O que este conteúdo fez por você?
- Alta da Selic encareceu financiamento imobiliário, já que a taxa básica da economia é referência para o crédito
- Financiar uma casa de R$ 250 mil, por exemplo, custa R$ 68 mil a mais após a escalada da taxa Selic
- Para quem não pode esperar os juros caírem, é necessário ter atenção com o valor da parcela e o índice de correção. O indicado é utilizar a TR em vez de índices inflacionários, como IPCA e IGP-M
Quem financiou um imóvel em meados de 2020 pode ter economizado algumas centenas de milhares de reais em juros. Naquele ano, a taxa básica de juros da economia, a Selic, estava na mínima histórica de 2% ao ano, o que jogou o custo efetivo total (CET) dos financiamentos imobiliários para uma média de 7% ao ano.
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O CET reúne todas as taxas que serão pagas pelo comprador, como os juros, despesas administrativas do banco e tributos, determinando o valor da parcela. De lá para cá, entretanto, a Selic subiu para os atuais 13,25% ao ano, em uma tentativa do Banco Central de conter o avanço da inflação – o maior patamar desde janeiro de 2017.
A mudança na taxa básica elevou os custos totais dos financiamentos, que agora cobram em média 9,8% ao ano dos contratantes. Para um imóvel de R$ 250 mil, esse aumento de 2,8 pontos porcentuais na CET significa uma diferença de R$ 68 mil em juros.
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Já para imóveis de R$ 500 mil e R$ 1 milhão, o pagamento adicional é de R$ 137 mil e R$ 300 mil, respectivamente. Hoje, o cliente estará pagando cerca de 20% a mais pelo sonho da casa própria do que em meados de 2020. As projeções são de Carlos Castro, planejador financeiro CFP®️ pela Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar).
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De acordo com Castro, o custo efetivo total dos financiamentos poderia estar ainda maior. “A CET não subiu mais por um fator de mercado. A taxa deveria estar maior e só não está por conta da concorrência entre bancos, principalmente com a chegada das fintechs, que começaram a praticar juros mais baixos”, afirma.
O especialista também explica que, por ter mais componentes dentro do custo efetivo total, essa taxa não se movimenta na mesma proporção que a Selic, apesar de ser norteada por ela. O risco de inadimplência, por exemplo, é um dos fatores que fazem parte da formação do juro do financiamento imobiliário.
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“A Selic é a base para a determinação da taxa de juros da economia como um todo e do crédito, em particular. Logo, os juros do financiamento imobiliário são afetados pela taxa, mas não de forma proporcional ou imediata”, diz o planejador financeiro.
Para Castro, o momento atual, de juros nas alturas, é desfavorável para financiar imóveis. O mais indicado seria esperar a Selic iniciar uma trajetória mais intensa de queda. Segundo o Boletim Focus do dia 29 de abril de 2022 (o mais recente disponível), a expectativa é de que a taxa comece a arrefecer a partir de 2024.
“Com a Selic caindo, o financiamento ficará mais barato. Além disso, o interessado poderia aproveitar esses dois anos para aumentar o valor de reserva”, diz Castro. “Se a pessoa não tem urgência na compra, a recomendação é deixar o juro trabalhar a favor da reserva, isto é, aplicar o valor na renda fixa para daqui a dois anos ter um montante maior de entrada.”
Essa também é a visão de Carol Stange, educadora em finanças pessoais. “É um momento ruim para financiamentos, ainda mais de longo prazo”, diz a especialista. “O aumento da taxa de juros significa uma prática contracionista do governo. Ou seja, o governo quer diminuir o consumo e com isso encarece todos os financiamentos e contratos em geral. Fica mais caro para o consumidor final comprar ‘coisas’, ainda mais financiadas”, afirma.
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Segundo especialistas, uma boa opção para aplicar o dinheiro da entrada do imóvel é o Tesouro Selic. O título público é bastante conservador, possui liquidez diária e paga a variação dos juros no período.
Cuidado com gastos não programados
Para quem não pode esperar o cenário de juros no País melhorar, existem alguns fatores para os quais se deve prestar bastante atenção. Antes de financiar uma casa, terreno ou apartamento é necessário ter certeza de que as parcelas cabem no bolso.
Por determinação da Lei do Comprometimento de Renda, um financiamento imobiliário não pode comprometer mais do que 30% da renda mensal da família.
Entretanto, mesmo que as parcelas fiquem dentro dessa faixa de comprometimento, é preciso considerar outros gastos e dívidas que, unidas ao financiamento, podem enforcar o orçamento familiar acima do porcentual recomendável.
“Às vezes, o banco libera o financiamento considerando apenas o comprometimento de 30%, só que na prática a renda do consumidor fica comprometida acima disso. A pessoa não tem só o financiamento, mas tem a dívida do cartão de crédito, de outras compras feitas”, afirma Castro. “Então, corre-se um grande risco de não conseguir honrar os pagamentos. E se ficar inadimplente, a pessoa pode perder o bem deixado em garantia.”
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Stange aconselha que o comprador coloque sempre na ponta do lápis também o gasto com a documentação do imóvel, que muitas vezes não é levado em conta, e as possíveis despesas com reformas na casa nova. Além disso, o próprio padrão de vida do bairro em que a pessoa irá morar deve ser calculado.
“Quando falamos de mudar para um bairro melhor, por exemplo, também estamos falando de um aumento no custo de vida regular. Isso tudo também faz diferença no orçamento doméstico no final do mês”, afirma Stange. “Por isso, geralmente recomendo que a parcela do imóvel não ultrapasse os 15% da renda, justamente para evitar que não fique pesado se somada a outras despesas de família”, destaca.
O segundo fator a ser levado em consideração ao financiar um imóvel é o índice pelo qual as parcelas serão corrigidas. Atualmente, as taxas mais comuns são Taxa Referencial (TR), Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M). No final, o valor a ser pago será uma soma entre a CET e o índice de correção.
O recomendado, segundo Castro, é optar pela TR, criada em meio à hiperinflação dos anos de 1990 para ser uma taxa de juros de referência. Entretanto, após o controle da inflação e queda dos juros, ela se manteve em patamares muito baixos ou até mesmo nulos.
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Entre setembro de 2017 e 16 de novembro de 2021, a TR permaneceu zerada. Com a Selic acima de 8,5% desde o fim do ano passado, ela voltou a ficar positiva e acumula alta de 0,56% até este mês.
É uma opção muito mais vantajosa do que a correção pela IPCA ou IGP-M (índices de inflação), que dispararam respectivamente 4,78% e 7,53%, de janeiro a maio, e 12,66% e 15,26% em 12 meses (maio de 2021 a maio de 2022). “A inflação subiu absurdamente. Quem corrigiu pela inflação está sofrendo bastante porque as parcelas tiveram um aumento acima de 15% ao ano”, afirma Castro.
Foi isso que aconteceu com Márcio Rocha, profissional autônomo do setor de construção civil. Em meados de 2018, ele comprou um terreno de R$ 55 mil em Cotia (SP). Deu uma entrada de R$ 6,5 mil, com parcelas de R$ 620 ao mês, por um período de 15 anos. A correção dos valores em contrato, entretanto, era feita pelo IGP-M.
Com o salto do índice nos anos seguintes, o valor das mensalidades explodiu. Somente em 2018 e 2019, o índice acumulou uma alta de 7,53 e 7,3% ao ano, respectivamente. Em 2020, na esteira dos efeitos da crise do coronavírus na economia, a inflação medida pelo IGP-M saltou para 23,14% no acumulado do ano.
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“Fui enganado, o corretor não me falou que tinha correção de IGP-M. Paguei no primeiro ano 12 vezes de R$ 620. Em 2019, virou 12 vezes de R$ 670. Em 2020, passou para R$ 720, e depois, R$ 772”, afirma Rocha. “Quando percebi, tentei conversar com o corretor que me vendeu e ele disse que não podia fazer nada, porque estava no contrato e que a culpa era minha por não ter lido. Eu disse que tinha confiado na idoneidade dele e ele me respondeu que eu não deveria confiar em ninguém.”
O autônomo se viu sem recursos para arcar com as parcelas do terreno que não paravam de aumentar, então decidiu fazer um empréstimo com juros menores e quitar o valor restante. “O empréstimo, pelo menos, eu consigo negociar. Já se eu deixar de pagar o financiamento, perco tudo”, diz Rocha.
Anna Karina Spedanieri, assessora de imprensa, também está preocupada com o valor das parcelas do seu financiamento corrigido pelo IPCA. Ela começou a fazer pesquisas para a compra de um apartamento em São Paulo no primeiro semestre do ano passado, quando a Selic ainda estava entre 2% e 4,25% ao ano.
Naquele período, as parcelas do imóvel desejado ficariam em R$ 2,4 mil. Porém, Spedanieri só conseguiu fechar o financiamento no início deste ano, com a Selic já em 9,25%, e as condições mudaram. “As parcelas foram para R$ 2,8 mil, mas eu tive que contratar o financiamento pois precisava da propriedade. A diferença pesa no bolso”, afirma. “Além disso, meu financiamento é corrigido pelo IPCA e notei que as parcelas estão aumentando, já estou em alerta.”
Apesar de não poder alterar o índice de correção, o consumidor pode tentar negociar com o banco financiador um juro menor ou até mesmo migrar para outra instituição financeira, com condições melhores e até mesmo com abatimento de parcelas.
Esse processo se chama ‘portabilidade de financiamento’, é um direito do cliente e pode ser um recurso para quem caiu na ‘armadilha’ da correção pela inflação. /COLABOROU DANIEL ROCHA