- A aposentadoria sempre foi um sonho distante para a maioria dos brasileiros - mas esse desejo se tornou ainda mais remoto após as mudanças implementadas pela Emenda Constitucional nº 103/2019, apelidada de “Reforma da Previdência”
- Uma maneira de ter autonomia sobre a renda mensal que será recebida na aposentadoria, sem depender das regras do INSS, é fazer um planejamento financeiro próprio
- Os investimentos podem ser fortes aliados para complementar ou até mesmo garantir o acesso a uma renda mensal digna no futuro
A aposentadoria sempre foi um sonho distante para a maioria dos brasileiros – mas esse desejo se tornou ainda mais remoto após as mudanças implementadas pela Emenda Constitucional nº 103/2019, apelidada de “Reforma da Previdência”, que completa cinco anos em novembro.
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De acordo com as novas regras, para se aposentar por idade, as mulheres deverão ter pelo menos 62 anos e um período de contribuição de 15 anos. Já os homens só podem ter acesso ao benefício a partir dos 65 anos de idade, com 20 anos de contribuição. Essa norma vale para todos que passaram a contribuir depois da reforma, aprovada em 2019.
Já para quem era contribuinte antes da emenda, existe uma variedade de normas de transição. Uma delas é pagar “pedágios” de 50% a 100% do tempo que faltava para aposentadoria. Outra inclui um sistema de pontos com somatória de idade e tempo de contribuição, que é atualizado para cima a cada ano.
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Para se aposentar com o teto da previdência social, de R$ 7.786,02, o caminho é ainda mais complexo. Fora alcançar o tempo máximo de contribuição e idade, é necessário que a média salarial do trabalhador ao longo de todo o período trabalhado seja igual ou superior ao teto vigente. Ou seja, R$ 7,7 mil, considerando o valor de 2024. Só que esse “benchmark” também é atualizado a cada ano. É como um rato correndo na roda.
“Ou seja, o trabalhador já deverá iniciar sua vida profissional recolhendo o valo máximo das contribuições, o que é muito difícil no Brasil”, afirma Elimar Mello, advogado especialista em direito previdenciário e sócio do Badaró Almeida & Advogados Associados. “Como se pode observar, as regras insculpidas pela Reforma da Previdência tornaram praticamente impossível o segurado se aposentar recebendo o teto dos benefícios previdenciários.”
Essa também é a visão de Raul Roudasse, advogado especialista em direito previdenciário do Nicoli Sociedade de Advogados. “Muitos não conseguem atingir todos os anos necessários de contribuição devido a períodos de desemprego ou trabalho informal”, diz. “Trabalhadores informais ou com salários baixos frequentemente não conseguem contribuir o suficiente para se aposentar com um valor digno.”
Investindo para chegar ao teto da previdência
Uma maneira de ter autonomia sobre a renda mensal que será recebida na aposentadoria, sem depender das regras do INSS, é fazer um planejamento financeiro próprio. Os investimentos podem ser fortes aliados para complementar ou até mesmo garantir o acesso a uma renda mensal digna no futuro.
O E-Investidor conversou com planejadores financeiros para entender quanto seria necessário investir, e como, para alcançar por meio de investimentos os R$ 7,7 mil, que são o teto atual da aposentadoria pública.
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De acordo com Josias Bento, especialista em mercado de capitais e sócio da GT Capital, para receber uma renda previdenciária vitalícia de R$ 7,7 mil por mês, o investidor deveria acumular em média R$ 974,5 mil – seja em qual for o investimento. Em um primeiro momento, pode parecer um montante impossível de atingir. Contudo, aplicando mensalmente R$ 314,15 em uma carteira diversificada de renda fixa que renda pelo menos 0,8% ao mês (10% ao ano), é possível chegar à cifra em 34 anos.
Hoje, existem diversas aplicações conservadoras que atingem esse percentual de rendimento mensal. O Tesouro Selic, título público atrelado à variação da taxa básica de juros, por exemplo, paga hoje 0,76% ao mês, já líquido de Imposto de Renda (IR) caso os valores sejam mantidos acima de 720 dias. Ainda existem produtos privados, como Certificados de Depósito Bancários (CDBs) e Letras de Crédito Imobiliário e do Agronegócio que superam a marca.
Depois, mantendo o valor aplicado em uma carteira de renda fixa que continue rendendo 0,8% ao mês, com uma taxa de resgate de também 0,8% ao mês do total acumulado (R$ 7,7 mil), é possível manter a renda mensal de forma vitalícia. Ou seja, só retirar os juros, sem mexer no capital investido.
Fundos de previdência privada
Para quem não quer administrar o dinheiro por conta própria em uma carteira de renda fixa, os fundos de previdência privada também são apontados como uma via interessante para encurtar a distância até a aposentadoria. Essas aplicações podem garantir o retorno necessário para obter o salário mensal desejado no futuro, além de contarem com diversas estratégias – das mais conservadores, como os fundos de previdência indexados, que acompanham um indicador de referência, até os mais arrojados, com maiores retornos e maiores riscos. A atenção deve estar voltada à gestão desses produtos.
“Não existe um ‘melhor investimento’ para aposentadoria. O mais usado é a previdência privada, que é um bom produto, já que tem muitos benefícios fiscais e possui carácter sucessório”, afirma Bento, da GT Capital.
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O maior benefício fiscal dos fundos de previdência é a ausência do “come-cotas”, ou seja, de cobrança antecipada de Imposto de Renda (IR) no momento da arrecadação. A tributação ocorre só no resgate, o que potencializa os ganhos. Entretanto, é preciso ficar atento às modalidades de previdência privada.
- Leia mais: Aposentadoria: como evitar erros de cálculo do benefício e ganhar mais tempo (e dinheiro)
Existem duas modalidades de fundo de previdência, o PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) e o VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre). O primeiro é indicado para quem faz a declaração completa do IR, já que permite que o valor investido no plano deduza em até 12% a renda tributável. A desvantagem é que no momento do resgate o imposto será cobrado sobre o todo, não só sobre os rendimentos.
Já para quem faz a declaração simplificada, o mais indicado é o VGBL – apesar de o valor investido não ser dedutível, essa categoria permite que, no momento do resgate, o imposto cobrado seja apenas sobre os rendimentos, não sobre o todo. Fora a escolha entre as duas modalidades, é preciso também optar por qual tabela de tributação será aplicada: a progressiva ou regressiva. No caso da progressiva, quanto maior a renda obtida no final do período, maior a tributação. Na regressiva, quanto maior o tempo aplicado, menor a tributação.
Vale lembrar que ambas as modalidades de previdência privada, por ora, não entram em inventário. Isso pode mudar com o avanço da Reforma Tributária. “Utilizando fundos de previdência privada (PGBL/VGBL), o investidor pode garantir eficiência tributária e flexibilidade para ajustes ao longo da aposentadoria. O PGBL é especialmente vantajoso para quem declara o IR completo, permitindo deduções fiscais, enquanto o VGBL é ideal para sucessão patrimonial”, diz Marlon Glaciano, planejador financeiro e especialista em finanças.
Aposentadoria pelo Tesouro IPCA+
Fora a carteira de renda fixa pós-fixado, os fundos de previdência privada, um outro título do Tesouro Direto pode ser aliado da aposentadoria. É o caso do Tesouro IPCA+, que paga a variação da inflação mais uma taxa prefixada anual. Este ativo protege o portfólio contra a desvalorização pelo aumento dos preços ao longo dos anos. Dentro desta categoria, o título com com vencimento mais longo, para 2055 (30 anos à frente), paga atualmente mais de 6% de juro real ao ano (percentual acima da inflação).
Para obter o montante necessário até o prazo de vencimento somente com este título, o investidor deverá aportar R$ 614,81 mensalmente, segundo a calculadora do Tesouro Direto.
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“Este título público é essencial para quem busca proteger seu poder de compra na aposentadoria, já que corrige o valor aplicado pela inflação e ainda oferece uma taxa de juros real”, afirma Glaciano. “Para quem deseja renda mensal na aposentadoria, a modalidade com juros semestrais pode ser interessante. Esses cupons pagos a cada seis meses podem ser usados como complemento da renda, proporcionando um fluxo constante de caixa, já ajustado pela inflação.”
A plataforma do Tesouro Direto também disponibiliza a modalidade “RendA+”. Com esse título, que também remunera a inflação mais uma taxa prefixada, o investidor consegue uma renda mensal por 20 anos, após um período de acumulação variável. Para conseguir uma remuneração de R$ 7,7 mil por mês durante duas décadas, o investidor precisa investir R$ 285,64 por 36 anos. Para encurtar esse tempo de acumulação para 20 anos, por exemplo, será necessário investir R$ 1.260,63 ao mês.
Ainda não tenho o valor necessário para poupar. E agora?
Mesmo que o investidor não tenha, ainda, o valor necessário de poupança para chegar aos R$ 7,7 mil de renda mensal na aposentadoria, a recomendação é começar com o que é possível.
“Não existe uma receita de bolo para o valor que o investidor precisa poupar por mês. Porém, levando em consideração que o recolhimento mínimo para a previdência social é em torno de R$ 105, o investidor que conseguir reservar mais de R$ 200 por mês para a aposentadoria pode ter um bom complemento de renda ao se aposentar”, afirma Bento, da GT Capital.
Essa também é a visão de Glaciano sobre aposentadoria, que aponta ainda a importância da diversificação para proteger o patrimônio. “Uma estratégia eficiente envolve a diversificação entre Tesouro IPCA+ (50% da carteira), garantindo proteção contra a inflação; FIIs (30% da carteira), oferecendo rendimentos mensais; e fundos de previdência (20% da carteira), que trazem eficiência fiscal e planejamento sucessório”, ressalta.