Educação Financeira

Nathalia Arcuri: “É ruim investir com agente autônomo porque eles cuidam dos interesses deles”

A especialista em planejamento financeiro defende a autonomia das pessoas sobre o próprio dinheiro, por meio de preparação e estudo

Nathalia Arcuri: “É ruim investir com agente autônomo porque eles cuidam dos interesses deles”
Nathalia Arcuri (Foto: Nilton Fukuda/Estadão)
  • Ao E-Investidor, Arcuri aponta caminhos por onde se deve começar a organizar os recursos, como o estudo, e cita alguns equívocos, na visão dela, como a delegação dos investimentos a outros interesses;
  • A sensação de retomada da economia, causada em parte pela reabertura do comércio, pode ter levado algumas pessoas a reduzirem a luz do alerta, na avaliação de Arcuri.
  • “[Pecisa] fazer o possível quando estivermos no ciclo de bonança. Não pode contar com o ovo antes da galinha, não pode contar que o próximo auxílio emergencial vai chegar, porque o País tem um problema fiscal e um governo que não sabe como lidar com a crise interna”, diz a CEO da Me Poupe!

Se a crise vai deixar algum aprendizado para os brasileiros, Nathalia Arcuri, CEO e diretora de conteúdo da Me Poupe!, espera que seja o senso de responsabilidade sobre as finanças pessoais. “Ninguém vai fazer isso por nós”, alerta a especialista em planejamento financeiro, que participa da 7ª edição da Semana Nacional de Educação Financeira (Semana Enef). Ao E-Investidor, Arcuri aponta caminhos por onde se deve começar a organizar os recursos, como o estudo, e cita alguns equívocos, na visão dela, como a delegação dos investimentos a outros interesses.

“As pessoas ainda querem que a gente fale onde elas devem investir. Mas quando é sobre investimento, você precisa decidir porque até hoje decidiram por você e deu no que deu. Por isso que é tão ruim investir em banco, ou com agente autônomo, porque eles estão cuidando dos interesses deles”, afirma a especialista.

A sensação de retomada da economia, causada em parte pela reabertura do comércio, pode ter levado algumas pessoas a reduzirem a luz do alerta, na avaliação de Arcuri. Ela nota que as pesquisas sobre renda extra, por exemplo, reduziram nos últimos meses, se comparada ao temor no auge da crise. Esse é um erro, porque as crises são cíclicas e, dadas as condições do Brasil, quem não se preparar vai ser pego com as calças curtas novamente.

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“[Precisa] fazer o possível quando estivermos no ciclo de bonança. Não pode contar com o ovo antes da galinha, não pode contar que o próximo auxílio emergencial vai chegar, porque o País tem um problema fiscal e um governo que não sabe como lidar com a crise interna”, diz a CEO da Me Poupe!. “A cada hora tem um discurso que muda, ou seja, uma falha de gestão grave. Aí o dólar dispara e ainda prejudica mais quem é dependente de ajuda do governo, que é aquela pessoa cujo salário é basicamente para a própria subsistência”, completa.

A Semana Enef de 2020 acontece até o próximo dia 29, e esta edição tem como tema “Resiliência financeira: como atravessar a crise?”. A iniciativa visa oferecer ações gratuitas de educação financeira, securitária, previdenciária e fiscal de entidades públicas e privadas. A Me Poupe! vai ser parceira na produção de conteúdos inéditos e gratuitos para o evento e também um e-book, reunindo tudo o que foi compartilhado durante a semana.

Confira a seguir a entrevista completa com Nathalia Arcuri.

E-Investidor: Como avalia que os brasileiros estão atravessando a crise na questão financeira?

Nathalia Arcuri: A busca por conteúdos de renda extra teve um pico entre maio e julho, e já começou a diminuir. Isso demonstra que as pessoas criaram esse senso de esperança pela retomada da economia. Isso tem um lado bom, porque era um momento muito angustiante, principalmente para quem não se planejou. Por outro lado, fica a sensação de: será que ficou aprendizado? Será que as pessoas aprenderam algo com a crise? Porque elas são cíclicas e a próxima vai acontecer, só não sabemos quando. Então me preocupa muito as pessoas voltarem à tendência de consumo, de gastar mais do que tem ou consumir no limite do que podem.

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Qual deve ser a maior lição tirada dessa crise?

O Brasil é muito afetado por qualquer fator externo ou interno. Em países mais desenvolvidos, não é uma crise que faz as pessoas ficarem sem comida. Aqui estamos sempre em desvantagem. Então a lição que precisa ficar é que nós, como indivíduos, precisamos nos responsabilizar sobre a nossa vida financeira, porque ninguém vai fazer isso por nós. E fazer o possível quando estivermos no ciclo de bonança. Não pode contar com o ovo antes da galinha. Não pode contar que o próximo auxílio emergencial vai chegar. O País tem um problema fiscal, um governo que não sabe como lidar com a crise interna, que a cada hora tem um discurso que muda, ou seja, uma falha de gestão grave. Aí o dólar vai embora e ainda prejudica mais quem é dependente de ajuda do governo, que é aquela pessoa cujo salário é basicamente para a própria subsistência.

Para a Enef, foi criado o “Me Poupe! À prova de crise – Como se preparar sem pirar”. O que tem de diferente nesse conteúdo?

O produto final. Vai ser gerado um livro gratuito para as pessoas no final dessa semana, com muito conteúdo prático, guias, planilhas, tabelas, enfim, ferramentas em geral que a pessoa pode usar no dia a dia dela. Isso tudo vai gerar um compilado de um livro único digital, que vai ser disponibilizado de graça para todas as pessoas.

Em um momento de crise, qual deve ser a primeira iniciativa? É uma tomada de consciência antes de uma ação prática?

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Sempre parte de entender o que é mais importante para você. O que eu mais vi nos últimos anos de Me Poupe!, acompanhando alunos e seguidores, é que quem queria começar a investir ou guardar dinheiro sem ter um foco em mente se dispersa, porque no dia a dia tudo chama mais a sua atenção. Para investir precisa ter um objetivo muito claro, porque senão você não escolhe o melhor investimento. Depende do tempo, dos juros compostos, da estratégia. Mas isso é um segundo passo. O primeiro é sempre se perguntar o que exatamente você quer com esse dinheiro.

Na organização das finanças, onde as pessoas mais erram na crise?

Tem um dado da CVM mostrando que neste ano aumentou consideravelmente o número de denúncias de golpes, de pirâmide, de esquema Ponzi. As pessoas ficam vulneráveis porque qualquer promessa de ganho fácil é exatamente o que o nosso cérebro quer. Se deu certo com o amigo, a amiga, por que eu não vou entrar nisso? E é assim que os golpes se perpetuam. Algumas pessoas se dão bem e, na sequência, várias se dão mal. Durante a crise esse foi o principal erro, se apegar às esperanças de dinheiro fácil por conta dessa necessidade por respostas rápidas.

Como as pessoas devem se preparar para investir, conciliando dívidas e reserva financeira?

As pessoas têm muito medo. Por mais que leiam, escutem, é sempre oito ou oitenta. Ou elas querem algo muito fácil com promessa de ganho rápido ou manter o dinheiro na poupança. É como se faltasse um elo entre esses dois universos, que é onde moram os investimentos. Poupança é um péssimo investimento e pirâmide é cilada. Mas existe um universo de possibilidades, mas o investidor precisa entender, tirar um tempo para estudar.

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Como assumir esse compromisso de aprender?

Por mais que explique do jeito mais simples, as pessoas ainda querem que a gente fale onde elas devem investir. Mas quando é sobre investimento você precisa decidir, porque até hoje decidiram por você e deu no que deu. Por isso que é tão ruim investir em banco, ou com agente autônomo, porque eles estão cuidando dos interesses deles.

Quais são os maiores mitos a se desconstruir?

Saber que pode investir com pouquíssimo dinheiro. Com dez reais, você consegue comprar ação. Não precisa ser milionário para começar. Na verdade, precisa investir agora para virar milionário um dia se você quiser. Delegar isso para terceiros é pedir para não sair do lugar. Infelizmente no Brasil hoje essa é a realidade. A gente até tem instituições confiáveis, mas que não necessariamente vão garantir uma grande rentabilidade para o cliente, porque estão ali no que é mais seguro no fim das contas.

Não tem como fugir do risco?

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Não pode aplicar o dinheiro de alguém conservador de uma maneira arriscada. Porém, quanto mais você conhece do assunto, mais risco você consegue tomar e mais ganho você vai ter. Essa é a trajetória, o ponto a ponto de qualquer investidor. Você começa sabendo nada, e quanto mais você conhece, mais arrisca e mais dinheiro vai ganhar de maneira lícita e com segurança.

Muita gente correu para a bolsa. Quais suas perspectivas para esse movimento? O Brasil vai ter muitos milionários em breve?

Um aluno meu, da jornada de março deste ano, que tinha pouquíssimo dinheiro investido, me mandou mensagem três semanas atrás dizendo que tinha chegado ao primeiro milhão, com uma boa carteira, investindo cada vez mais, ganhando mais dinheiro, usando as técnicas. Se depender de mim, sim, teremos mais milionários, mas não pelo simples prazer de acumular dinheiro, mas muito mais pela questão de dar segurança a si próprio e à família.

Qual é o segredo para ter esse sucesso?

É um pouquinho só de estudo por dia. Dez minutos por dia, e no final de um mês a sua vida já está completamente diferente, porque a educação financeira é um gatilho para disparar benefícios em todas as áreas da nossa vida. Comprovadamente, melhora a nossa saúde, o nosso sono, os nossos relacionamentos interpessoais, tanto no trabalho quanto dentro de casa. No curto prazo, as pessoas passam a comemorar cada centavo que rendeu e, automaticamente, isso leva você a começar a fazer conta e pensar que se tivesse juntado dinheiro antes, quanto poderia ter agora.

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Por que as pessoas costumam desistir no caminho ou antes de tentar?

Quando falamos sobre educação financeira é muito fácil levar as pessoas a pensarem naquele lugar comum de que ela vai ter que parar de viver para ter dinheiro. Mas isso não é educação, é burrice financeira. Não faz o menor sentido você juntar dinheiro para não viver o presente, em nome de um futuro que você nem sabe se vai existir. Não, o dinheiro foi feito para ser usado no presente e gerar frutos para o futuro.

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