Operação Carbono Oculto pode bloquear até R$ 1,4 bilhão de fundos de investimentos. (Foto: Foto Werther Santana/Estadão)
Separar fato de boato é o primeiro passo para quem acordou com a notícia de que sua gestora ou fundo está entre os alvos da Operação Carbono Oculto, que investiga lavagem de dinheiro via fundos de investimentos e fintechs. Para os investidores, resta manter a tranquilidade e tentar entender o alcance do problema. “Uma operação da Polícia Federal (PF) não significa culpa formada, mas pode gerar efeitos práticos no dia a dia dos fundos”, diz Jeff Patzlaff, planejador financeiro.
A ação das autoridades atingiu mais de 30 fundos de investimento e pelo menos dez instituições financeiras, entre administradoras, gestoras e fintechs de pagamento, segundo informações que circularam após a deflagração da operação, na última quinta-feira (28).
O que checar primeiro: CVM, site do fundo e comunicados
Patzlaff recomenda que o investidor busque informações oficiais, no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na página do próprio fundo, onde devem ser divulgadas comunicações obrigatórias. Em paralelo, é fundamental confirmar posição e custódia fora do ambiente da gestora.
A ferramenta mais segura é a Área do Investidor da B3, que mostra um extrato consolidado de ativos. “É um espelho oficial independente do relatório da gestora”, diz Patzlaff. Se houver divergência, o investidor deve registrar, documentar com prints e abrir protocolo de atendimento.
É importante também compreender orisco jurídico e operacional. O patrimônio do fundo fica separado do caixa da gestora, pilar que protege o investidor no Brasil. Ainda assim, ordens judiciais podem atingir ativos em casos específicos, o que torna importante o acompanhamento dos comunicados, regulamentos e avisos recentes do fundo.
A própria indústria de fundos também mantém ferramentas de proteção dos cotistas, como o fechamento para resgates ou a criação de “side pockets“. O primeiro serve para evitar corrida e liquidação forçada de ativos em momentos de pânico, enquanto os segundos são usados para isolar ativos problemáticos. Ou seja, quando há estresse de mercado, o fundo cria uma “carteira separada” (o side pocket) onde coloca esses ativos de risco para que o restante continue operando normalmente.
O investidor deve também acionar o seu assessor ou consultor de investimentos para tirar dúvidas, além dos serviços de atendimento ao consumidor (SAC) e ouvidorias dos administradores. Se houver suspeita de irregularidade, vale registrar reclamação nos canais da CVM.
Resgatar agora ou esperar? Sinais objetivos para decidir
A visão de que o cotista precisa ser proativo na sua relação com fundos, gestoras e bancos é corroborada por Fábio Galvão, advogado e ex-superintendente de processos sancionadores da CVM.
“O investidor não pode se contentar apenas com os comunicados da gestora. É preciso ir atrás das informações públicas já disponíveis na CVM e em outras plataformas”, afirma o advogado Galvão.
No caso de falhas em corretoras ou distribuidoras – como ordens não executadas ou apropriação indevida – há ainda o Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos supervisionado pela B3. Para quem precisa de caixa de curto prazo, Patzlaff sugere manter recursos fora do ecossistema da gestora sob incerteza, até que o quadro se estabilize.
E em um momento de incertezas como agora, é melhor resgatar ou esperar?
A resposta depende do grau de impacto da investigação. Se há sinais de falhas operacionais, a prioridade está em reduzir exposição tática, o que pode significar resgatar parte dos recursos líquidos. Mas sempre há o risco de decisões precipitadas. “Evite desinvestir às cegas só por manchete”, diz Patzlaff .
Uma saída prática consiste em resgatar parte e manter outra, acompanhando fatos objetivos. No médio prazo, é manter a estratégia de diversificação com diferentes gestores e administradores.
O problema para todos nós
Agentes se concentraram na região da Av. Faria Lima na madrugada da última quinta-feira (28) em São Paulo para darem início a operação Carbono Oculto. (Foto: Divulgação Receita Federal)
A dimensão do problema, no entanto, vai além do investidor individual que eventualmente possui patrimônio numa das instituições investigadas. Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa, reforça que este tipo de incidente tem uma característica sistêmica.
“Ninguém está completamente imune. O que se revela são teias negociais complexas, arranjos em vários formatos e sociedades inusitadas”, diz Silva, do Instituto Empresa.
Silva acredita que os pequenos investidores hoje têm pouco acesso a informações dos fundos, que publicam suas carteiras de investimento com um atraso de pelo menos três meses. “A luz do dia é o melhor detergente”, diz.
Por outro lado, Gustavo Rabello, sócio de Mercado de Capitais do SouzaOkawa, avalia que o sistema financeiro brasileiro tem um dos arcabouços mais avançados do mundo, mas que o o risco trazido pela Carbono Oculto é reputacional. “Quando surgem investigações criminais, a tendência é que todo o setor sofra um abalo de confiança”, diz.
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A indústria de fundos soma mais de 35 mil veículos e R$ 9,5 trilhões em patrimônio.
Se houver dolo ou culpa grave, lembra Rabello, os investidores podem buscar reparação judicial, já que a CVM prevê que administradores e gestores respondam por prejuízos em caso de violação da lei ou do regulamento.
Procurada, a CVM afirmou apenas que “acompanha e analisa informações e movimentações relacionadas ao mercado de valores mobiliários, tomando medidas cabíveis, sempre que necessário”. “A autarquia não comenta casos específicos”, afirma.
Arthur Longo Ferreira, sócio do Henneberg Ferreira e Linard Advogados, destaca que a separação patrimonial protege o cotista de perdas diretas ligadas à gestora, mas não elimina riscos de confiança.
Já o advogado Luís Garcia lembra que, se comprovado que a gestora se beneficiou ou foi negligente em práticas ilícitas, cabem ações de indenização individuais ou coletivas. Em casos graves, como gestão fraudulenta ou temerária, a lei tipifica como crime contra o sistema financeiro.
“No âmbito das operações Carbono Oculto e Quasar, se ficar demonstrado que houve omissão ou benefício, os cotistas terão base sólida para acionar judicialmente em busca de transparência e ressarcimento”, afirma o advogado.
Descoberta da fraude é positiva para o sistema
Fábio Galvão diz que o episódio também mostra que os órgãos de fiscalização estão atuando. Ele ressalta que a operação envolveu Polícia federal (PF), Banco Central (BC), Receita Federale Ministério Público em um esforço conjunto para fechar brechas no sistema.
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O ex-superintendente acredita que o caso trará mudanças regulatórias, especialmente no uso de contas-bolsão por fintechs, que concentram recursos sem identificar o beneficiário final.
“No longo prazo, isso tende a reforçar a higidez do mercado. É um ‘lessons learned‘ (lições apreendidas) que aponta para a necessidade de fortalecer CVM e Banco Central”, avalia o ex-superintendente.
Além da Carbono Oculto – que envolve ainda o Ministério Público de São Paulo –, as autoridades também colocaram nas ruas as operações Quasar, da PF – mais focada no Primeiro Comando da Capital (PCC) – e a Tank – também da PF, que tem como alvo uma rede de lavagem de dinheiro no Paraná.
As três diligências desarticularam esquemas bilionários de lavagem de dinheiro e fraudes no setor de combustíveis. Envolveram PF, Receita Federal e Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), com 400 mandados judiciais, 14 prisões e bloqueio de R$ 3,2 bilhões.