedas mais frágeis. Já o consumidor comum deve demorar mais a aderir — algo que pode levar até uma década para se consolidar plenamente.
E como você entende que é possível educar os usuários para que entendam esse conceito e se sintam à vontade para usar stablecoins?
Em mercados com moedas mais fracas e inflação alta, como aconteceu na Argentina por muitos anos, é difícil guardar dinheiro na moeda local porque ele simplesmente perde valor rápido. Nesses casos, faz sentido para o consumidor buscar uma moeda digital lastreada em dólar ou euro, que funcione como uma reserva de valor mais estável.
Já em mercados com moedas fortes e bem estruturadas, como o euro na Europa, essa necessidade praticamente não existe. Por isso, o desafio de explicar o valor das stablecoins varia conforme o mercado: em alguns, a proposta é imediata; em outros, é preciso mostrar por que isso faria diferença.
A segurança pode ser um fator decisivo para atrair, ou afastar, novos usuários. Como a Visa está se preparando para lidar com eventuais fraudes ou falhas em sistemas baseados em blockchain?
Qualquer inovação em pagamentos tende a gerar um pico inicial de fraudes, e com as transações em tempo real não é diferente. Vimos isso acontecer no e-commerce e em pagamentos instantâneos no passado. Estamos desenvolvendo modelos específicos de detecção e bases de dados que identificam endereços de carteiras digitais associados a atividades fraudulentas, bloqueando transações antes que o dinheiro saia. As ferramentas tradicionais de prevenção e monitoramento também se aplicam aqui, embora precisem de tempo para amadurecer nesse novo contexto. Temos confiança de que será possível gerenciar os riscos com a mesma eficiência que já alcançamos em outros meios de pagamento.